Macron em Nuuk: a demonstração de unidade europeia após as ameaças de Trump à Groenlândia

Presidente francês Emmanuel Macron em coletiva de imprensa no Palácio do Eliseu, Paris, 13 de junho de 2025
Emmanuel Macron durante coletiva de imprensa no Palácio do Eliseu, Paris, na sexta-feira, 13 de junho de 2025. Foto: Michel Euler/Pool via REUTERS

Em visita histórica, o presidente francês reforça solidariedade a Dinamarca e ao governo autônomo groenlandês, sinalizando autonomia estratégica europeia no Ártico.

Em 15 de junho de 2025, o presidente francês Emmanuel Macron desembarcou em Nuuk, capital da Groenlândia, tornando‑se o primeiro chefe de Estado estrangeiro a visitar a ilha após as declarações de Donald Trump ameaçando adquiri‑la por meio de compra ou até mesmo força militar. A estada de dois dias inclui debates sobre segurança no Ártico, mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável, em um claro gesto de que a Europa defenderá o direito dos groenlandeses de decidir seu futuro.

Contexto e motivações

Desde o final de 2024, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reacendeu especulações sobre a aquisição da Groenlândia — rica em minerais estratégicos e de grande importância geopolítica — sugerindo publicamente que não descartaria o uso da força para assegurar “segurança nacional”. As reações em Copenhague e Nuuk foram imediatas: o governo dinamarquês e o parlamento groenlandês afirmaram categoricamente que “a Groenlândia não está à venda” e que seu futuro cabe exclusivamente ao seu povo.

Macron foi convidado pelos primeiros‑ministros Jens‑Frederik Nielsen (Groenlândia) e Mette Frederiksen (Dinamarca) com o objetivo de reforçar a coesão europeia na região e oferecer um contraponto diplomático às provocações americanas. Segundo assessores, “a visita em si já transmite uma mensagem de solidariedade e firmeza”.

Agenda oficial e pontos-chave

  1. Encontros bilaterais
    Reuniões com Jens‑Frederik Nielsen e Mette Frederiksen para alinhar ações de cooperação em defesa do Ártico e discutir como dar uma nova dimensão à parceria da Groenlândia com a União Europeia, explorando possibilidades de associação ampliada e apoio a projetos de energia renovável.
  2. Visita a infraestrutura energética
    Inauguração simbólica e inspeção a uma usina hidrelétrica financiada pela UE, perto de Sisimiut, que exemplifica investimentos europeus em infraestrutura limpa e autonomia energética local.
  3. Avaliação de impactos climáticos
    Inspeção de um glaciar nos arredores de Nuuk para testemunhar os efeitos do aquecimento global — um tema urgente para as comunidades locais e indicador crítico das mudanças nos níveis do mar em escala global.
  4. Debate sobre segurança e soberania
    Mesa‑redonda com autoridades militares e especialistas em segurança para abordar a crescente competição entre grandes potências (Rússia, China e Estados Unidos), bem como a possibilidade de a França estender seu guarda-chuva nuclear a aliados europeus, conforme recentes discussões em Bruxelas.

Aderência popular e apoio europeu

Pesquisa IFOP divulgada em junho de 2025 mostra que 77% dos franceses e 56% dos americanos desaprovam a anexação da Groenlândia pelos EUA, e 43% dos franceses apoiariam até mesmo ação militar francesa para evitar uma invasão. Na véspera da visita, o ministro Jean‑Noël Barrot afirmou que “a Groenlândia é um território ultramarino da UE” e que “não se permitirá que nações ataquem suas fronteiras soberanas”.

Recalibração dinamarquesa e autonomia estratégica

Em resposta ao clima de incerteza, a Dinamarca investiu 14,6 bilhões de coroas dinamarquesas em reforço militar no Ártico, incluindo aquisição de três novos navios, drones de longo alcance e satélites de vigilância, em colaboração com Groenlândia e Ilhas Faroé. Além disso, Copenhague encomendou sistemas de defesa antiaérea franceses, diversificando parcerias militares além da Otan e dos EUA.

Analistas do IFRI observam que o movimento reforça a busca por “hard power” europeu e reforça a visão de Macron de uma Europa mais autônoma em matéria de defesa, capaz de proteger seus territórios ultramarinos e aliados no Ártico.

Desafios e perspectivas para o Ártico

O Ártico enfrenta transformações aceleradas: o degelo expande novas rotas comerciais e oportunidades de mineração, mas também agrava a erosão costeira e ameaça a cultura inuit. A visita de Macron pretende catalisar um esforço coordenado europeu em pesquisa científica, infraestrutura resiliente e apoio às populações locais.

Ao final da estada, Macron seguiu para o Canadá, onde participará do encontro preparatório ao G7, com a meta de consolidar uma declaração conjunta sobre segurança do Ártico e clima. Resta saber se esse gesto diplomático se converterá em compromissos concretos de defesa marítima e investimentos sustentáveis, que consolidem de fato a soberania groenlandesa e a presença europeia na região.

Conclusão

A passagem de Macron por Nuuk transcende o simbolismo: é um passo estratégico para a França e para a União Europeia afirmarem sua relevância em um teatro geopolítico cada vez mais disputado. Em um momento de vulnerabilidade diante de grandes potências, a Europa reforça sua mensagem de que qualquer decisão sobre o futuro da Groenlândia só cabe aos seus habitantes, sob a proteção de uma comunidade internacional unida e atuante.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*