Polônia Decide Futuro entre Visões Pró-União Europeia e Nacionalistas

Mulher vestida com roupas tradicionais votando na segunda rodada da eleição presidencial em Gluchow, Polônia, 1º de junho de 2025.
Eleitora com trajes tradicionais participa da segunda rodada da eleição presidencial em Gluchow, Polônia, em 1º de junho de 2025. Foto: REUTERS/Kasia Strek

Neste domingo, 1º de junho de 2025, os cidadãos poloneses participaram da segunda volta da eleição presidencial em uma disputa apertada que pode definir se a maior nação do flanco leste da União Europeia permanece firmemente alinhada a Bruxelas ou se volta seu olhar para um nacionalismo de estilo MAGA. Com Rafał Trzaskowski, prefeito de Varsóvia e candidato do bloco governista centrista Civic Coalition (KO), numericamente à frente nas pesquisas, e Karol Nawrocki, apoio informal do partido nacionalista Lei e Justiça (PiS), ambas as campanhas sabiam que cada voto poderia fazer a diferença. A participação (turnout) por si só tornou-se um fator-chave, especialmente após a mobilização recorde de eleitores jovens e urbanos na primeira volta, que confirmou o potencial de transformação do perfil político do país.

Perfis dos Candidatos

Rafał Trzaskowski

  • Filiação Política: Civic Coalition (KO).
  • Histórico e Imagem Pública: Atual prefeito de Varsóvia e ex-deputado europeu, Trzaskowski é visto como voz dos liberais pró-europeus. Fala cinco idiomas e construiu reputação de gestor moderno, atraindo eleitores urbanos e jovens.
  • Principais Pautas:
    1. Integração Europeia: Defende alinhamento irrestrito com políticas da UE, inclusive no tocante ao Estado de Direito e à liberação de verbas de recuperação econômica pós-pandemia.
    2. Apoio à Ucrânia: Propõe acelerar o processo de adesão de Kiev à OTAN, considerando essencial para a segurança regional e para dissuadir eventuais avanços russos.
    3. Reformas Internas e Direitos Sociais: Promove a restauração da independência do Judiciário, revogação de vetos que favoreceram mudanças impulsionadas pelo PiS e avanço em liberalizações, como a moderação das regras de aborto e o reconhecimento de parcerias civis para casais LGBT.
    4. Defesa e Orçamento Militar: Propõe elevar gastos de defesa para 5% do PIB, reforçando presença polonesa na retaguarda da OTAN e na fragilizada segurança do Leste Europeu.

Karol Nawrocki

  • Filiação Política: Candidato independente, mas apoiado informalmente pelo PiS. Ex-presidente do Instituto de Memória Nacional, é historiador de 42 anos, conhecido pela defesa de narrativas patrióticas e conservadoras.
  • Principais Pautas:
  1. Soberania Nacional: Questiona a ingerência de Bruxelas em políticas domésticas, especialmente no sistema judicial, e defende renegociação das condições de repasse de fundos europeus, alegando que a UE impõe “condicionalidades” contrárias aos valores poloneses.
  2. Política Externa Pró-EUA: Valoriza laços diretos com Washington, inspirando-se no modelo MAGA de Donald Trump. Distingue-se ao afirmar que, caso eleito, não ratificaria o ingresso imediato da Ucrânia na OTAN, argumentando que tal decisão poderia arrastar a Polônia a um conflito direto com a Rússia.
  3. Valores Tradicionais e Questões Sociais: Repudia mudanças nas leis de aborto além do que já foi autorizado (como nos casos de anomalias fetais severas), e rejeita qualquer tipo de reconhecimento oficial de parcerias LGBTQ+, invocando a herança católica como “âncora moral” da sociedade.
  4. Defesa e Orçamento Militar: Empenha-se em manter o plano de 5% do PIB para defesa, porém com priorização de aquisições via EUA, minimizando a dependência conjunta no braço político da OTAN.

Dinâmica da Campanha e Fatores Decisivos

Exclusividade dos Debates

A falta de consenso sobre quem organizaria o debate oficial evidenciou a polarização da campanha. Trzaskowski recusou convites de canais ligados à direita conservadora, enquanto Nawrocki exigiu que essas mesmas emissoras garantissem espaço igual. O resultado foi a organização de dois debates paralelos em Końskie, um pela coalizão progressista de mídia (TVP, TVN e Polsat) e outro por redes profundamente conservadoras (TV Republika, wPolsce24 e Telewizja Trwam), num episódio criticado por causar confusão e levantar dúvidas sobre transparência democrática.

Mobilização Eleitoral e Turnout

  • KO (Trzaskowski): Apostou em concentrações massivas em centros urbanos (Varsóvia, Cracóvia, Wrocław), estímulo à votação jovem via redes sociais e colaborações com figuras do meio cultural. Buscou também alcançar bairros periféricos de grandes cidades, enfatizando preocupações com mudanças climáticas, direitos civis e oportunidades de emprego para a nova geração.
  • PiS (Nawrocki): Focou em comícios em pequenas cidades e regiões rurais, principalmente no leste e no sul da Polônia, alimentando narrativa de “santidade popular” e retórica anticorrupção. Exaltou tradições católicas, visitou feiras agrícolas e paróquias para reforçar laços com eleitores mais velhos e conservadores.

