
Em 4 de junho de 2025, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, criticou duramente a mais recente proposta norte-americana para um novo acordo nuclear, reafirmando que Teerã não abrirá mão de seu programa de enriquecimento de urânio. Embora tenha classificado as exigências de Washington como “inaceitáveis” e contrárias aos princípios de autonomia nacional, ele não descartou totalmente a possibilidade de um acordo futuro, desde que respeite os interesses estratégicos do país. A proposta, mediada por Omã, incluía a criação de um consórcio multinacional para prover combustível nuclear de baixo enriquecimento, mas imporia restrições significativas ao programa iraniano. A rejeição de Khamenei ocorre num momento de intensificação das sanções estadunidenses, avanços no grau de enriquecimento iraniano e tensões regionais agravadas pela guerra entre Israel e Hamas.
A Proposta dos EUA e os Pontos de Atrito
A iniciativa estadunidense, apresentada no contexto de cinco rodadas de negociações entre o enviado de Trump, Steve Witkoff, e o ministro iraniano Abbas Araghchi, incluiu, dentre outros itens:
- Mecanismos de Inspeção Reforçados: a AIEA continuaria a fiscalizar as instalações nucleares, mas com maior acesso a áreas consideradas sensíveis pelos inspetores americanos e europeus, incluindo verificações em sites de centrifugadoras mais avançadas.
- Para Teerã, essas exigências representariam uma perda de soberania: depender de terceiros para obter combustível nuclear contradiz o princípio do “Nós Podemos” proclamado pela revolução islâmica de 1979. Além disso, entregar os estoques de urânio enriquecido é visto como abrir mão de uma conquista estratégica construída ao longo de décadas.
- Limitação Temporária do Enriquecimento: os EUA propunham que o Irã interrompesse ou reduzisse seu enriquecimento a níveis baixos (3–5%), ao menos durante uma fase inicial, entregando os estoques de urânio a 60% para custódia internacional.
- Consórcio Multinacional de Enriquecimento: em vez de suspender completamente sua capacidade interna, o Irã receberia combustível de baixo enriquecimento por meio de um consórcio internacional a ser definido (possivelmente construindo instalações fora do território iraniano ou fortemente supervisionadas), suprindo as demandas civis do país sem que Teerã precisasse enriquecer localmente nesse período.
Declarações de Khamenei e Argumentos Centrais
No discurso em 4 de junho, durante as cerimônias pelo falecimento do aiatolá Ruhollah Khomeini, Khamenei atacou a proposta dos EUA em vários pontos:
- Soberania e Autossuficiência: “Independência significa não aguardar o sinal verde dos americanos e de quem quer que seja”; segundo ele, interromper o enriquecimento seria renunciar à autonomia energética que o Irã busca desde a revolução de 1979.
- Crítica à Retórica Americana: Khamenei qualificou os termos de “irresponsáveis” e “contrários aos ideais” do país, acusando Washington de pretender “desmantelar” a indústria nuclear iraniana com propostas que, em seu entendimento, visam apenas subjugar Teerã.
- Flexibilidade Condicional: Diferentemente de declarações anteriores, ele não negou formalmente a possibilidade de um acordo futuro, desde que as negociações não imponham restrições “incondicionais” ao direito iraniano ao enriquecimento. Ou seja, deixou margem para que Teerã avalie eventuais concessões técnicas sem abrir mão do princípio de autossuficiência.
- Autodefesa e Resposta a Ameaças: Khamenei reiterou que, caso alguém “tome uma atitude agressiva” contra o Irã, a resposta será “decisiva e certa”, ressaltando a noção de dissuasão, ainda que o país assegure não buscar arma nuclear.
Posicionamento de Autoridades Iranianas
Além das declarações de Khamenei, outras lideranças reforçaram a linha dura:
- Presidente Masoud Pezeshkian: Em 3 de junho, o presidente enfatizou que o Irã “não abandonará seus direitos científicos e nucleares”, mas reiterou que não existe intenção de produzir armas atômicas. Ele afirmou, contudo, valorizar o diálogo que alivie o peso das sanções, desde que não viole a independência nacional.
