
A visita de Emmanuel Macron a Giorgia Meloni, realizada em 3 de junho de 2025, buscou atenuar atritos que vinham marcando a relação bilateral e impactando a coesão europeia em temas essenciais como a guerra na Ucrânia, o acordo Mercosul-União Europeia e o alinhamento transatlântico. A seguir, uma revisão detalhada do artigo original, com ajustes de estilo, correções pontuais e inclusão de informações recentes e confiáveis.
Contexto político e ideológico
Emmanuel Macron, presidente da França desde 2017, consolidou-se como um líder claramente pró-europeu, defensor de uma autonomia estratégica do bloco em relação aos Estados Unidos. A partir de 2022, porém, manteve um canal direto de diálogo com Donald Trump, herdando dessa relação certa flexibilidade nas negociações com Washington.
Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália desde outubro de 2022, lidera um governo de orientação nacionalista-conservadora e proclama empenho em manter a Europa alinhada aos interesses dos EUA. Ainda que ambos manifestem apoio formal à integração europeia, suas convenções estratégicas divergem: Macron pressiona por uma união política e militar mais independente; Meloni, por sua vez, enfatiza a centralidade do vínculo transatlântico, adotando o slogan “Make the West great again” em encontro com Trump, em abril de 2025, para justificar a prioridade do Ocidente no enfrentamento à Rússia.
Tensões em torno da guerra na Ucrânia
Divergência sobre “coalizão dos dispostos” e força de paz europeia
Desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022, França e Itália mantêm posições nacionais convergentes no sentido de apoiar a soberania ucraniana, mas com matizes operacionais distintos. Macron propôs a formação de uma “coalizão dos dispostos”, que reuniria países europeus prontos a oferecer apoio militar mais substantivo – inclusive discutindo o envio de tropas de paz ao território ucraniano, caso se concretize um acordo de cessar-fogo. Já Meloni deixou claro, ainda em março de 2025, que não participaria com tropas italianas em qualquer força de paz no solo ucraniano, justificando que isso seria impopular na opinião pública italiana.
Em 6 de março de 2025, o chanceler russo Sergei Lavrov qualificou a ideia de tropas europeias na Ucrânia como um “envolvimento descarado da OTAN em uma guerra contra a Rússia”, comparando Macron a figuras históricas expansionistas como Hitler e Napoleão. Essa retórica russa, por sua vez, reforçou a cautela de Meloni, que considerou que qualquer operação militar direta arriscaria agravar ainda mais a escalada.
Conflitos comerciais e relacionamento com Washington
Acordo Mercosul-União Europeia e tarifas americanas
A disputa comercial entre França e Itália também ganhou relevo nos últimos meses.
- Itália, com um superávit comercial expressivo frente aos EUA – particularmente em produtos agrícolas e manufaturados – pressionou pela ratificação imediata do acordo Mercosul-União Europeia, argumentando que a demora de Bruxelas prejudica exportadores italianos.
- França, embora favorável em tese ao acordo, condiciona a ratificação a cláusulas socioambientais mais rígidas, visando proteger produtores locais e assegurar padrões de sustentabilidade.
- Paralelamente, os EUA mantêm tarifas sobre aço e alumínio europeus, o que afetou setores industriais de fábricas francesas e italianas. Meloni adotou postura de alinhamento integral com Washington, enquanto Macron defendeu negociações diretas para evitar retaliações mais severas contra a indústria do bloco.
Além disso, o resultado da eleição presidencial na Polônia (marcada por vitória de um candidato nacionalista em junho de 2025) aumentou a incerteza sobre o futuro do acordo Mercosul-UE, já que Varsóvia manifestou ceticismo em relação ao acordo. Essa conjuntura forçou França e Itália a recalibrar suas estratégias para garantir que o bloco se apresentasse unido diante de parceiros sul-americanos.
