
O governo brasileiro anunciou, para 2026, duas rodadas de leilões voltados à contratação de usinas hidrelétricas e termelétricas (a carvão, óleo e gás). A medida ocorre em meio ao crescimento acelerado das fontes renováveis intermitentes, como solar e eólica, e sinaliza uma preocupação crescente com a confiabilidade do sistema elétrico nacional. Mas por trás dessa decisão técnica, há implicações políticas, econômicas e geopolíticas que merecem atenção.
O contexto energético brasileiro
O Brasil é internacionalmente reconhecido por sua matriz elétrica limpa: mais de 80% da energia consumida no país vem de fontes renováveis, com destaque para as hidrelétricas. Nos últimos anos, o avanço das energias solar e eólica consolidou o país como líder latino-americano em renováveis. No entanto, a dependência excessiva de fontes intermitentes e da hidrologia tem exposto vulnerabilidades, sobretudo em períodos de estiagem prolongada.
Diante desse cenário, a decisão de incluir térmicas fósseis nos leilões parece ir contra a narrativa de descarbonização, mas atende a uma lógica de resiliência energética: garantir fornecimento contínuo em momentos de instabilidade climática ou queda na geração renovável.
Economia e disputa de interesses
Os leilões previstos movimentarão bilhões de reais e abrirão espaço para a entrada de grandes grupos nacionais e internacionais. Empresas ligadas ao gás natural, em especial, observam uma oportunidade estratégica, já que o governo busca diversificar a matriz sem abandonar de imediato o compromisso climático.
O setor hidrelétrico também aguarda definições, já que muitas usinas antigas enfrentam desafios de modernização e novas regras ambientais. A disputa deve envolver não apenas companhias privadas, mas também estatais e fundos de investimento internacionais, interessados em infraestrutura de longo prazo.
Dimensão geopolítica
A decisão brasileira ocorre em um momento em que a pressão internacional por redução de emissões de carbono se intensifica. Organismos multilaterais e blocos econômicos, como União Europeia e ONU, têm cobrado maior compromisso dos países emergentes na transição energética.
Ao mesmo tempo, o Brasil precisa conciliar sua imagem de potência verde com os desafios de abastecimento interno. A inclusão de térmicas a carvão ou óleo pode gerar críticas em foros internacionais, mas também reforça a mensagem de que a prioridade imediata é assegurar a confiabilidade e a robustez do sistema elétrico.
Além disso, a abertura do setor elétrico brasileiro atrai capital estrangeiro, especialmente da China e da Europa, interessados em controlar ativos estratégicos de energia. Nesse sentido, os leilões não são apenas uma política doméstica, mas também um movimento de inserção geopolítica.
Comparativo internacional
O dilema brasileiro não é único. A Índia, por exemplo, continua ampliando sua matriz a carvão para sustentar o crescimento industrial, mesmo sob críticas ambientais. A África do Sul, diante da crise recorrente de abastecimento, aposta na diversificação com gás e até nuclear. Já o Chile, vizinho latino-americano, avança na integração de energia solar com sistemas de armazenamento em baterias, buscando reduzir rapidamente a dependência de fósseis. Esse contraste mostra que o Brasil segue uma estratégia híbrida, tentando equilibrar pragmatismo energético com compromissos climáticos.
Segurança energética e soberania
Para analistas, a busca por confiabilidade no sistema elétrico está diretamente ligada à soberania nacional. A experiência de 2001, quando o Brasil enfrentou um racionamento que abalou a economia, permanece viva na memória. Agora, o governo busca evitar que a rápida expansão das renováveis crie fragilidades que comprometam a estabilidade da rede.
O equilíbrio entre renováveis e fontes despacháveis (como térmicas) será crucial para garantir que o país avance na transição energética sem comprometer a confiabilidade de abastecimento. O desafio é encontrar o ponto de convergência entre sustentabilidade, competitividade econômica e segurança nacional.
Perspectivas
O Brasil se encontra diante de uma encruzilhada estratégica:
- Consolidar sua liderança mundial em energia limpa, sem abrir mão de usinas fósseis no curto prazo.
- Atrair investimentos estrangeiros sem perder o controle de setores estratégicos.
- Reafirmar compromissos climáticos enquanto responde a demandas urgentes de fornecimento interno.
Esses leilões de 2026 não serão apenas uma questão técnica de planejamento energético. Serão, sobretudo, um termômetro da capacidade do Brasil de equilibrar transição verde e segurança energética em um mundo cada vez mais atento às escolhas estratégicas das grandes economias emergentes.
5 pontos-chave dos leilões de 2026
- Data: duas rodadas previstas até março de 2026.
- Fontes elegíveis: hidrelétricas e térmicas (a carvão, óleo e gás já existentes, novas apenas a gás).
- Restrições ambientais: novos projetos a carvão e óleo proibidos.
- Empresas esperadas: Petrobras, Ambar Energia, Eneva, entre outras.
- Relação com a COP30: medida será julgada também sob a ótica internacional, com o Brasil como anfitrião do evento climático em novembro de 2025.
Conclusão
A estratégia do Brasil revela uma busca por equilíbrio entre pragmatismo energético e responsabilidade climática. Embora a inclusão de térmicas fósseis possa parecer contraditória diante dos compromissos internacionais, trata-se de uma medida pensada para reforçar a robustez da rede e evitar riscos de desabastecimento. O verdadeiro desafio será provar que é possível avançar na transição verde sem comprometer a segurança e a soberania energética. Nesse sentido, os leilões de 2026 funcionarão não apenas como um instrumento técnico de contratação de energia, mas como um teste político e geopolítico para a credibilidade do Brasil no cenário internacional.
Faça um comentário