
Apesar do recente cessar-fogo e do acordo que levou os Estados Unidos a interromper sua campanha aérea contra os Houthis, o movimento xiita alinhado ao Irã continua sendo uma das principais preocupações estratégicas para a segurança norte-americana e para a estabilidade regional. Na avaliação do Tenente-General da Força Aérea Alexus Grynkewich, diretor de Operações do Estado-Maior Conjunto, “os Houthis provavelmente serão um problema persistente com o qual lidaremos várias vezes no futuro”.
Origens e Evolução dos Houthis
O movimento Ansar Allah, mais conhecido como Houthis, surgiu no início dos anos 2000 na província de Sa’dah, no norte do Iêmen, como uma expressão de resistência da minoria zaidita (ramo do xiismo) à marginalização econômica e política.
- Primeira Fase (2004–2010): Conflitos localizados contra o governo central de Sanaa; foco em demandas sociais e religiosas.
- Segunda Fase (2011–2014): Aproveitamento das revoltas da Primavera Árabe; insurgência ganhou território e visibilidade nacional.
- Conquista de Sanaa (2014): Tomada da capital e expulsão do governo reconhecido internacionalmente; início de intervenção saudita-emiratense em 2015.
Alinhamento com o Irã e Estrutura de Apoio
Embora os Houthis afirmem agir em defesa da soberania iemenita, há amplo consenso em que Teerã lhes fornece suporte logístico, treinamento e armamentos, incluindo mísseis balísticos e drones. Esse apoio transforma o grupo em instrumento de projeção de poder iraniano contra rivais regionais, em especial Arábia Saudita e EUA.
O Impacto no Tráfego Marítimo do Mar Vermelho
A costa iemenita banha o Mar Vermelho, rota crucial por onde passam quase 12% do comércio mundial e cerca de 30% do tráfego de petróleo global.
- Bloqueios e Ataques: Desde 2016, os Houthis dispararam mísseis e drones contra navios comerciais e militares, alegando retaliação a ataques sauditas e solidariedade com a causa palestina.
- Risco de Escalada: Interrupções no estreito de Bab el-Mandeb podem elevar drasticamente os custos de transporte e estimular uma resposta militar ampliada por coalizões internacionais.
A Campanha Aérea dos EUA e o Acordo de Cessar-Fogo
Em abril e maio de 2025, os EUA realizaram ataques aéreos pontuais contra arsenais houthi e locais de lançamento de drones, após repetidos disparos contra navios norte-americanos. Em contrapartida, em junho, foi anunciado um acordo — mediado por Omã — que levou Washington a suspender tais bombardeios, condicionado à interrupção de ataques pelos Houthis.
Desenvolvimentos Recentes e Perspectivas de Novos Confrontos
- Cooperação Armada com o Irã: Em 15 de junho de 2025, os Houthis anunciaram que haviam disparado mísseis balísticos contra a região de Jaffa, em Israel, “em coordenação com o Irã” — primeira declaração pública de ação conjunta no front israelense.
- Sanções Americanas de 20 de junho: O Tesouro dos EUA impôs novas sanções a redes que auxiliam o Irã no fornecimento de tecnologia dual-use para os Houthis, visando desarticular as cadeias de suprimento de mísseis e drones.
- Escassez de Munições navais: Em depoimento ao Congresso, o Almirante James Kilby alertou que os frequentes ataques houthi expuseram fragilidades no estoque de interceptores e mísseis Tomahawk da Marinha dos EUA, sugerindo diversificar fornecedores e ampliar a produção doméstica.
Na avaliação de Grynkewich, esse contexto de alta volatilidade torna o cessar-fogo atual um “interlúdio”, e não uma solução definitiva.
Estratégias de Contenção e Alternativas Diplomáticas
a) Fortalecimento da Defesa Naval Aliada
– Coordenação com Grã-Bretanha, França e aliados do Golfo para patrulhar o Mar Vermelho;
– Modernização de sistemas antissuperfície e antidrone, com contratos acelerados para mísseis e interceptores.
b) Incentivos Políticos e Sociais no Iêmen
– Apoio a esforços humanitários e reconstrução de infraestrutura através de agências da ONU;
– Inclusão dos Houthis em diálogos de paz mediado por Omã e ONU, condicionando ajuda a avanços concretos no processo político.
c) Pressão sobre o Irã
– Sanções diretas às redes de financiamento houthi-iranianas e aos intermediários comerciais;
– Diplomacia multilateral visando limitar o fluxo de armas e coibir o contrabando através do Norte do Iêmen.
Consequências para a Política Externa dos EUA
O desafio imposto pelos Houthis revela um dilema estratégico para Washington: equilibrar a dissuasão militar com a necessidade de não se envolver em outro conflito prolongado. A administração norte-americana precisará demonstrar firmeza para proteger rotas comerciais, mas também discernimento para apoiar soluções políticas que reduzam o apelo à luta armada.
Conclusão
O movimento Houthi permanece um ator resiliente, espelhando rivalidades regionais e as fragilidades internas do Iêmen. O acordo recente garantiu apenas uma trégua temporária; adversários como o próprio Irã mantém interesse estratégico em manter “poder de dissuasão” no sul da Península Arábica. Para os EUA, resta calibrar uma estratégia híbrida de pressão militar, sanções direcionadas e engajamento diplomático, reconhecendo que esse “problema persistente” certamente voltará a exigir atenção no futuro próximo.
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