Objetivos da reunião
Conforme comunicado oficial de 28 de maio de 2025, divulgado pelo gabinete de Meloni, a visita de Macron teria agenda focada em “assuntos bilaterais, europeus e internacionais”, sem detalhar tópicos específicos. Em seguida, análises oficiais de ambos os lados elencaram:
- Demonstrar respeito e amizade mútua, corrigindo falas públicas que haviam gerado mal-estar e antecipando um esforço conjunto para evitar atritos desnecessários.
- Definir garantias de segurança para a Ucrânia, buscando articular uma visão europeia comum sobre como sustentar a resistência ucraniana e preparar eventuais contingências pós-acordo de cessar-fogo.
- Debater o acordo Mercosul-UE, discutindo cronogramas de ratificação, cláusulas ambientais e mecanismos de proteção para setores sensíveis, de modo a viabilizar sua aprovação sem comprometer interesses nacionais.
- Avaliar tarifas norte-americanas e articular estratégias para que Bruxelas negocie de forma coordenada com Washington, visando minimizar impactos negativos à indústria automotiva e siderúrgica europeia.
- Fortalecer a cooperação industrial franco-italiana, com ênfase na Stellantis, cuja fusão de marcas francesas e italianas requer um entendimento alinhado sobre localização de fábricas, pesquisa e desenvolvimento e gestão de cadeias de suprimentos.
- Trocar percepções sobre o Oriente Médio e a Líbia, onde a possível expansão da influência russa no leste líbio preocupa ambas as capitais.
De acordo com fontes anônimas citadas pela Reuters, Macron tomou a iniciativa de convocar o encontro, enfatizando que a cúpula serviria para “mostrar respeito e amizade” e acentuar a importância da coesão europeia. Por sua vez, autoridades italianas definiram o evento como uma oportunidade para “lançar bases para um reforço das relações” e abordaram temas adicionais, tais como a situação no Oriente Médio e a **transição energética no Sahel”.
O fator Líbia e segurança mediterrânea
A Líbia continua sendo um ponto sensível de divergência e oportunidade de cooperação:
- Após a deposição de Bashar al-Assad, em dezembro de 2024, a Rússia intensificou seu apoio a grupos no leste líbio, com o objetivo de manter um “ponto de apoio” no Mediterrâneo.
- A Itália, por proximidade geográfica e histórica, enfrenta efeitos diretos no controle migratório e na segurança costeira, visto que um governo líbio fragmentado favorece redes de tráfico de pessoas.
- A França, embora mais engajada no Sahel, reconhece que a instabilidade líbia gera desdobramentos no norte do continente africano, colocando em risco suas próprias operações antipirataria e antiterror.
Para o consultor Francesco Galietti, “a reunião de Macron e Meloni não é um gesto de nostalgia pela velha amizade franco-italiana, mas sim uma necessidade estratégica. É imperativo encontrar rapidamente um consenso sobre a Líbia antes que a Rússia consolide posições que tornem qualquer ação europeia inviável”. Em anos recentes, operações conjuntas de patrulhamento marítimo contra o tráfico de migrantes e de armas já haviam sido conduzidas, mas a falta de coordenação deixou lacunas exploradas por atores externos.
Implicações para a coesão da União Europeia
A rivalidade entre Paris e Roma simboliza o embate entre duas correntes dentro da UE:
- A integração profunda e a autonomia estratégica (empurradas sobretudo pela França).
- A soberania nacional e o alinhamento transatlântico (defendidos pela Itália).
Caso insistam nas divergências, podem surgir riscos como:
- Dificuldades na tomada de decisões unânimes em questões sensíveis, por exemplo, no envio de equipamentos militares ou sanções setoriais mais rigorosas contra a Rússia.
- Pressões sobre países menores para que escolham um lado, o que fragilizaria o conceito de “mercado único” e enfraqueceria a capacidade europeia de negociação com blocos como o Mercosul e os EUA.