- Ministro de Relações Exteriores Abbas Araghchi: Como chefe da delegação iraniana, Araghchi declarou que o governo elaboraria uma contraproposta formal, demonstrando disposição para negociar tecnicamente, mas sem ceder em pontos fundamentais — como a manutenção de algum nível de enriquecimento interno.
- Guarda Revolucionária e Parlamentares Conservadores: Setores mais duros dentro do aparato militar e legislativo apoiam a recusa total a “qualquer imposição estrangeira” e alertam que o Irã não deve repetir o que consideram os “erros” de concessões anteriores que não trouxeram benefícios reais.
Panorama Atual das Atividades Nucleares do Irã
Segundo relatório recente da AIEA, o Irã elevou em 50% sua produção de urânio enriquecido a 60% entre março e maio de 2025, reduzindo substancialmente o “tempo de ruptura”. Embora esse nível ainda esteja abaixo dos 90% necessários para bombas, ele se situa bem acima dos 4–5% suficientes para uso em reatores civis. Essa escalada ocorreu após o fracasso nos diálogos com a administração Biden, que herdou a postura de “máxima pressão” de Trump, mantendo as sanções e ameaçando sanções secundárias a qualquer entidade que se associe às indústrias nucleares iranianas.
Teerã sustenta que o avanço se destina a atender demandas médicas e científicas, além de viabilizar a geração de energia e alimentar o reator de água leve em Bushehr. Ainda assim, o grau de isolamento internacional aumentou, pois a comunidade europeia avalia que o Irã se aproxima perigosamente de um potencial militar, complicando o cenário para diplomacia futura.
Repercussões Regionais e Internacionais
- Israel e Percepção de Ameaça
- Autoridades israelenses mantêm que não permitirão que o Irã se aproxime de capacidades bélicas nucleares. Fontes de imprensa em Tel Aviv avaliam planos de ação militar preventiva caso não haja restrições claras ao programa de enriquecimento de Teerã.
- Sanções e “Máxima Pressão”
- A administração estadunidense intensificou as sanções ao setor petroleiro e bancário iraniano, buscando reduzir as receitas de exportação de petróleo a zero. Essas medidas apertam o cerco econômico em Teerã, mas também encorajam posturas defensivas que dificultam a reaproximação diplomática.
- Mediação Europeia e do Golfo
- França, Reino Unido e Alemanha (o chamado E3) têm mantido diálogos paralelos com o Irã, propondo um modelo de monitoramento europeu mais flexível, mas ainda restritivo ao enriquecimento de alto grau. Além disso, nações do Golfo, incluindo Omã e Qatar, atuam como facilitadores discretos, tentando aproximar as partes sem impor termos unilaterais.
- Guerra em Gaza e Dinâmica Regional
- A escalada do conflito entre Israel e Hamas, iniciado em 2025, elevou a instabilidade no Oriente Médio. O Irã apoia grupos como o Hezbollah e o Hamas politicamente e, em menor grau, com recursos, intensificando o receio israelense de que Teerã busque uma retaliação nuclear ou expansionista caso se sinta severamente ameaçado.
- Crise Econômica Interna
- O rial continua a se desvalorizar, a inflação está em patamares superiores a 30% e o desemprego afeta setores urbanos. Protestos localizados têm ocorrido em fábricas e universidades, pressionando o governo a encontrar soluções para o bloqueio econômico. Economistas advertem que, a médio prazo, o endurecimento do programa nuclear pode agravar ainda mais a recessão.
Principais Desafios para um Acordo Futuro
- “Tempo de Ruptura”Reduzido
- O Irã, ao enriquecer a 60%, diminuiu o intervalo necessário para obter plutônio ou urânio de grau militar. A comunidade internacional considera que qualquer acordo precisa restabelecer limites claros de estoque e níveis de enriquecimento, mas Teerã teme que isso signifique abrir mão de avanços tecnológicos recentes.
