
No dia 3 de junho de 2025, o governo dos Estados Unidos elevou, de 25% para 50%, as tarifas sobre importações de aço e alumínio provenientes do México, Canadá e União Europeia, por meio de uma proclamação executiva do presidente Donald Trump. Em resposta, a presidente mexicana Claudia Sheinbaum declarou, em 4 de junho, que o país adotará contramedidas na semana seguinte se não for alcançado um entendimento com Washington, com o objetivo de proteger empregos e negócios internos, sem, porém, incorrer em retaliação motivada por vingança (“olho por olho”). Este artigo analisa o histórico das tarifas, as declarações oficiais mexicanas, as possíveis medidas de retaliação e as consequências econômicas e diplomáticas para ambas as nações.
Histórico das Tarifas de Aço e Alumínio
Em 4 de março de 2025, o presidente Donald Trump havia anunciado tarifas de 25% sobre uma ampla gama de produtos mexicanos, citando preocupações com migração e tráfico de drogas, especialmente o fluxo de fentanil rumo aos EUA, o que se estenderia também ao setor metalúrgico. Na ocasião, o México respondeu que poderia impor tarifas retaliatórias especificamente em 9 de março, mas optou por aguardar negociações diretas com Washington até 2 de abril, quando, ao final de um telefonema entre Sheinbaum e Trump, foi obtida uma prorrogação temporária da isenção tarifária para a maior parte das importações mexicanas cobertas pelo USMCA (Acordo Estados Unidos–México–Canadá).
No dia 2 de abril de 2025, aquela isenção expirou e as tarifas de 25% passaram a vigorar integralmente sobre aço e alumínio mexicanos. Desde então, o governo de Sheinbaum buscou, por vias diplomáticas, convencer Washington a suspender ou ao menos atenuar as sanções, argumentando que o México já vinha contribuindo substancialmente para conter o tráfico de drogas na fronteira e cooperando em questões migratórias.
Declarações de Claudia Sheinbaum
Durante a coletiva matinal de 4 de junho de 2025, Sheinbaum classificou a elevação das tarifas para 50% como uma “medida injusta”, uma vez que o México não possui tarifas sobre produtos originários dos EUA, conforme prevê o USMCA, e tem cumprido compromissos de cooperação em segurança e combate ao tráfico.
Ela enfatizou que a resposta mexicana não teria caráter de vingança, mas sim de proteção dos empregos no setor metalúrgico, que responde por aproximadamente US$ 11 bilhões anuais em exportações de aço e alumínio para o mercado norte-americano, além de preservar a cadeia produtiva automobilística, que depende desses insumos.
Sheinbaum adiantou que, caso não se chegue a um acordo até a próxima semana, serão anunciadas “medidas” que poderão incluir tanto tarifas retaliatórias quanto barreiras de natureza não-tarifária, sem especificar ainda quais produtos seriam afetados como alvo primário. Adicionalmente, confirmou que o chanceler Marcelo Ebrard manteria conversas de alto nível com autoridades americanas ao longo desta semana, numa tentativa de reabrir canais de negociação antes da adoção de sanções mexicanas.
Possíveis Contramedidas Mexicanas
Ainda não há lista oficial de produtos que poderão sofrer tarifas de retaliação, mas, segundo especialistas e declarações anteriores de representantes do Ministério da Economia, as medidas contemplam:
- Tarifas Retaliatórias Diretas
- Tributos adicionais a produtos americanos sensíveis ao eleitorado de regiões-chave, como arroz, carne bovina e produtos de milho, segmentos em que o México é grande comprador, com importações somando cerca de US$ 11 bilhões apenas de milho em 2024. Essa escolha visa gerar pressão política interna nos Estados Unidos, punindo estados agrícolas do Meio-Oeste.
- Barreiras Não-Tarifárias
- Exigências sanitárias mais rígidas, fiscalizações aduaneiras intensificadas e aplicação de normas técnicas (como inspeções fitossanitárias) que possam encarecer ou atrasar a entrada de produtos americanos. Esse tipo de medida tende a atingir especialmente setores como laticínios, carne e frutas, onde o México já cobra padrões elevados de qualidade e certificação.
- Diversificação de Parcerias Comerciais
- Reforço de tratados e acordos com outros blocos e países (União Europeia, Mercosul, Ásia-Pacífico), buscando reduzir a dependência de mais de 80% das exportações mexicanas concentradas nos EUA. Desse modo, empresas mexicanas de manufatura e autopeças poderiam direcionar parte de sua produção para mercados alternativos, diminuindo o impacto de sanções americanas a médio prazo.
- Ações Jurídicas em Organismos Internacionais
- Pouco mencionada na coletiva, mas em análises de especialistas, há possibilidade de o México iniciar consultas no âmbito do USMCA e da OMC para contestar legalmente as tarifas americanas, alegando violação às cláusulas de livre comércio e salvaguardas acordadas. Caso ambas as partes não alcancem um entendimento, isso pode culminar na formação de um painel de arbitragem internacional.
