
Na segunda-feira, 2 de junho de 2025, um diplomata iraniano de alta patente informou à Reuters que o Irã planeja rejeitar a mais recente proposta nuclear dos Estados Unidos, apresentada por meio do ministro das Relações Exteriores de Omã, Sayyid Badr Albusaidi. A oferta foi catalogada como um “non-starter” (“não começa”), pois não atenderia aos interesses de Teerã nem flexibilizaria suficientemente a posição americana em relação ao enriquecimento de urânio em solo iraniano. A resposta negativa reforça o impasse que perdura desde a saída unilateral dos EUA do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) em 2018, alimentando incertezas sobre a retomada de um acordo capaz de suspender as sanções que pressionam duramente a economia iraniana.
A Proposta Americana e os Pontos de Ruptura
Principais Elementos da Oferta
De acordo com fontes próximas às negociações, a proposta apresentada pelos EUA incluiria:
- Congelamento parcial do programa de enriquecimento de urânio, sem exigir o desligamento completo das centrífugas em operação;
- Retirada faseada de sanções relacionadas ao setor nuclear, com liberação gradual de recursos sob supervisão de órgãos internacionais;
- Garantias políticas vagas de que Teerã manteria o direito de desenvolver insumos nucleares para fins civis, porém sem cláusulas vinculantes que impeçam Washington de reverter sanções no futuro.
Ainda segundo essas fontes, o texto da oferta manteria a exigência americana para que o Irã elimine seu estoque prévio de urânio altamente enriquecido — material que poderia, em tese, servir de insumo para a produção de armas nucleares. Além disso, não haveria um cronograma claro para a remoção total das sanções, deixando Teerã dependente de cada fase de cumprimento das condições americanas.
Motivações da Rejeição Iraniana
O diplomata iraniano classificou a proposta como “Proposta inviável” porque ela:
- Mantém a posição rígida dos EUA sobre impedir qualquer forma de enriquecimento no solo iraniano;
- Oferece insuficiente clareza sobre a retirada imediata de sanções que afundam a economia nacional;
- Não inclui garantias contratuais de que Washington não descumprirá o acordo futuramente, algo essencial para Teerã, segundo avaliação do Comitê de Negociações Nucleares supervisionado pelo Supremo Líder, Ayatollah Ali Khamenei.
O ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araqchi, declarou que Teerã enviará uma resposta formal em breve, recusando a oferta e reiterando que não aceitará imposições que prejudiquem setores estratégicos do país, como petróleo, gás e sistema financeiro.
As Consequências para o Irã
Impacto Econômico e Humanitário
Desde a reimposição de sanções pelos EUA em maio de 2018, o Irã sofre forte retração em suas exportações de petróleo, caindo aproximadamente 65% em volume de vendas para o exterior entre 2018 e 2024, segundo estimativas de organizações internacionais. Como reflexo, a inflação anual chegou a picos superiores a 45% em 2023, corroendo o poder de compra da população. Relatórios da Human Rights Watch e da Anistia Internacional indicam que as restrições financeiras dificultaram a importação de insumos médicos avançados, contribuindo para um agravamento dos indicadores de saúde, como aumento de 20% em doenças crônicas sem tratamento adequado entre 2019 e 2024.
Organizações não governamentais de direitos humanos ressaltam que a deterioração socioeconômica atinge especialmente grupos vulneráveis, como crianças, idosos e pacientes crônicos, criando um quadro de insegurança alimentar que já afeta cerca de 30% das famílias iranianas, segundo a Rede de Direitos Humanos no Irã (HRANN).
Dinâmica Política Interna
Politicamente, a rejeição a quaisquer termos que limitem o enriquecimento é também uma demonstração de força: Ayatollah Khamenei reforça que qualquer compromisso sem garantias efetivas comprometeria a “soberania nuclear” iraniana. As facções pragmáticas — compostas por setores empresariais e membros do ramo industrial da Guarda Revolucionária — concordam que a reativação de um acordo poderia trazer alívio econômico, mas a ala conservadora prevalece, mantendo a linha de resistência às exigências americanas. Esse embate interno reflete a tensão entre a necessidade de alívio financeiro imediato e o receio de ceder em pontos que poderiam enfraquecer a legitimidade do regime frente ao discurso nacionalista.
Reações Regionais e Internacionais
Estados Unidos e Aliados Ocidentais
O Departamento de Estado dos EUA, por meio de porta-voz oficial, afirmou que “segue aberto ao diálogo e aguarda a resposta formal de Teerã”, ressaltando que a proposta permanece “flexível” caso a República Islâmica queira renegociar detalhes. Enquanto isso, Bruxelas mantém preocupação de que o fracasso no acordo aumente a fragmentação diplomática, especialmente entre europeus e americanos, impedindo uma frente unificada para conter possíveis avanços nucleares de Teerã.
Além disso, em 2 de junho de 2025, representantes do Irã, do Egito e da ONU reuniram-se no Cairo para discutir o programa nuclear iraniano, após relatório sigiloso da AIEA indicar que Teerã havia acumulado 408,6 kg de urânio enriquecido a 60 % — um aumento de quase 50 % desde fevereiro de 2025. O Diretor-Geral da AIEA, Rafael Grossi, declarou que esse volume aproxima o Irã dos insumos necessários para montagem de até seis ogivas, caso o material fosse enriquecido a 90 %. Autoridades iranianas, por sua vez, qualificaram o relatório como “politizado” e reiteraram que suas atividades nucleares permanecem sob supervisão da agência, sem intenção de fabricar armas.
Nesse encontro no Cairo, Araqchi reafirmou que Teerã está disposto a discutir limites de enriquecimento desde que haja “garantias contratuais” claras sobre a remoção de sanções e reconhecimento oficial do direito iraniano de refinar urânio para fins pacíficos.