- Mecanismos de Inspeção e Garantias
- A exigência de acesso irrestrito a instalações consideradas “sensíveis” pelo Irã (como fábricas de centrífugas de última geração) confronta a lógica de proteção de segredos industriais e de segurança nacional. Resulta, portanto, em uma disputa sobre o grau de transparência que Teerã estaria disposto a encarar.
- Construção de Confiança Mútua
- Históricos de violações mútuas (Washington acusando Teerã de ocultar atividades passadas; Teerã acusando EUA de descumprir o JCPOA) geram um ciclo de desconfiança. Um caminho seria adotar cláusulas automáticas de reversão (“snap-back”) para sanções caso qualquer parte descumpra o acordo, mas Brasília, Moscou e Pequim informam ter reservas quanto à eficácia desse mecanismo.
- Pressões Políticas Internas no Irã
- A ala reformista, representada por Pezeshkian e setores acadêmicos, deseja algum alívio econômico para retomar investimentos na educação e saúde; já os conservadores da Guarda Revolucionária defendem uma postura de “resistência absoluta”. Khamenei precisa equilibrar essas facções para evitar rupturas políticas em Teerã.
Possíveis Cenários e Perspectivas
- Manutenção da Situação Atual
O Irã segue enriquecendo a 60% e as sanções se agravam, pressionando ainda mais a economia. Nessas circunstâncias, cresce o risco de um ataque preventivo conduzido por Israel ou pelos EUA, potencialmente desencadeando um conflito de larga escala no Oriente Médio. - Acordo Parcial com Consórcio Internacional
Sob pressão europeia, poderia ser firmado um acordo que permita ao Irã enriquecer internamente a 5% (nível para reator) e operar um consórcio multinacional para enriquecimento de alto grau fora do território iraniano. Tal mecanismo manteria alguma capacidade nuclear nacional, mas limitando as preocupações de proliferação. Entretanto, a logística e a confiança mútua para operar esse consórcio ainda são pontos críticos. - Caminho Gradual de Normalização
Se Teerã demonstrar, por meio de auditorias da AIEA, que todo o material enriquecido a 60% é exclusivamente para fins médicos, e se receber garantias de suspensão imediata de sanções econômicas, poderia vir a concordar com limites temporários e reverter etapas do enriquecimento. Esse processo exigiria, contudo, um pacto claro de Washington e da UE, além de sinalizações de que não haverá retaliações militares.
Conclusão
A declaração de 4 de junho de 2025 de Ali Khamenei reforça a convicção iraniana de que o enriquecimento de urânio é um componente essencial de sua independência científica e energética, inegociável em termos absolutos. Ao mesmo tempo, seu reconhecimento tácito de que conversas continuam possíveis — contanto que não impliquem submissão total — indica um pragmatismo condicional: o Irã busca mercado e investimentos, mas não abrirá mão de sua prerrogativa nuclear.
Por sua parte, os Estados Unidos, sob a ótica “máxima pressão”, mantêm a exigência de limitar ou extinguir o enriquecimento a 60%, acusando o Irã de reduzir sua margem de tempo de ruptura para fins militares. As divergências centrais — níveis de enriquecimento, estoques existentes, mecanismos de inspeção — permanecem não resolvidas, e qualquer avanço dependerá de concessões mútuas e de garantias concretas de que o acordo será cumprido em sua totalidade.
Enquanto isso, a escalada regional (com risco de intervenção israelense) e a deterioração econômica interna aumentam a urgência de soluções. Contudo, até que um terreno mínimo de confiança seja estabelecido, persiste o impasse: o Irã não aceitará restrições que conflitem com seu projeto de autossuficiência, e os EUA não aceitarão divisões que possam contrariar seus imperativos de não proliferação. Nesse tabuleiro estratégico, cada movimento é acompanhado com desconfiança, e as próximas semanas poderão definir se haverá espaço para acordos parciais ou se o impasse evoluirá para pressões ainda mais severas — com riscos diretos à estabilidade de todo o Oriente Médio.
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