Missão Empresarial de Mato Grosso do Sul em Singapura: Paradiplomacia Econômica e o Novo Tabuleiro Geopolítico da Alimentação

Foto de uma delegação empresarial brasileira em Singapura. Eduardo Riedel (PSDB) está ao centro, segurando uma obra de arte, rodeado por nove representantes de Singapura e empresários. Todos vestem trajes formais e posam em um ambiente institucional, com bandeira e brasão ao fundo.
Delegação empresarial de Mato Grosso do Sul em Singapura, liderada pelo governador Eduardo Riedel, durante encontros institucionais para fortalecer parcerias e a diplomacia econômica.

A recente missão empresarial de Mato Grosso do Sul em Singapura, realizada entre os dias 13 e 15 de agosto de 2025, representa muito mais do que uma rodada de negócios. Trata-se de um movimento que evidencia como estados brasileiros começam a assumir protagonismo internacional, explorando caminhos próprios dentro do que especialistas chamam de paradiplomacia econômica. No caso específico, o objetivo foi fortalecer a presença da tilápia sul-mato-grossense no mercado asiático, ao mesmo tempo em que buscou atrair investimentos em infraestrutura e sustentabilidade.

Singapura: o hub asiático

Singapura não é apenas um país de pequena extensão territorial, mas sim um dos mais importantes centros financeiros e logísticos do planeta. Sua localização no coração do Sudeste Asiático, aliada à estabilidade política e ao ambiente regulatório favorável, fazem do país um hub para o comércio internacional. Empresas que conseguem espaço nesse mercado têm maior facilidade para penetrar em outros países da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), como Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã.

Para Mato Grosso do Sul, estabelecer conexões comerciais em Singapura significa ampliar significativamente o alcance de seus produtos, transformando a tilápia — hoje uma das principais apostas da aquicultura brasileira — em um ativo geopolítico.

Tilápia: da produção local ao mercado global

O Brasil já é reconhecido como potência agrícola e pecuária, mas a aquicultura vem se consolidando como fronteira estratégica de crescimento. A tilápia, espécie de peixe de fácil cultivo e com boa aceitação de mercado, é símbolo dessa expansão. Em Mato Grosso do Sul, o setor tem crescido em sinergia com políticas públicas de incentivo e investimentos privados.

No mercado asiático, o consumo de pescado é parte central da dieta. Países como Vietnã e Tailândia são concorrentes diretos do Brasil nesse segmento, exportando grandes volumes de peixe cultivado. A entrada da tilápia brasileira nesse circuito não apenas diversifica a pauta exportadora do país, mas também insere o Brasil na disputa por um espaço em um mercado altamente competitivo e geoestratégico.

Comparativo ASEAN: Vietnã e Tailândia

Vietnã (pangasius como benchmark de aquicultura de água doce): em 2025, as exportações de pangasius vietnamita somaram mais de US$ 1,0 bilhão no 1º semestre, com crescimento de dois dígitos sobre 2024, sustentadas por China e EUA. O desempenho sinaliza escala industrial, padronização sanitária e logística consolidada — fatores que definem o nível de competitividade que a tilápia brasileira precisa alcançar na Ásia.

Tailândia (tilápia voltada majoritariamente ao mercado interno): a produção de tilápia tailandesa gira na casa de dezenas de milhares de toneladas anuais, com exportações mais modestas e foco regional. Mesmo assim, o país se diferencia por rastreabilidade, boas práticas e integração com cadeias de insumos e processamento, o que pressiona concorrentes a elevarem padrões de qualidade e certificação.

Implicação geopolítica para o Brasil/MS: o Vietnã dita preço e referência técnica para peixes de cultivo na região, enquanto a Tailândia empurra a régua de qualidade e conformidade. Para a tilápia sul-mato-grossense, competir passa por certificação sanitária e ambiental, contratos logísticos estáveis, e posicionamento de valor (fresh/chilled premium vs. frozen commodity), além de explorar nichos em Singapura e, a partir daí, na ASEAN.

Em 2025, o setor de aquicultura brasileiro registrou um recorde histórico no primeiro trimestre: foram exportados US$ 18,5 milhões em pescado, com a tilápia representando US$ 17 milhões (92%) e crescimento de 105% em relação ao mesmo período de 2024. Foram 3.455 toneladas exportadas, consolidando o protagonismo da espécie.

Panorama competitivo e preços

  • China: principal comprador de pescado da ASEAN e também destino estratégico do pangasius vietnamita, absorvendo parte relevante do volume. O preço médio das exportações de pangasius gira em torno de US$ 2.200 a US$ 2.400/tonelada.
  • EUA: embora aplicando sobretaxa de 50% sobre a tilápia brasileira, ainda são relevantes para o pangasius e a tilápia chinesa, onde os preços chegam a US$ 2.500/tonelada.
  • ASEAN (mercado regional): Singapura atua como porta de entrada, onde peixes premium podem alcançar até US$ 3.000/tonelada em segmentos fresh/chilled, enquanto o commodity frozen fica na faixa de US$ 1.800–2.000/tonelada.

