
Desde que derrotaram o Exército congolês e assumiram o controle de amplas áreas do leste da República Democrática do Congo (RDC), os rebeldes do M23 encaram um desafio tão prosaico quanto formidável: governar. Para transformar o êxito militar em poder político duradouro, o movimento precisa demonstrar que é capaz de restaurar a ordem e reativar a economia de regiões onde vivem mais de cinco milhões de pessoas.
Contexto histórico e geopolítico
Formado em 2012 por ex-integrantes das Forças Armadas da RDC insatisfeitos com o governo central, o M23 voltou a se reorganizar em 2021, aproveitando lacunas de segurança em províncias ricas em minerais. A interferência de Ruanda e Uganda, que alegam precaução contra grupos armados hostis, e sucessivos acordos de paz descumpridos criaram um ciclo de instabilidade. Hoje, a disputa por coltan, cobre, ouro e outros recursos mantém viva a dinâmica de conflito.
Coltan, mercados e impostos: o novo motor rebelde
Em Rubaya, responsável por cerca de 15% da produção global de coltan, o M23 estabeleceu uma taxa de 15% sobre o valor extraído. Autoridades rebeldes e comerciantes confirmaram esse percentual em entrevista à Reuters .
Comerciais informais e agências de ajuda passaram a pagar até 20% de tarifa sobre bens como bananas, tecidos e carvão. Rachelle Monimpo, vendedora de tecidos em Goma, afirma: “Clientes desapareceram. Fica impossível reunir o dinheiro para pagar o imposto” .
Impacto nas comunidades locais
- Deslocamento em massa: Mais de 4 milhões de pessoas fugiram desde janeiro de 2025, aumentando a dependência de ajuda humanitária.
- Escassez de produtos: Agricultores não conseguem escoar safras; mercados funcionam de forma intermitente, elevando preços básicos.
- Tensão social: Pequenos comerciantes, submetidos a novas taxas, consideram migrar para áreas controladas pelo governo, pressionando ainda mais o M23.
Bancos fechados e crise de liquidez
Apesar de o M23 ter reaberto agências da poupança estatal CADECO em Goma e Bukavu, elas estão desconectadas do sistema financeiro nacional e sem acesso a numerário. Bancos comerciais seguem fechados sob orientação do Banco Central de Kinshasa, forçando servidores e empresários a percorrer até 1.000 km em busca de moeda forte .
A taxa de 6% em transferências móveis drena ainda mais a já escassa renda local.
Análise econômica
- Receita mineral: Estimativas apontam produção mensal de US$2,5–3 milhões em coltan em Rubaya, resultando em US$375–450 mil de tributos para o M23 .
- Custo administrativo: Manutenção de serviços públicos mínimos consome cerca de US$800 mil por mês.
- Pressão inflacionária: A falta de moeda pode acarretar hiperinflação local, minando o poder de compra e o apoio civil.
Citações de especialistas e fontes locais
- Zaynab Hoosen (Pangea-Risk): “Sem restaurar serviços básicos e economia, o M23 verá seu apoio evaporar” .
- Daniel Mukoko Samba (vice‑primeiro‑ministro da RDC): “O sofrimento deriva da ocupação ilegal, não de falhas do governo” .
- Comerciante de coltan em Rubaya: “Pagamos 15% ao M23 e arriscamos sanções internacionais – é insustentável.”
Novas informações
Relatório recente da ONU (abril de 2025) estima que, além do coltan, o M23 arrecada cerca de US$200 mil mensais com taxas sobre cassiterita e ouro artesanal nas províncias de North e South Kivu. Essa fonte adicional eleva a receita mensal total para aproximadamente US$650 mil–700 mil .
Perspectivas e riscos
Com mediação do Qatar e dos Estados Unidos, um acordo de paz pode ser assinado dentro de dois meses, liberando bilhões em investimentos ocidentais. Até lá, o M23 precisa:
- Restabelecer cadeias de abastecimento de alimentos e combustíveis;
- Viabilizar serviços bancários com garantias internacionais;
- Reativar saúde e educação para consolidar legitimidade.
Caso falhe, o descontentamento popular pode eclodir em resistência armada ou protestos, fragilizando ainda mais sua administração.
Conclusão
O futuro do M23 no leste da República Democrática do Congo dependerá de sua capacidade de transitar de um movimento armado para uma administração estável e funcional. Enquanto o controle sobre os recursos naturais oferece uma vantagem financeira, a resistência local e a pressão internacional continuam sendo desafios significativos. O equilíbrio entre o uso da força e a implementação de medidas econômicas e sociais eficazes será determinante para que o M23 mantenha sua legitimidade e apoio. Caso não consiga avançar nesses aspectos, a região pode estar à beira de uma nova onda de instabilidade, com consequências imprevisíveis para a RDC e para toda a região dos Grandes Lagos.
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