
O Tratado de Águas do Índus, firmado em 1960 e até então considerado um dos mais bem-sucedidos acordos de recursos hídricos entre duas nações, regula a distribuição de água dos seis principais rios do sistema Indus entre Índia e Paquistão. Em abril de 2025, Nova Délhi suspendeu sua participação no acordo, invocando segurança nacional após um ataque terrorista em Jammu e Caxemira, e em junho o Ministro do Interior, Amit Shah, afirmou que o tratado “nunca será restaurado”. A decisão não apenas agrava as tensões entre duas potências nucleares, mas também coloca em risco a agricultura paquistanesa, dependente de 80% do fluxo hídrico compartilhado. Este artigo analisa o histórico do tratado, as motivações para sua suspensão, os planos de infraestruturas indianas para desviar o fluxo, as reações paquistanesas, os desafios legais e as perspectivas para uma resolução duradoura.
Contexto Histórico do Tratado
O Tratado de Águas do Índus, assinado em 19 de setembro de 1960 sob mediação do Banco Mundial, regula o uso conjunto de seis rios do sistema Indus. Segundo o acordo, Índia e Paquistão dividem‑nos: Índia tem direito exclusivo aos rios Sutlej, Beas e Ravi (fluxo anual médio de cerca de 33 milhões de acre‑pés), enquanto o Paquistão detém os rios Indus, Jhelum e Chenab (cerca de 135 milhões de acre‑pés anuais), essenciais para sua agricultura irrigada.
Suspensão em “Abeyance” e Razões Invocadas
Em 24 de abril de 2025, o governo indiano comunicou formalmente a suspensão imediata (“abeyance”) de sua participação no tratado, citando “apoio de Islamabad ao terrorismo transfronteiriço” como violação fundamental. A carta assinada pela Secretária de Recursos Hídricos, Debashree Mukherjee, apontou que ataques como o ocorrido em Pahalgam (Jammu e Caxemira), que matou 26 civis em 22 de abril, criaram “incertezas de segurança” que impedem Nova Délhi de exercer plenamente seus direitos hídricos.
Declaração de Amit Shah: “Nunca Será Restaurado”
Em entrevista ao Times of India em 21 de junho de 2025, o Ministro do Interior, Amit Shah, declarou com veemência que o tratado “nunca será restabelecido” enquanto o Paquistão falhar em “renegar de forma crível e irrevogável” o terrorismo contra a Índia. Ele confirmou planos de desviar o fluxo de rios que antes seguiam para o Paquistão, canalizando‑os ao estado de Rajasthão, e classificou o acesso anterior como “injustificável”.
Plano de Infraestrutura em Rajasthão
Shah detalhou que, em até três anos, um canal levará as águas do Indus (Sindhu) até Sri Ganganagar, no Rajasthão, expandindo drasticamente a irrigação local. O projeto, ainda em fase de planejamento, inclui desassoreamento de leitos e construção de estruturas de captação, com objetivo de “não deixar uma única gota” seguir rumo ao Paquistão.
Crise Hídrica no Paquistão
Fontes paquistanesas relatam níveis “morto” em reservatórios críticos, prejudicando a próxima safra kharif (semeadura de junho a outubro). A redução de água ameaça até 90% da agricultura irrigada do país, fomentando uma crise alimentar e econômica — reflexo direto da suspensão do tratado e dos novos projetos indianos no sistema Indus.
Reações em Islamabad e Medidas Diplomática
- Ato de Guerra: O Conselheiro de Assuntos Exteriores, Sartaj Aziz, afirmou que qualquer bloqueio unilateral de fluxo hídrico será “considerado um ato de guerra”.
- Cartas de Apelo: Desde abril, o Secretário de Recursos Hídricos do Paquistão, Syed Ali Murtaza, enviou ao menos quatro cartas ao Ministério indiano, pedindo a restauração do tratado. Até o momento, não houve resposta oficial de Nova.
- Pronunciamentos do PM Sharif: Em 5 de junho, o Primeiro‑Ministro Shehbaz Sharif condenou a “agressão hídrica” e ordenou uma “resposta única” sob medidas de segurança nacional, mobilizando altos comandantes militares e governadores provinciais.
Aspectos Legais e Mecanismos de Solução
- Contestação Internacional: O Paquistão estuda levar o caso ao Banco Mundial (signatário original) e à Corte Internacional de Justiça, alegando que a “abeyance” unilateral fere obrigações sob o direito internacional das águas.
- Vácuo de Mediação: Especialistas do Chatham House destacam que nenhum ator global se ofereceu para mediar, e sugerem que o próprio Banco Mundial assuma esse papel de “mediador neutro” para evitar escaladas militares.
Perspectivas e Recomendações
Para prevenir um ciclo de retaliações e mitigar riscos humanitários e ambientais, analistas propõem:
- Reabertura de Diálogo Bilateral com respaldo de organismos multilaterais;
- Projetos Conjuntos de Gerenciamento de Bacias, incluindo usinas de energia compartilhada;
- Monitoramento Transparente dos níveis de reservatórios e partilha de dados hidrometeorológicos em tempo real;
- Agenda de Cooperação Climática, visando adaptar a governança de águas à variabilidade crescente provocada pelas mudanças climáticas.
Conclusão
A firmeza recente de Nova Délhi, expressa pela suspensão definitiva do Tratado de Águas do Índus e pelos planos de desvio para Rajasthão, inaugura uma nova fase de tensão entre as duas potências nucleares do Sul da Ásia. Com impactos diretos sobre a segurança alimentar, o ambiente geopolítico e a estabilidade regional, a crise hídrica só terá solução duradoura se for acompanhada por esforços sérios de mediação e cooperação técnica, superando lógicas de retaliação e privilegiando interesses humanitários comuns.
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