
Em 24 de maio de 2025, um dia após o Senado da República Democrática do Congo (RDC) ter votado por esmagadora maioria (88 a 5) a retirada da imunidade parlamentar do ex-presidente Joseph Kabila, o político se pronunciou com veemência, acusando o sistema de justiça congolês de agir como um instrumento de opressão. Este artigo oferece uma análise jornalística e aprofundada do contexto histórico, das bases jurídicas da decisão, da cronologia dos eventos e das possíveis repercussões regionais e internacionais.
Contexto histórico e político
trajetória de Joseph Kabila reflete as complexidades de um país marcado por conflitos sucessivos e frágil institucionalidade. Ao assumir a presidência em meio à Segunda Guerra do Congo, herdou um Estado em colapso, dependente de apoios externos e de coalizões voláteis com líderes regionais e milícias. Ao longo de quase duas décadas, acumulou poder político e influência sobre as estruturas de segurança e judiciais, em um cenário em que disputas étnicas e interesses econômicos — sobretudo em torno de recursos minerais como cobre e cobalto — alimentaram grupos armados.
O fim de seu mandato levou a uma crise de transição, evidenciada pelas manifestações de 2016 e pelo êxito das eleições de 2018, que abriram caminho para Félix Tshisekedi. Contudo, as acusações de apoio ao M23 e a permanência de antigos aliados de Kabila em posições de comando mantiveram acesa a suspeita de que as elites políticas ainda operam redes paralelas, capazes de influenciar tanto o Legislativo quanto o Judiciário.
Linha do Tempo
- 16 de janeiro de 2001: Assassinato de Laurent-Désiré Kabila; Joseph Kabila assume a presidência.
- 19 de dezembro de 2016: Fim do segundo mandato de Kabila; recusa em deixar o cargo desencadeia protestos.
- 30 de dezembro de 2018: Eleições presidenciais; Félix Tshisekedi assume o poder.
- Novembro de 2023: Kabila muda-se para a África do Sul, citando razões de segurança.
- 23 de maio de 2025: Senado aprova, em votação secreta (88 a 5), a retirada da imunidade de Kabila.
- 24 de maio de 2025: Kabila faz discurso criticando o judiciário e clamando pela retirada de tropas estrangeiras.
Contextualização Jurídica
O procedimento para retirada de imunidade parlamentar na RDC está fundamentado na Constituição e no Regimento Interno do Senado:
- Solicitação de investigação: O Procurador-Geral da República encaminha pedido ao Tribunal Constitucional, apontando indícios de crime.
- Parecer vinculante: O Tribunal Constitucional analisa e emite parecer sobre a admissibilidade do caso e a compatibilidade com a Constituição.
- Sessão do Senado: Em sessão fechada, os senadores votam, por maioria simples, a manutenção ou não da imunidade.
- Encaminhamento à justiça comum: Com a aprovação, o processo é remetido à justiça ordinária para investigação e eventual acusação.
O Tribunal Constitucional da RDC é composto por nove juízes nomeados, respectivamente, pelo Presidente da República, pela Assembleia Nacional e pelo Conselho Superior da Magistratura, com mandato de cinco anos. Sua função é zelar pela aplicação da Lei Maior e dirimir conflitos de competência, inclusive relacionados à imunidade parlamentar.
Acusações e novas informações
- Crimes contra a humanidade: Autoridades congolesas acusam Kabila de fornecer apoio logístico e financeiro ao M23, agravando a crise humanitária no leste do país.
- Massacres de civis: Relatórios recentes da ONU apontam que, entre janeiro de 2024 e março de 2025, pelo menos 1.500 civis foram mortos em ataques atribuídos a milícias pró‑M23.
- Relatório do Painel de Investigação da ONU (abril de 2025): Concluiu haver evidências de transferência de armamentos do exterior para o grupo rebelde, sem comprovar responsabilidade direta de Kabila, mas reforçando suspeitas de cumplicidade de setores de seu antigo governo.
Reação de Joseph Kabila
Em gravação de local não divulgado, o ex-presidente afirmou:
“O sistema de justiça abdica de suas responsabilidades, operando como um instrumento de opressão de uma ditadura que sobrevive pelo medo.”
Ele também exigiu a retirada imediata de todas as tropas estrangeiras, questionando a legitimidade das missões de paz da ONU e da presença militar ruandesa.
Implicações regionais e internacionais
- Dinâmica do conflito no leste: O M23 controla áreas estratégicas ricas em cobalto, cobre e outros minerais.
- Pressão diplomática: A União Europeia, em comunicado de 20 de maio de 2025, manifestou preocupação com a politização da justiça na RDC e defendeu um processo transparente e imparcial.
- Interesses dos EUA: Segundo declarações de Massad Boulos, assessor presidencial para a África, Washington busca acordos de mineração vinculados a um acordo de paz ainda neste verão do Hemisfério Norte.
Conclusão
O episódio evidencia a crise de legitimidade do sistema judicial na RDC e aprofunda a polarização política entre os que demandam justiça e os que defendem Kabila como figura central para a estabilidade. A consolidação da paz no leste congoleses exigirá não apenas acordos de poder, mas a reforma estrutural do Judiciário, garantindo sua independência e a restauração da confiança pública.
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