Irã à beira de retomar enriquecimento em alta velocidade: Cenários e desafios após ataques a instalações nucleares

Diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, falando sobre as instalações nucleares do Irã após os ataques.
Rafael Grossi, diretor-geral da AIEA, comenta que, apesar dos ataques, algumas instalações nucleares iranianas continuam operacionais. (Foto: Lisa Leutner/Reuters)/ Al Jazeera

Nas últimas semanas, uma série de ataques coordenados pelos Estados Unidos e Israel abalou as fundações do programa nuclear iraniano. Apesar dos danos infligidos, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, advertiu que o Irã pode voltar a enriquecer urânio em poucos meses e, potencialmente, elevar seu estoque de material a níveis próximos à faixa militar. Este artigo analisa os desdobramentos desse cenário, os impactos recentes, as implicações estratégicas regionais e os caminhos diplomáticos em debate.

Impacto dos ataques: danos reais e capacidade residual

A ofensiva de junho de 2025

Entre 13 e 23 de junho de 2025, instalações críticas em Natanz, Fordow e outras localidades foram atingidas. Israel afirmou ter destruído túneis subterrâneos e linhas de montagem de centrífugas, enquanto os EUA atacaram três instalações de enriquecimento e depósitos de urânio. Contudo, segundo Rafael Grossi, apesar de danos significativos, instalações-chave seguem operacionais, e o estoque de urânio 60 % permanece em local incerto – possivelmente movido antes das investidas.

Avaliação de retrocesso temporal

Um relatório preliminar da Defense Intelligence Agency (DIA) dos EUA e análises independentes estimam que os ataques atrasaram o programa nuclear iraniano em cerca de seis meses, não em “décadas”, como afirmado pelo presidente Trump. Grossi corrobora a perspectiva de retomada rápida: “Em poucos meses, haverá cascatas de centrífugas girando e produzindo urânio enriquecido”.

Estoque de urânio 60 %

De acordo com a AIEA, o Irã aumentou seu estoque de urânio enriquecido a 60 % para aproximadamente 275 kg em março de 2025, ante 182 kg no trimestre anterior. Essa quantidade, se refinada até 90 %, seria suficiente para várias ogivas em curto espaço de tempo. A incerteza sobre possíveis destruições ou deslocamentos de parte desse estoque impede uma avaliação plena da derrota infligida.

Riscos estratégicos e proliferação nuclear

Dissuasão e corrida regional

Um Irã apto a produzir urânio de grau militar em pouco tempo altera o jogo de dissuasão no Oriente Médio. Vizinhos como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Egito podem intensificar seus próprios programas ou recorrer a garantias militares externas, exacerbando tensões sectárias e sectárias.

Limites legais e rompimento de acordos

Desde a saída dos EUA do JCPOA em 2018, Teerã acelerou atividades de enriquecimento acima dos limites acordados. Ao barrar inspetores da AIEA e suspender cooperação parlamentar, o Irã viola obrigações do TNP e do próprio acordo de salvaguardas, podendo sofrer novas sanções – mas também se ver isolado do sistema de verificação global.

Perspectivas diplomáticas e geopolíticas

Sanções versus engajamento

O endurecimento de sanções econômicas – mirando petróleo, bancos e setor de transporte – visa pressionar Teerã, mas requer solidariedade internacional, em especial da UE e de potências asiáticas.

Canais multilaterais ativos

Diálogo mediado pela União Europeia, Catar e Suíça ainda resiste: trocas discretas de propostas para retorno gradual ao JCPOA e concessões mútuas, como limitação do estoque de 60 % em troca de alívio parcial de sanções, podem impedir nova escalada. Contudo, a confiança está em seus níveis mais baixos em décadas.

Cenário militar de retaguarda

Embora medidas militares adicionais sejam cogitadas como ultimato, elas carregam alto risco de escalada imprevisível: retaliações em estreitos navegáveis e ataques a infraestrutura de petróleo podem desestabilizar todo o comércio global.

Conclusão

A advertência de Rafael Grossi e relatórios recentes confirmam a resiliência do programa nuclear iraniano: mesmo após sucessivos bombardeios, bastam meses para que as centrífugas voltem a operar a níveis críticos. Estocar 275 kg de urânio a 60 % reforça o potencial de “breakout” acelerado, reduzindo a janela de reação internacional. No tabuleiro geopolítico, a escolha entre sanções duras, diplomacia cautelosa e opções militares de retaguarda será crucial para determinar se Teerã será reinserido no regime de não-proliferação ou se prosseguirá em um caminho de ambiguidade perigosa.

Leia também: Trump abandona alívio de sanções e ameaça novos bombardeios ao Irã

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