- Prolongamento de incertezas em torno de instrumentos de defesa comuns, como o PESCO (Cooperação Estruturada Permanente) e o Fundo Europeu de Defesa, cuja contribuição italiana é contestada por Meloni em função de restrições orçamentárias e prioridades domésticas.
Por outro lado, se Macron e Meloni consolidarem um compasso mínimo – sobretudo em torno de temas como apoio à Ucrânia, condições de ratificação do acordo Mercosul-UE e resposta coordenada à presença russa no Mediterrâneo – isso poderá reacender a solidariedade europeia em um momento de volatilidade global.
Perspectivas e reações após o encontro
Opinião pública italiana e francesa
- Itália: Pesquisas de opinião de maio de 2025 indicam que cerca de 60% dos italianos desaprovam o envio de tropas a conflitos externos, o que reforça a postura de Meloni de evitar participação em uma força de paz no leste ucraniano. Ainda assim, há amplo consenso em apoiar sanções econômicas — refletindo o anseio de não ficar à margem de decisões europeias, mas sem expor tropas.
- França: Leva-se em conta que a opinião pública está dividida quanto à profundidade do engajamento militar europeu na Ucrânia. Macia grande parcela dos eleitores franceses reclama de maior foco em políticas domésticas, enquanto setores estratégicos (inicialmente industrial e energético) entendem que a autonomia europeia em defesa é prioritária. Por esse motivo, Macron tem buscado argumentos que unifiquem apoio interno à ideia de uma proteção europeia fortalecida, inclusive levando adiante discussões sobre o “escudo nuclear europeu”.
Análise de especialistas
- Analistas de segurança alertam que, se França e Itália não se entenderem, a UE pode transmitir sinal de vulnerabilidade a adversários como a Rússia, que poderia explorar divisões para avançar interesses no Sahel, no Mediterrâneo e no Cáucaso.
- Economistas europeus recordam que atrasos no acordo Mercosul-UE podem custar bilhões de euros ao setor agrícola do Sul da França, da Itália e de países do Norte da Europa, prolongando incertezas que já duram quase dois anos. A ratificação do tratado, essenciais para expandir exportações de vinho, queijos e automóveis, depende da concordância de todos os parlamentares nacionais, dos 27 Estados-membros, e de condições ambientais que amenizem as críticas de ONGs.
Conclusão
O encontro de 3 de junho de 2025 entre Emmanuel Macron e Giorgia Meloni apresentou-se menos como um gesto simbólico e mais como uma necessidade prática de reequilibrar a parceria franco-italiana em meio a desafios cruciais. A tentativa de restabelecer respeito mútuo e aproximar posições sobre a guerra na Ucrânia, o acordo Mercosul-União Europeia, as tarifas americanas e a situação na Líbia reflete o entendimento compartilhado de que fragmentações prolongadas enfraquecem não só França e Itália, mas toda a coerência estratégica europeia.
Se as diferenças permanecerem intransponíveis, existe o risco de intensificar a fragmentação interna da UE, dificultando decisões rápidas em momentos críticos. Por outro lado, se Macron e Meloni encontrarem bases mínimas de compromisso — por exemplo, definindo prazos claros de ratificação do Mercosul-UE, limitando desentendimentos sobre posturas de paz na Ucrânia e coordenando ações para conter a expansão russa no Mediterrâneo —, poderão apresentar uma frente europeia mais unida diante de pressões externas crescentes.
O desdobramento real desse esforço cooperativo dependerá, nos próximos meses, de como Bruxelas reagirá às propostas comuns de Paris e Roma, de que forma cada Parlamento nacional aprovará medidas e de eventuais reviravoltas políticas internas, tanto na França quanto na Itália. A eventual fragilidade econômica decorrente de desacordos comerciais e os riscos geopolíticos no leste europeu e no norte da África tornam o encontro de 3 de junho um marco de vigilância permanente para todos os observadores de Relações Internacionais.
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