
Em menos de uma semana, a Índia participou de dois encontros multilaterais de grande relevância estratégica: a reunião de ministros das Relações Exteriores do Quad, em Washington, em 1º de julho de 2025, e a 17ª Cúpula do BRICS, no Rio de Janeiro, nos dias 6 e 7 de julho de 2025. Esses eventos ilustram não apenas a agilidade da diplomacia indiana, mas também a crescente complexidade de manter sua autonomia estratégica num cenário internacional marcado pela volatilidade das grandes potências e pela diversificação de blocos regionais.
No BRICS, as ausências dos presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin — que alegaram compromissos internos que impediram suas viagens — enfraquecem o perfil geopolítico da cúpula e, ao mesmo tempo, abrem espaço para que Nova Délhi promova uma agenda econômica mais alinhada aos seus valores e aos de outras democracias emergentes. Já no Quad — formado por Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia —, a declaração conjunta de Washington não se limitou a condenar o ataque terrorista em Pahalgam, Caxemira, mas abordou também temas como segurança marítima, cadeias de suprimento estratégicas e combate à desinformação.
Essa sequência de encontros expõe o desafio central de Nova Délhi: equilibrar o reforço de laços com democracias ocidentais sem alienar seus parceiros do Sul Global, mantendo-se fiel a uma política externa pautada na não‑dependência de qualquer polo e na busca de voz própria nos principais fóruns mundiais.
O BRICS em Transformação
Prioridades econômicas versus ambições geopolíticas
Desde sua criação, em 2009, o BRICS consolidou-se como motor de cooperação econômica entre emergentes, com iniciativas como o Novo Banco de Desenvolvimento e reservas de contingência em moedas locais. No entanto, as divergências internas emergem na visão de cada membro sobre o papel do bloco:
- China e Rússia tendem a enxergar o BRICS como contrapeso à hegemonia ocidental, defendendo um diálogo mais assertivo sobre a governança global;
- Índia e Brasil mantêm foco na facilitação de comércio, atração de investimentos e desenvolvimento de infraestrutura, evitando transformações radicais do sistema financeiro internacional;
- África do Sul prioriza, além disso, maior autonomia para políticas sociais e de desenvolvimento interno.
Essa disparidade explica as reservas de Nova Délhi em relação à proposta de expansão do BRICS: incluir novos membros poderia diluir a influência indiana e aumentar tensões geopolíticas internas.
Esferas de influência e a ausência de Xi e Putin
A falta de Xi Jinping e Vladimir Putin no Rio cria uma janela para a Índia projetar liderança moderada. Com isso:
- Fica mais fácil impulsionar acordos de infraestrutura em moeda local e linhas de crédito sem imposições políticas;
- Abre-se espaço para tratar temas como segurança contra o terrorismo de forma mais firme, sem tanto peso das objeções de Moscou ou Pequim.
Terrorismo e Paquistão no foco de Nova Délhi
Um dos pontos altos da agenda indiana será garantir menções duras ao terrorismo na declaração final da cúpula. Depois do ataque em Pahalgam (23 de junho de 2025), Delhi pressiona para que o bloco condene grupos patrocinados pelo Paquistão. A recepção dessa proposta pelo bloco testará o grau de autonomia indiana frente à influência chinesa — cujo relacionamento com Islamabad segue estreito.
O Quad como Contrapeso no Indo‑Pacífico
Ampliação das iniciativas não‑militares
A reunião de ministros do Quad em Washington reforçou projetos de colaboração em:
- Segurança marítima: patrulhas conjuntas e intercâmbio de informações sobre tráfego ilícito;
- Resiliência de cadeias de suprimento: diversificação de fornecedores de semicondutores e medicamentos;
- Combate à desinformação: rede de verificação de fatos para proteger eleições e instituições democráticas.
Embora o grupo tenha sido criado em 2007 com foco principalmente naval, sua agenda hoje inclui ciência, saúde pública e energias limpas — temas nos quais Índia sai ganhando por contar com centros de pesquisa avançada e manufatura competitiva.
Desafios pela incerteza americana
A posse de Donald Trump, em seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, em 20 de janeiro de 2025, suscitou dúvidas sobre a continuidade do engajamento de Washington com o Quad. A abordagem mais unilateralista e imprevisível de Trump durante seu primeiro mandato gera receios entre os parceiros do grupo, especialmente sobre o compromisso americano com o Indo-Pacífico e a ordem internacional baseada em regras.
No entanto, a realização da reunião ministerial do Quad em Washington, poucos dias após a posse, sinaliza que a iniciativa continua sendo uma prioridade estratégica para os EUA sob Trump. Resta saber se o novo governo buscará reorientar o Quad para um foco mais restrito na segurança marítima e no combate à influência chinesa, abandonando temas mais amplos como clima e saúde, que ganharam tração sob a administração Biden.
Limites indianos a um pacto militar formal
Apesar do alinhamento crescente com o Quad, Nova Délhi resiste a transformá‑lo em aliança militar formal. A experiência de 2007, quando um viés eminentemente estratégico afastou a Índia, segue viva: qualquer sinal de tratado de defesa automática seria rejeitado em nome da autonomia estratégica.
A Busca pela Autonomia Estratégica
História de não‑alinhamento e estratégia multivetorial
A política externa indiana foi construída sobre a doutrina do não‑alinhamento, que hoje se traduz em “estratégia multivetorial”: firmar parcerias simultâneas com potências ocidentais, emergentes e da Comunidade de Estados Independentes, sem depender exclusivamente de nenhuma.
Diversificação de parcerias globais
Além de Quad e BRICS, a Índia estreita laços bilaterais e regionais:
- Parceria com União Europeia para transferência de tecnologia e investimentos em energias renováveis;
- Relação com o Japão em infraestrutura e inovação;
- Diálogo ampliado com países da África via projeto India for Africa, focado em educação e saúde.
Desafios estruturais e armadilhas
Porém, a Índia enfrenta obstáculos:
- Dependência em defesa: equipamentos militares ainda provêm majoritariamente da Rússia e dos EUA;
- Pressões diplomáticas sobre Caxemira: condenações internacionais podem gerar atritos em fóruns multilaterais;
- Concorrência com a China por influência na Ásia e na África, onde ambas disputam contratos de infraestrutura.
Conclusão
Os encontros consecutivos do Quad e do BRICS em julho de 2025 mostram até onde a diplomacia indiana é capaz de se adaptar a uma ordem global fragmentada, marcando posições diversas sem arrefecer seu ímpeto de protagonismo. O verdadeiro teste, contudo, está por vir: equilibrar alinhamentos estratégicos úteis com a preservação de sua autonomia, em meio a rivalidades cada vez mais acirradas entre Estados Unidos e China, enquanto mantém sua ambição de dar voz às nações do Sul Global. Essa dança de interesses permanecerá o eixo central da política externa de Nova Délhi nos próximos anos.
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