Hungria anuncia retirada do TPI em meio à visita de Netanyahu

O primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán e o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu caminham no tapete vermelho durante uma cerimônia de boas-vindas no Pátio dos Leões em Budapeste, Hungria, em 3 de abril de 2025. REUTERS/Bernadett Szabo
O primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán e o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu caminham no tapete vermelho durante uma cerimônia de boas-vindas no Pátio dos Leões em Budapeste, Hungria, em 3 de abril de 2025. REUTERS/Bernadett Szabo

A Hungria surpreendeu o cenário internacional ao anunciar sua decisão de se retirar do Tribunal Penal Internacional (TPI) nesta quinta-feira, poucos momentos após a chegada do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, ao país para uma visita de Estado. A medida, comunicada pelo governo húngaro, ocorre num contexto de tensões crescentes entre o TPI e líderes que enfrentam mandados de prisão internacionais, como é o caso de Netanyahu.

Contexto e Motivações

A decisão de retirar a Hungria do TPI foi tomada logo após o tribunal emitir um mandado de prisão contra Netanyahu, sob acusações de crimes de guerra relacionados à ofensiva em Gaza. Netanyahu rejeita as acusações, afirmando que são motivadas politicamente e enraizadas em antissemitismo. Nesse cenário, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, aliado firme de Netanyahu, classificou o mandado do TPI como “descarado, cínico e totalmente inaceitável”.

Embora a Hungria seja um dos membros fundadores do TPI, sua relação com o tribunal sempre foi marcada por certa ambivalência. O país assinou o documento fundador – o Estatuto de Roma – em 1999 e o ratificou em 2001, mas nunca promoveu sua incorporação plena à legislação interna. Gergely Gulyás, chefe de gabinete de Orbán, destacou, em declarações anteriores, que “o Estatuto nunca foi efetivamente incorporado à lei húngara”, o que tem permitido ao governo questionar a obrigação de cumprir os mandados emitidos pelo TPI.

Além disso, essa não é a primeira vez que um Estado se posiciona contra as decisões do TPI. Historicamente, os Estados Unidos nunca ratificaram o Estatuto, e a Rússia retirou sua assinatura, evidenciando um ceticismo em relação à legitimidade do tribunal para processar líderes políticos eleitos.

Implicações Internacionais e Possíveis Precedentes

A retirada da Hungria do TPI pode ter ramificações significativas:

  • Influência sobre outros países da UE:
    A decisão de Orbán pode incentivar outros Estados-membros da União Europeia a repensar sua relação com o TPI, especialmente aqueles que já enfrentam críticas internas ou pressões políticas para não cumprir medidas internacionais que consideram parciais ou politizadas. Essa postura pode criar um precedente perigoso, abrindo caminho para que outros países evitem o cumprimento de mandados internacionais.
  • Precedente para a evasão de obrigações internacionais:
    Se a retirada húngara for bem-sucedida em anular as obrigações relacionadas ao TPI, isso pode incentivar outros governos a seguir o mesmo caminho, enfraquecendo um dos principais mecanismos de responsabilização por crimes de guerra e violações dos direitos humanos no cenário global.
  • Relações com aliados europeus e a ONU:
    A decisão poderá tensionar os laços com aliados que defendem a ordem internacional baseada em normas jurídicas. Países comprometidos com a justiça internacional, assim como organizações como a ONU, podem ver a retirada como um retrocesso na luta contra a impunidade, comprometendo a credibilidade do sistema internacional.

Declarações Oficiais e Reações

O governo húngaro não poupou palavras para justificar a decisão. Viktor Orbán afirmou, por meio de suas redes sociais, que “é hora de a Hungria reavaliar sua participação em uma organização que ignora os interesses dos Estados soberanos e está sob sanções dos EUA.” Já Gergely Gulyás ressaltou que “o TPI nunca foi plenamente incorporado à lei húngara e, por isso, não podemos ser obrigados a cumprir medidas que consideramos ilegítimas.”

Reações internacionais já começaram a surgir:

  • Israel: Representantes do governo israelense reiteraram que as acusações contra Netanyahu são infundadas e que a decisão húngara reforça o argumento de que o TPI age de maneira politizada.
  • União Europeia: Alguns líderes europeus manifestaram preocupação de que a saída da Hungria possa desencorajar outros membros da UE a manterem compromissos com o tribunal, comprometendo a unidade e os esforços de justiça internacional.
  • ICC: O próprio Tribunal Penal Internacional alertou que, mesmo durante o processo de retirada – que deve durar cerca de um ano –, a Hungria continuará sendo obrigada a cumprir todas as suas obrigações até que a desvinculação seja efetivada.

Conclusão

A retirada da Hungria do Tribunal Penal Internacional representa um ponto de inflexão na dinâmica entre soberania nacional e obrigações internacionais. A medida, tomada em meio a uma visita simbólica de Netanyahu e fundamentada em argumentos jurídicos e políticos, coloca em xeque a eficácia do TPI e pode servir de incentivo para que outros países reconsiderem sua participação no sistema de justiça global. Esse episódio levanta questionamentos profundos sobre a capacidade do TPI de impor responsabilidade em um mundo onde interesses políticos muitas vezes prevalecem sobre o compromisso com os direitos humanos e a justiça.

O movimento húngaro pode, assim, ter repercussões duradouras tanto nas relações diplomáticas dentro da UE quanto na credibilidade e no funcionamento do TPI, enquanto governos e organizações internacionais se preparam para enfrentar um cenário de desafios à ordem internacional estabelecida.

Para mais detalhes e análises sobre as implicações dessa decisão, confira também nosso artigo: Netanyahu Ruma para Hungria Mesmo com Mandado do TPI: Implicações e Desdobramentos

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