Retorno Polêmico de Joseph Kabila a Goma Aprofunda Crise no Leste do Congo

Joseph Kabila posa para foto com líderes religiosos após reunião em Goma, na República Democrática do Congo, buscando solução para crise no leste do país dominado pelo grupo rebelde M23.
Ex-presidente Joseph Kabila com líderes religiosos em Goma, discutindo esforços para solucionar o conflito na região leste da RDC controlada pelos rebeldes M23. Reuters

Em sua primeira aparição pública desde 2023, o ex-presidente Joseph Kabila desembarcou em 29 de maio de 2025 no território rebelde de Goma, controlado pelo grupo M23, para um encontro com líderes religiosos que, segundo participantes, compõe um esforço de mediação visando restaurar a paz no leste da República Democrática do Congo (RDC).

Contexto do retorno

Kabila, no poder entre 2001 e 2019, viveu exilado na África do Sul após deixar o cargo e enfrenta acusações de crimes contra a humanidade por suposto apoio ao insurgente M23, incluindo participação em massacres de civis. O governo de Kinshasa suspendeu recentemente seu partido e determinou a apreensão de bens de dirigentes alinhados a ele, que negam qualquer vínculo com o grupo rebelde.

Motivações e desdobramentos

O ex-mandatário afirmou que retornaria ao país para contribuir na busca por uma solução política ao conflito que se intensificou desde janeiro de 2025, quando o M23, supostamente respaldado por Kigali, avançou sobre vastas áreas no norte da província de Kivu do Norte, aumentando o número de deslocados internos e refugiados. A agenda de Kabila prevê, além deste primeiro encontro, outras reuniões com autoridades políticas, militares e da sociedade civil, com continuidade marcada para 30 de maio.

“O ex-presidente… expressou o desejo de ver o retorno da paz em todo o país”, declarou Joel Amurani, líder do grupo Interfaith Synergy for Peace and Mediation, após o encontro em Kinyogote, nos arredores de Goma.

Implicações regionais e diplomáticas

A presença de Kabila em zona rebelde pode tensionar o plano dos EUA, via conselheiro Massad Boulos, de selar ainda neste verão (hemisfério norte) um acordo de paz entre RDC e Ruanda, acompanhado de investimentos bilionários em mineração na região. A administração de Félix Tshisekedi acusou Kabila de “se posicionar como líder rebelde” ao lado do presidente ruandês Paul Kagame, agravando suspeitas sobre o papel de Kigali no ressurgimento do M23.

Perspectiva das partes envolvidas

  • Governo de Kinshasa: alerta para o risco de legitimar as ambições do M23 e enfraquecer a autoridade presidencial.
  • Campo de Kabila: defende a independência da iniciativa, com foco na reconciliação e na supervisão humanitária do conflito.
  • Comunidade internacional: ONU e governos ocidentais mantêm que Ruanda fornece armas e tropas ao M23; Kigali nega, alegando legítima defesa contra milícias ligadas ao genocídio de 1994.

Atualizações recentes

  • O Senado congolês votou pela retirada da imunidade de Kabila, abrindo caminho para sua responsabilização por alegados crimes de lesa-humanidade e apoio ao M23.
  • Organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional, acusam o M23 de possíveis crimes de guerra, incluindo tortura e execuções sumárias em áreas sob seu controle.
  • Relatórios da ONU estimam que mais de 900 civis foram mortos e quase 3.000 feridos nos combates em Goma este ano, com mais de 2.000 corpos ainda aguardando enterro.
  • A RDC revisou seu orçamento de guerra devido a custos militares crescentes e queda na arrecadação fiscal, em parte causada pela interrupção de atividades econômicas no leste do país.
  • Estimativas apontam que o M23 arrecada cerca de US$ 800.000 mensais em taxas de mineração de coltan, que alimentam sua logística.

Análise crítica

A estratégia de envolver líderes religiosos pode ampliar a base de apoio e conferir caráter de mediação neutra, mas desafia o frágil equilíbrio entre governo central e movimentos armados. O retorno de uma figura tão polarizadora como Kabila, procurada pela Justiça congolense, evidencia as fragilidades institucionais e a urgência de um mecanismo abrangente de diálogo. Simultaneamente, reabre feridas históricas e interesses econômicos na região rica em minerais.

Próximos passos e cenários futuros

Espera-se que Kabila permaneça em Goma por prazo indeterminado, aprofundando consultas a setores do exército e da administração local. A concessão de segurança e acesso humanitário será crucial para avaliar o real compromisso das partes com um cessar-fogo.

Conclusão: Entre a Paz e a Instabilidade

O retorno de Joseph Kabila a Goma representa um momento delicado para a República Democrática do Congo, marcado pela tensão entre a busca por uma solução pacífica e as complexas rivalidades regionais e internas. A presença do ex-presidente, ainda sob acusações graves, pode tanto abrir espaço para um diálogo necessário quanto aprofundar divisões históricas e geopolíticas. O desfecho desse episódio dependerá da capacidade das partes envolvidas e da comunidade internacional em canalizar esse movimento para um processo de paz legítimo e sustentável, evitando que a instabilidade predomine novamente na região.

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