Israel e Países do Golfo
O governo de Israel, que vê o programa nuclear iraniano como “ameaça existencial”, tem sido enfático em exigir “zero enriquecimento” e um modelo de acordo semelhante ao “modelo Líbia” (dissolução completa do programa) — posição vista como inaceitável por Teerã. Recentemente, relatos anônimos indicam que autoridades israelenses consideram ações “preventivas” contra instalações nucleares iranianas caso vejam qualquer avanço considerado irreversível.
Por outro lado, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos avaliam que a manutenção das sanções ajuda a conter o avanço iraniano na região, mas também reconhecem o risco de escalada por meio de grupos proxy, como Hezbollah e milícias xiitas no Iraque e Síria. Esses países pressionam pela retomada de negociações, temendo que a ausência de um acordo leve a choques indiretos que afetem rotas de transporte de petróleo e a estabilidade do mercado global de energia.
Visão de Especialistas e ONGs
Organizações de Direitos Humanos e Civis
A Human Rights Watch afirma que as sanções americanas possuem “efeito humanitário profundo”, atingindo principalmente crianças com doenças crônicas e idosos em situação de vulnerabilidade. Segundo relatório de abril de 2025, a retomada de um acordo que aliviasse gradualmente as sanções poderia reduzir em cerca de 30 % o número de pessoas em situação de insegurança alimentar no Irã.
A Anistia Internacional destaca que, enquanto o governo iraniano mantém o discurso de “resistência”, a população sofre com desabastecimento crônico de medicamentos e equipamentos médicos, derivado das sanções financeiras que inviabilizam a importação de insumos essenciais. A ONG adverte que, sem uma solução diplomática, o quadro humanitário tende a se agravar, pois a instabilidade social se intensifica em diferentes províncias iranianas.
Analistas de Política Internacional
O professor Javad Heydari, do Instituto de Relações Internacionais de Teerã, ressalta que “a rejeição a esse modelo de proposta não fecha as portas, mas sinaliza a necessidade de garantias escritas e cronograma preciso para dissolução de sanções”. Já Maria Al-Rashid, pesquisadora do Brookings Institution, avalia que “o clima de ameaças à segurança do Irã, incluindo rumores de bombardeios preventivos e pressão máxima, reforçou o sentimento de cerco e endureceu a postura de Teerã”.
Segundo relatório do International Crisis Group, uma nova rodada de negociações, possivelmente em Omã ou Emirados Árabes Unidos, ainda pode ocorrer até final de julho de 2025, mas a simples persistência de pontos críticos — como direito ao enriquecimento, cronograma de retirada de sanções e cláusulas de salvaguarda — faz com que as expectativas de um acordo permaneçam baixas até setembro.
Análise: Implicações e Próximos Passos
- Manutenção do Status Quo Nuclear
Ao recusar a proposta, Teerã sinaliza que somente aceitará termos que garantam o tripé “enriquecimento — inspeções — fim das sanções”. Se esse impasse persistir, é provável que o Irã continue acelerando seu programa nuclear, o que, segundo a AIEA, coloca o país mais próximo de ter material apto para ogivas em caso de decisão política de dar esse passo. - Escalonamento de Sanções e Tensões
A administração Trump tende a intensificar o “maximum pressure” sobre o Irã, incluindo sanções secundárias que dificultam ainda mais transações financeiras internacionais dos bancos iranianos e bloqueia receitas de exportação de petróleo. Esse endurecimento contribuirá para agravar a crise socioeconômica interna, possivelmente estimulando protestos regionais, ainda que o governo reprima mobilizações em larga escala. - Reforço das Parcerias com China e Rússia
Diante do fracasso das negociações com os EUA, o Irã deve expandir sua cooperação estratégica com China e Rússia. Em março de 2025, Teerã firmou um acordo de cooperação de 25 anos com Beijing, prevendo transferência de tecnologia nuclear civil e pagamentos em yuan para exportação de petróleo, reduzindo assim a influência do dólar no comércio iraniano. - Risco de Conflitos por Procuração
A continuidade do impasse eleva o risco de escaladas indiretas: milícias apoiadas pelo Irã, como Hezbollah, podem intensificar ataques a forças americanas no Iraque e Síria; em contrapartida, Israel pode realizar operações cirúrgicas em instalações nucleares iranianas em território sírio ou, no caso extremo, dentro do próprio Irã, caso avalie progresso “inaceitável” no enriquecimento.
Conclusão
A decisão iraniana de rejeitar a proposta nuclear americana de junho de 2025 evidencia a complexidade de um acordo que satisfaça simultaneamente o desejo de enriquecimento controlado e o anseio de alívio econômico imediato. Enquanto Teerã exige garantias contratuais e a remoção completa das sanções, Washington mantém uma postura de retirada faseada, sem oferecer securança jurídica suficiente para impedir uma nova quebra de compromisso no futuro. Esse impasse mantém o Oriente Médio sob forte tensão, pois cada avanço unilateral no programa nuclear iraniano aumenta o risco de medidas preventivas por parte de Israel ou provoca retaliações indiretas via grupos proxy.
Para romper o ciclo de desconfiança, seria necessário que os EUA apresentassem um mecanismo claro de liberação de fundos congelados e garantias formais de manutenção do acordo, enquanto o Irã aceitasse algum limite provisório ao seus níveis de enriquecimento, sob supervisão rigorosa da AIEA. Caso prevaleça a postura de “resistência absoluta”, o risco de conflito indireto e de uma crise humanitária interna se intensifica, pois os iranianos continuarão sofrendo as consequências de sanções que prejudicam vidas e agravam tensões regionais.
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