Consequências Econômicas e Setoriais
No México
- Indústria Metalúrgica e Empregos
As siderúrgicas mexicanas, localizadas principalmente nos estados de Nuevo León, Coahuila e Tamaulipas, já operam com paradas intermitentes de produção desde abril, quando os 25% de tarifas entraram em vigor plenamente. A elevação para 50% pode agravar esse estrangulamento, indicando possíveis demissões ou redução de turnos, afetando cerca de 200 mil empregos diretos e outros 600 mil indiretos nas cadeias de fornecedores e logística. - Fluxo de Investimentos
Dados do Banco de México apontavam, até março, retração de 21% no Investimento Estrangeiro Direto (IED) em comparação ao mesmo período de 2024, reflexo da incerteza gerada pelas tarifas. Caso o conflito se prolongue sem resolução, analistas projetam nova revisão para baixo das projeções anuais de IED, sobretudo no setor automotivo, que vinha atraindo US$ 5 bilhões em projetos durante 2024-2025. - Custo à Cadeia Produtiva de Autopeças
A indústria automotiva mexicana, responsável por quase 30% de todas as exportações industriais do país, utiliza insumos de aço e alumínio importados dos EUA. As tarifas de 50% aumentam o custo de produção de veículos, pressionando montadoras como General Motors, Ford, Nissan e Volkswagen, que avaliam transferir parte da produção para outras regiões ou reajustar preços no mercado interno.
Nos Estados Unidos
- Setor Automotivo e de Infraestrutura
Montadoras norte-americanas dependem de aço e alumínio mexicanos, especialmente para componentes leves de alumínio em veículos. A alta de 50% nas tarifas pode elevar o custo final dos automóveis em até 5%, segundo estimativas de associações do setor, tornando os veículos “Made in USA” menos competitivos frente a concorrentes estrangeiros, incluindo montadoras asiáticas e europeias já estabelecidas nos EUA. - Agronegócio e Importações de Alimentos
Caso o México aplique tarifas retaliatórias sobre produtos agrícolas (soja, milho, carne bovina), o preço desses insumos no mercado interno americano tende a subir, prejudicando produtores e consumidores. O estado de Iowa, por exemplo, exporta cerca de US$ 680 milhões em milho anualmente ao México e poderia sofrer pressão política para reverter as medidas de Trump. - Construção Civil e Obras Públicas
A indústria de infraestrutura americana importa barras de aço especiais e perfis de alumínio vindos do México. Com tarifas de 50%, muitos contratos públicos podem sofrer reajustes orçamentários, atrasando obras rodoviárias e projetos de energia, justamente num período em que o governo federal enfrenta cortes no orçamento de transporte e verbas restritas para obras de infraestrutura.
Perspectivas Diplomáticas
Apesar do tom firme, o governo mexicano não quer romper totalmente as negociações. O chanceler Marcelo Ebrard iniciou, em 5 de junho, conversas preliminares com o Representante de Comércio dos EUA (USTR) e altos funcionários do Departamento de Estado, buscando uma isenção setorial ou um calendário de redução gradual das tarifas, de modo a evitar desestabilizar ainda mais as cadeias produtivas transfronteiriças. As discussões devem incluir propostas de reforço na cooperação anti-fentanil e controle de migração, pontos que o México usou como contrapartida para argumentar que não se justifica aplicar 50% de tributos a um parceiro que já vem cumprindo compromissos de segurança.
Ao mesmo tempo, especialistas apontam que o México poderá recorrer, caso necessário, ao mecanismo de resolução de disputas do USMCA, já iniciado em outras disputas tarifárias nos últimos dois anos, abrindo a possibilidade de um painel de arbitragem submetido à OMC caso as consultas bilaterais não prosperem até meados de junho. Esse processo pode levar meses, mas exercer pressão jurídica significativa sobre Washington se o governo mexicano decidir por esse caminho.
Politicamente, Sheinbaum mantém elevado índices de aprovação (65% em maio de 2025), refletindo uma narrativa nacionalista que valoriza a defesa da soberania econômica, ao mesmo tempo em que busca projetar o México como ator maduro no cenário regional, capaz de equilibrar diálogo e autonomia na condução de suas políticas comerciais.
Conclusão
A escalada das tarifas de aço e alumínio para 50% representa um ponto de inflexão na relação comercial entre México e Estados Unidos. Se, por um lado, o México já demonstrou disposição para negociar soluções que contemplem isenções ou reduções graduais dos tributos, por outro, prepara-se para adotar contramedidas calibradas para proteger sua indústria metalúrgica e cadeia automotiva, sem, porém, mergulhar numa guerra comercial irreversível. O desenlace dependerá diretamente das conversas entre o chanceler Ebrard e representantes americanos nas próximas semanas, assim como da capacidade de ambos os lados de chegarem a um acordo que preserve, ao mesmo tempo, o imperativo de defesa de empregos e a fluidez das cadeias produtivas transfronteiriças.
Caso não se firme uma solução negociada até meados da próxima semana, as contramedidas mexicanas deverão entrar em vigor, podendo incluir tarifas retaliatórias sobre produtos agrícolas e barreiras não-tarifárias que impactem setores estratégicos dos EUA. A rapidez com que essas medidas serão formalizadas pode determinar o grau de perturbação dos fluxos comerciais e, por consequência, influenciar a confiança de investidores e empresários ao longo de toda a América do Norte.
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