Paradiplomacia: estados como atores globais

O movimento de Mato Grosso do Sul ilustra a crescente atuação internacional de governos subnacionais, que assumem papel ativo na diplomacia comercial. Esse fenômeno — a paradiplomacia — já é visível em estados como São Paulo, que mantém escritórios internacionais voltados para tecnologia e inovação, ou o Paraná, que aposta fortemente no agronegócio.

No caso específico de Singapura, a comitiva liderada pelo governador Eduardo Riedel (PSDB) se reuniu com representantes da Associação de Comerciantes de Carne, que demonstraram interesse em importar tilápia sul-mato-grossense. Esse interesse é reforçado pelo fato de que os Estados Unidos impuseram uma sobretaxa de 50% à tilápia brasileira, prejudicando a competitividade das empresas do estado. Como Singapura não aplica tarifas de importação sobre o pescado, abre-se uma oportunidade estratégica para o setor.

Hoje, cerca de 60% da proteína animal consumida em Singapura já é importada do Brasil, sobretudo frango, suínos e bovinos. O pescado sul-mato-grossense surge como alternativa complementar para diversificar essa pauta.

Investimentos e sustentabilidade além da tilápia

A missão também abriu espaço para negociações que vão além do setor pesqueiro. Em Singapura, o governo de Mato Grosso do Sul apresentou a investidores projetos como o Fundo Pantanal e a Rota Bioceânica. Empresas e fundos como Temasek, GenZero e RGE (controladora da Bracell) participaram das conversas, e um dos resultados foi o acordo para a instalação de uma unidade da Bracell em Bataguassu, fortalecendo a base industrial do estado e reforçando o apelo da sustentabilidade.

Geopolítica da alimentação e segurança global

O pano de fundo desse movimento é a crescente importância da segurança alimentar na agenda global. Com a população asiática em expansão e a demanda por proteína em alta, a disputa por fornecedores confiáveis e sustentáveis se intensifica. O Brasil, ao oferecer pescado cultivado em larga escala, se apresenta como parceiro estratégico.

O desafio, no entanto, é grande. Concorrer com países asiáticos já estabelecidos nesse setor exigirá diferenciação em qualidade, certificações ambientais e logística eficiente. A missão a Singapura pode ser entendida como um primeiro passo de inserção estratégica, mas a consolidação dependerá de políticas coordenadas entre o setor privado, os estados e a diplomacia federal.

SWOT – Tilápia de Mato Grosso do Sul na Ásia

  • Forças: Crescimento acelerado da produção, apoio governamental, imagem positiva do Brasil como potência agroalimentar.
  • Fraquezas: Logística ainda cara e distante, escala menor frente ao Vietnã, necessidade de certificações adicionais.
  • Oportunidades: Acesso via Singapura a mercados premium, diversificação diante da sobretaxa nos EUA, demanda crescente por proteínas sustentáveis.
  • Riscos: Concorrência asiática consolidada, volatilidade cambial, barreiras não tarifárias sanitárias e ambientais.

Projeções verificadas até 2030

  • Aquicultura global: mais de 85% do crescimento adicional de peixes até 2033 virá da aquicultura, elevando sua participação para ~55% da produção mundial de peixes (captura + cultivo) no horizonte 2024–2033. A meta da FAO para a “Blue Transformation” mira +35% de aumento na produção aquícola até 2030.
  • Tilápia global: a produção mundial deve ultrapassar 7 milhões de toneladas em 2025, com trajetória de crescimento sustentada por China e Indonésia. O segmento mantém tendência positiva até 2030, com ganhos de oferta anuais na casa de ~5%.
  • Brasil (tilápia): a Peixe BR projeta que a tilápia responderá por ~80% do peixe de cultivo no Brasil até 2030. Mantido o ritmo recente, o país deve alcançar o 3º lugar mundial em produção de tilápia entre 2028 e 2029.
  • ASEAN/Singapura: a demanda regional por pescado seguirá aquecida, com nichos fresh/chilled premium crescendo acima da média. A posição de Singapura como hub logístico-financeiro deve facilitar contratos regionais e reduzir custos de entrada para players sul-americanos até 2030.

Conclusão: um movimento local, um impacto global

A missão empresarial de Mato Grosso do Sul em Singapura é, em essência, um gesto local com potencial de repercussão global. Ao mesmo tempo em que busca novos mercados para a tilápia, o estado se posiciona como ator relevante em um dos temas centrais da geopolítica contemporânea: a segurança alimentar.

Mais do que a venda de um produto, o que se negocia aqui é a inserção do Brasil no futuro da alimentação mundial. E se depender de iniciativas como esta, os estados brasileiros estarão cada vez mais presentes no tabuleiro internacional, disputando espaço não apenas como fornecedores de commodities, mas como protagonistas de uma nova ordem alimentar global.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*