
Os recentes esforços de mediação internacional — a facilitação promovida pelo Catar e o “Acordo de Washington” mediado pelos EUA entre os governos da República Democrática do Congo (RDC) e Ruanda — representam avançados diplomáticos significativos na tentativa de pôr fim à violência no leste da RDC. Conforme discutido no artigo interno [Acordo de Paz Mediado pelos EUA Entre Ruanda e RDC: Marco Histórico e Desafios à Frente], essas iniciativas lançam bases promissoras, mas sua eficácia dependerá de implementação concreta e de amplo apoio político, econômico e social.
A Declaração de Princípios em Doha
Em 19 de julho de 2025, em Doha, no Catar, o governo da RDC e representantes do grupo rebelde M23 assinaram uma declaração de princípios que estabelece um cronograma para o início das negociações em 8 de agosto e para a conclusão de um acordo final até 18 de agosto. É a primeira vez que Kinshasa aceita dialogar formalmente com o M23, anteriormente classificado como organização terrorista pelo governo congolês. Essa mediação, elogiada pela ONU e por missões regionais, prevê um cessar-fogo imediato, supervisão internacional e o compromisso de liberar prisioneiros e restaurar serviços públicos nas áreas afetadas.
O Acordo de Washington: Pacto Bilateral com Ruanda
Em 27 de junho, os ministros das Relações Exteriores da RDC e de Ruanda formalizaram, em Washington, um acordo mediado pelo Departamento de Estado dos EUA. Conhecido como “Washington Accord”, o pacto obriga ambos os países a cessar apoio a grupos armados, respeitar a soberania mútua e retirar suas tropas em até 90 dias. Embora o texto não mencione explicitamente o suposto suporte de Kigali ao M23 — negado por Ruanda, mas documentado por especialistas da ONU — o acordo cria incentivos econômicos e políticos visando estabilizar a região.
Complexidades no Terreno
Mesmo com essas iniciativas, o M23 mantém controle de setores-chave, como Goma e Bukavu, impondo impostos e royalties sobre a mineração local. A exigência de amnistia para combatentes e a reabertura de serviços públicos são pontos de tensão, pois podem estimular outros grupos armados a buscar concessões semelhantes. Além disso, o papel do FDLR — milícia Hutu acusada por Ruanda de estar envolvida no genocídio de 1994 — tem dificultado o cronograma de retirada de tropas, já que Kigali condiciona suas ações à neutralização desse grupo.
Desafios de Implementação
- Verificação e Fiscalização: A falta de um mecanismo independente impede a certificação da retirada de tropas e do desarmamento de grupos não estatais.
- Reformas de Segurança: O exército congolês permanece frágil e fragmentado, necessitando de programas de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) bem financiados e geridos de forma transparente.
- Participação Local: Processos anteriores, como os de Nairobi e Luanda, falharam por não incluir comunidades afetadas. A sustentabilidade da paz exigirá o envolvimento ativo de lideranças locais e sociedade civil.
Apoio Internacional e Aspectos Econômicos
Os EUA, União Europeia e Reino Unido têm condicionado ajuda e sanções ao cumprimento dos acordos, mas devem ampliar o suporte a iniciativas de paz e assistência humanitária. A perspectiva de investimentos na mineração de minerais críticos — coltan, cobalto e lítio — pode atrair mais recursos à região, desde que projetos gerem emprego e melhorem serviços públicos em vez de operar em enclaves isolados
Perspectivas Futuras
As negociações previstas para agosto serão um teste decisivo. Se as partes cumprirem os prazos e se os mecanismos de monitoramento forem implementados sem interferência, abre-se a possibilidade de um cessar-fogo duradouro. No curto prazo, o reforço da missão da ONU na RDC (MONUSCO), em parceria com o exército nacional, pode ser a solução mais viável para proteger civis.
Contudo, a paz só será verdadeira se as comunidades locais perceberem melhorias concretas: segurança, acesso a serviços básicos, justiça e oportunidade econômica. Enquanto essas demandas não forem atendidas, os acordos permanecerão, infelizmente, apenas promessas.
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