
Em visita histórica, o presidente francês reforça solidariedade a Dinamarca e ao governo autônomo groenlandês, sinalizando autonomia estratégica europeia no Ártico.
Em 15 de junho de 2025, o presidente francês Emmanuel Macron desembarcou em Nuuk, capital da Groenlândia, tornando‑se o primeiro chefe de Estado estrangeiro a visitar a ilha após as declarações de Donald Trump ameaçando adquiri‑la por meio de compra ou até mesmo força militar. A estada de dois dias inclui debates sobre segurança no Ártico, mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável, em um claro gesto de que a Europa defenderá o direito dos groenlandeses de decidir seu futuro.
Contexto e motivações
Desde o final de 2024, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reacendeu especulações sobre a aquisição da Groenlândia — rica em minerais estratégicos e de grande importância geopolítica — sugerindo publicamente que não descartaria o uso da força para assegurar “segurança nacional”. As reações em Copenhague e Nuuk foram imediatas: o governo dinamarquês e o parlamento groenlandês afirmaram categoricamente que “a Groenlândia não está à venda” e que seu futuro cabe exclusivamente ao seu povo.
Macron foi convidado pelos primeiros‑ministros Jens‑Frederik Nielsen (Groenlândia) e Mette Frederiksen (Dinamarca) com o objetivo de reforçar a coesão europeia na região e oferecer um contraponto diplomático às provocações americanas. Segundo assessores, “a visita em si já transmite uma mensagem de solidariedade e firmeza”.
Agenda oficial e pontos-chave
- Encontros bilaterais
Reuniões com Jens‑Frederik Nielsen e Mette Frederiksen para alinhar ações de cooperação em defesa do Ártico e discutir como dar uma nova dimensão à parceria da Groenlândia com a União Europeia, explorando possibilidades de associação ampliada e apoio a projetos de energia renovável. - Visita a infraestrutura energética
Inauguração simbólica e inspeção a uma usina hidrelétrica financiada pela UE, perto de Sisimiut, que exemplifica investimentos europeus em infraestrutura limpa e autonomia energética local. - Avaliação de impactos climáticos
Inspeção de um glaciar nos arredores de Nuuk para testemunhar os efeitos do aquecimento global — um tema urgente para as comunidades locais e indicador crítico das mudanças nos níveis do mar em escala global. - Debate sobre segurança e soberania
Mesa‑redonda com autoridades militares e especialistas em segurança para abordar a crescente competição entre grandes potências (Rússia, China e Estados Unidos), bem como a possibilidade de a França estender seu guarda-chuva nuclear a aliados europeus, conforme recentes discussões em Bruxelas.
Aderência popular e apoio europeu
Pesquisa IFOP divulgada em junho de 2025 mostra que 77% dos franceses e 56% dos americanos desaprovam a anexação da Groenlândia pelos EUA, e 43% dos franceses apoiariam até mesmo ação militar francesa para evitar uma invasão. Na véspera da visita, o ministro Jean‑Noël Barrot afirmou que “a Groenlândia é um território ultramarino da UE” e que “não se permitirá que nações ataquem suas fronteiras soberanas”.
Recalibração dinamarquesa e autonomia estratégica
Em resposta ao clima de incerteza, a Dinamarca investiu 14,6 bilhões de coroas dinamarquesas em reforço militar no Ártico, incluindo aquisição de três novos navios, drones de longo alcance e satélites de vigilância, em colaboração com Groenlândia e Ilhas Faroé. Além disso, Copenhague encomendou sistemas de defesa antiaérea franceses, diversificando parcerias militares além da Otan e dos EUA.
Analistas do IFRI observam que o movimento reforça a busca por “hard power” europeu e reforça a visão de Macron de uma Europa mais autônoma em matéria de defesa, capaz de proteger seus territórios ultramarinos e aliados no Ártico.
Desafios e perspectivas para o Ártico
O Ártico enfrenta transformações aceleradas: o degelo expande novas rotas comerciais e oportunidades de mineração, mas também agrava a erosão costeira e ameaça a cultura inuit. A visita de Macron pretende catalisar um esforço coordenado europeu em pesquisa científica, infraestrutura resiliente e apoio às populações locais.
Ao final da estada, Macron seguiu para o Canadá, onde participará do encontro preparatório ao G7, com a meta de consolidar uma declaração conjunta sobre segurança do Ártico e clima. Resta saber se esse gesto diplomático se converterá em compromissos concretos de defesa marítima e investimentos sustentáveis, que consolidem de fato a soberania groenlandesa e a presença europeia na região.
Conclusão
A passagem de Macron por Nuuk transcende o simbolismo: é um passo estratégico para a França e para a União Europeia afirmarem sua relevância em um teatro geopolítico cada vez mais disputado. Em um momento de vulnerabilidade diante de grandes potências, a Europa reforça sua mensagem de que qualquer decisão sobre o futuro da Groenlândia só cabe aos seus habitantes, sob a proteção de uma comunidade internacional unida e atuante.
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