
O presidente francês Emmanuel Macron vem sinalizando um possível reconhecimento do Estado Palestino antes da conferência da ONU, marcada para 17 a 20 de junho, em parceria com a Arábia Saudita. A iniciativa busca dar impulso a um “mapa de rota” para a criação de um Estado palestino, mas esbarra em resistências internas e externas que podem transformar o gesto em mera simbolização.
Contexto e motivações
Desde o início da intensificação do conflito em Gaza, os números da crise humanitária têm sido alarmantes. Segundo o Escritório das Nações Unidas de Coordenação de Assuntos Humanitárias (OCHA), mais de 2 milhões de pessoas vivem em condições críticas, com acesso restrito a serviços básicos como água potável, alimentação e assistência médica. A organização Médicos Sem Fronteiras relata que hospitais na região estão sobrecarregados, com falta de medicamentos e de pessoal, agravando a mortalidade e o sofrimento da população civil.
Para Paris, o reconhecimento antecipado seria um sinal político forte: França se tornaria o primeiro país ocidental de grande porte a reconhecer formalmente a Palestina, abrindo caminho para outros seguirem o exemplo, como alertou o ministro norueguês Espen Barth Eide. No entanto, diplomatas destacam que, sem medidas complementares — sanções a colonatos, proibição de comércio em territórios ocupados e responsabilização de oficiais — o ato teria caráter exclusivamente simbólico.
Divisões no Ocidente no Ocidente
Apesar do apoio de segmentos dentro da União Europeia, a manobra pode agravar fissuras já existentes entre os membros e tensionar a relação com os Estados Unidos, principal aliado de Israel. Autoridades em Washington avaliam que a pressão diplomática deveria priorizar negociações diretas e assistência humanitária, ao invés de reconhecimento unilateral.
Em Londres e Ottawa, embora expressões de desaprovação à política israelense tenham sido feitas, prevalece o entendimento de que medidas concretas no terreno — como o cessar-fogo — gerariam impacto mais imediato. Nessa linha, o governo britânico e o canadense mantêm a aplicação de restrições a produtos de assentamentos, mas ainda não definiram posição sobre reconhecimento pleno.
Pressões de Israel e riscos de isolamento
Fontes indicam que Israel classificou o eventual reconhecimento francês como uma “bomba nuclear” para as relações bilaterais, ameaçando restringir cooperação em inteligência e dificultar iniciativas regionais francesas. Em resposta, Paris reforça que a decisão não será alterada por retaliações, e que o timing(tempo) pode ser crucial para garantir um legado diplomático antes do fim do mandato de Macron, em 2027.
Todavia, críticos argumentam que o momento está desequilibrado: sem uma etapa negociada, a recompensa política para a liderança palestina pode minar incentivos para retomar diálogos. Para manter o engajamento palestino, seria necessário condicionar o reconhecimento a avanços no combate à corrupção na Autoridade Palestina e ao desarmamento do Hamas.
Caminhos para adiante
Diante do cenário complexo, o governo francês e seus aliados europeus estão considerando um conjunto de medidas articuladas para avançar na busca por uma solução ao conflito israelo-palestino. Entre as ações previstas, destacam-se prazos e metas específicas para garantir eficácia e responsabilização:
- Reconhecimento formal da Palestina: previsto para ser decidido até o final da conferência da ONU em junho de 2025, caso as condições políticas se mantenham estáveis.
- Relatório detalhado sobre a Autoridade Palestina: a ser apresentado até setembro de 2025, avaliando reformas necessárias, combate à corrupção e mecanismos de desarmamento de grupos armados, especialmente o Hamas.
- Imposição de sanções específicas: implementação gradual de sanções contra oficiais israelenses envolvidos em ações ilegais nos territórios ocupados, com início previsto para o último trimestre de 2025.
- Proibição europeia ao comércio com assentamentos israelenses: a ser discutida e potencialmente adotada até o final de 2025, buscando pressionar economicamente e frear a expansão das colônias ilegais.
- Monitoramento internacional: estabelecimento de um mecanismo independente para fiscalizar o cumprimento das medidas e o impacto humanitário no território palestino, com relatórios semestrais.
Essas metas demonstram a tentativa de alinhar simbolismo e ações concretas, visando não apenas o reconhecimento político, mas também um impacto real no terreno que possa fomentar negociações e reduzir tensões.
Conclusão
O possível reconhecimento do Estado Palestino por parte da França reflete não apenas uma mudança estratégica de política externa, mas também um apelo humanitário diante de uma crise que já ceifou dezenas de milhares de vidas. Embora o ato possa enfrentar represálias diplomáticas e aprofundar divisões no Ocidente, ele oferece a oportunidade de revitalizar o caminho para uma solução de dois Estados.
Para ser eficaz, o gesto simbólico deve estar cercado de ações concretas — desde sanções e restrições comerciais até reformas na Autoridade Palestina e monitoramento internacional — garantindo que o reconhecimento não se limite ao papel, mas se traduza em avanços reais no terreno.
O momento político, indicado pelo prazo da conferência da ONU em junho de 2025, pode ser crucial para Macron deixar um legado duradouro e estimular uma coalizão global em favor da paz. Ainda assim, a sustentabilidade desse movimento dependerá do equilíbrio entre pressões, incentivos e a capacidade de diálogo entre as partes envolvidas.
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