
Em meio a um novo capítulo nas relações sul-asiáticas, o encontro do ministro britânico das Relações Exteriores, David Lammy, com autoridades indianas e paquistanesas reforça uma agenda dupla de segurança e economia. A seguir, uma análise aprofundada dos desdobramentos recentes, dos pontos-chave discutidos e das perspectivas geopolíticas em jogo.
Panorama do Conflito e do Cessar-fogo
- Estopim em abril: O assassinato de 26 civis em Pahalgam, na Caxemira controlada pela Índia, em 22 de abril, foi atribuído por Nova Délhi a grupos “terroristas” apoiados pelo Paquistão, acusações que Islamabad veementemente nega.
- Retaliação e escalada: Em 7 de maio, a Índia lançou a “Operation Sindoor” — ataques de precisão contra supostas infraestruturas de Jaish-e-Mohammed e Lashkar-e-Taiba em território paquistanês —, intensificando a tensão até o acordo de cessar-fogo em 10 de maio.
- Acordo de 10 de maio: Intervenção diplomática, sobretudo do Reino Unido e dos EUA, ajudou a viabilizar o cessar-fogo, mas ele permanece vulnerável a incidentes isolados e à retórica belicosa.
A Missão de David Lammy: Diálogo em Dois Frentes
Encontros em Nova Délhi e No Contexto Bilateral
- Com Modi e Jaishankar: No sábado, Lammy reuniu-se com o primeiro-ministro Narendra Modi e com o chanceler S. Jaishankar para “expandir a colaboração em contraterrorismo”, conforme declaração à Reuters.
- Temas já avançados: Em 2024, Índia e Reino Unido haviam trocado acordos sobre coibir financiamento terrorista, alinhar esforços policiais e judiciários e melhorar o compartilhamento de inteligência.
Diálogo em Islamabad
- Visita histórica: Lammy tornou-se o mais alto representante ocidental a visitar Islamabad desde o cessar-fogo. Embora o governo paquistanês não tenha detalhado reuniões específicas, o gesto reforça a mensagem de que o Reino Unido busca envolvimento equilibrado junto a ambas as partes
- Pressão por estabilidade: Em 17 de maio, Lammy afirmou que Reino Unido e EUA trabalham para assegurar um cessar-fogo duradouro e fomentar medidas de confiança mútua, destacando ainda o valor de tratados históricos como o de águas do Rio Indo.
Aposta Econômica: Livre-Comércio e Crescimento
- Acordo prestes a ser assinado: As negociações do acordo de livre-comércio foram concluídas em maio; o primeiro-ministro Keir Starmer planeja deslocar-se a Nova Délhi “muito em breve” para oficializar a assinatura.
- Impacto esperado: A aliança abrirá espaço para exportações de serviços financeiros britânicos, tecnologia limpa, bens de consumo e estimulará investimentos em infraestrutura na Índia, enquanto Londres ganhará maior acesso a um mercado de mais de 1,4 bilhão de consumidores.
Implicações Geopolíticas
- Equilíbrio de Poder no Sul da Ásia: A intensificação do vínculo Reino Unido–Índia, paralela ao engajamento em Islamabad, pode funcionar como contrapeso à expansão chinesa sob a Nova Rota da Seda.
- Modelo de Cooperação Antiterror: A oferta de treinamento, apoio logístico e partilha de inteligência posiciona ambos os países como líderes em respostas coordenadas a redes terroristas transnacionais.
- Relações Indo-Paquistanesas: O pedido britânico por “diálogo direto” e “contínuo” a Islamabad e Nova Délhi busca não apenas manter o cessar-fogo, mas criar base para conversas de mais longo prazo, potencialmente envolvendo garantias de respeito aos tratados de água e ao status legal da Caxemira.
Desafios à Frente
- Resistência de Grupos Extremistas: Organizações como LeT e JeM permanecem ativas, o que exige vigilância constante e rapidez nas trocas de inteligência.
- Complexidade Jurídica e Operacional: Harmonizar investigações e processos de extradição entre sistemas legais distintos demanda acordos bilaterais sólidos e confiança institucional.
- Volatilidade Política Interna: Mudanças de governo ou pressões populistas, em qualquer um dos três países, podem redefinir prioridades e ritmo de implementação.
Conclusão
A visita de David Lammy consolida um momento de oportunidade para transformar a frágil trégua em bases sólidas de cooperação. No eixo segurança-economia, Reino Unido e Índia projetam não apenas reduzir ameaças imediatas, mas também reforçar uma aliança estratégica de longo prazo, que pode influenciar o futuro geo-econômico e de segurança de toda a região sul-asiática. Resta acompanhar, nas próximas semanas, se os compromissos de assinatura do acordo comercial e os compromissos antiterroristas serão efetivamente cumpridos — e como Islamabad reagirá a este novo protagonismo britânico.
Faça um comentário