A participação foi estimada em cerca de 68% dos eleitores inscritos, número recorde para um segundo turno presidenciável. Essa adesão maciça, especialmente de jovens, foi apontada como fundamental por analistas para determinar o resultado final, dado que a vantagem entre os candidatos não ultrapassava 2 pontos percentuais nas últimas pesquisas.

Voto Jovem e Terceiras Forças

Na primeira volta, Sławomir Mentzen (Confederation) alcançou expressivos 14,8%, conquistando principalmente o eleitorado masculino urbano com discurso liberal-econômico e antissistema. Após o avanço de Mentzen ao terceiro lugar, sua base — composta em grande parte por jovens desiludidos com os partidos tradicionais — se fragmentou. Estimativas indicam que cerca de 60% desse eleitorado inclinou-se a apoiar Nawrocki no segundo turno, enquanto o restante se dividiu entre Trzaskowski ou a abstenção. Além de Mentzen, Grzegorz Braun também declarou apoio a Nawrocki, enquanto figuras como Szymon Hołownia (idéias de centro-esquerda) e Adrian Zandberg (esquerda radical) orientaram seus seguidores a votar em Trzaskowski.

Temas Centrais do Debate

Relação com a União Europeia

  • Trzaskowski: Sustenta que a Polônia só atingirá maior crescimento econômico e estabilidade política se mantiver compromisso incondicional com as diretrizes da UE, especialmente no que se refere à independência judicial e ao cumprimento de normas ambientais. A liberação completa dos fundos do NextGenerationEU depende da reversão de medidas de caráter autoritário implantadas pelo PiS nos últimos anos.
  • Nawrocki: Argumenta que a UE impõe “agenda liberal” que conflita com a identidade nacional conservadora. Victimiza suposta intromissão de Bruxelas em políticas sociais e judiciais, defendendo a renegociação dos termos de cooperação e uma postura mais dura em questões como sanções à Hungria, que, segundo ele, revelam hipocrisia de institutos europeus.

Apoio à Ucrânia e Segurança Regional

  • Trzaskowski: Coloca-se como aliado firme de Kiev, defendendo não apenas ajuda humanitária e militar imediata, mas também a aceleração de esforços para incluir a Ucrânia na OTAN. Sinaliza que a Polônia deve assumir papel proeminente na defesa coletiva e na assistência a refugiados ukrainianos, implementando políticas de integração social e laboral. “Defender a Ucrânia é defender nossa própria liberdade”, repetia em comícios.
  • Nawrocki: Garante continuidade no auxílio a refugiados e no fornecimento de armamentos fornecidos pelos EUA, mas condiciona o apoio político à região à resolução de tensões históricas — cobrando de Kiev reconhecimento formal de crimes cometidos contra poloneses ao longo de décadas. Defende que não validaria o ingresso de Kiev na OTAN sem que tais pendências de memória histórica fossem tratadas previamente, reduzindo, assim, o risco de “confronto direto” com a Rússia

Judiciário e Estado de Direito

  • Desde 2015, o PiS promoveu reformas que colocaram em xeque a independência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo, suscitando multas e sanções pela UE. Trzaskowski promete vetar qualquer legislação que mantenha interferências políticas no Judiciário, alinhando-se às condições da Comissão Europeia para desbloquear verbas do Fundo de Recuperação.
  • Nawrocki, por sua vez, exalta um Judiciário “forte, porém patriótico”, reclamando que a intervenção de Bruxelas em nome da “separação de poderes” é, na prática, uma forma de “imperialismo jurídico”. Assegura que manterá juízes indicados por governos anteriores à aliança de Tusk, o que pode perpetuar as atuais disputas institucionais.

Questões Sociais e Culturais

  • Trzaskowski: Propõe flexibilizar a legislação do aborto nos casos de risco à saúde da gestante, anomalias fetais e gravidez resultante de estupro, resguardando a autonomia das mulheres. Apoia também a criação de marco legal para parcerias civis entre pessoas do mesmo sexo. Argumenta que estas medidas não ameaçam a fé religiosa, pois deixam decisões de cunho moral a critério individual, enquanto o Estado cuida de direitos básicos.
  • Nawrocki: Defende a legislação vigente, que restringe o aborto apenas a alguns casos excepcionais, e se opõe frontalmente à institucionalização de direitos LGBTQ+, afirmando que “a família tradicional” é pilar da sociedade polonesa. Reforça a mensagem de que tais pautas são “impostas por elites liberais de Bruxelas” e contrapõe aos valores católicos majoritários.

Reações Externas e Consequências Regionais

  • União Europeia: A vitória de Trzaskowski facilitaria o desbloqueio imediato dos €35 bilhões retidos pelo Mecanismo de Recuperação, além de restabelecer a confiança do mercado e investidores internacionais. Caso Nawrocki vença, a previsão é de que Bruxelas adote postura mais cautelosa, postergue a liberação de verbas e redobre exigências sobre o respeito ao Estado de Direito.
  • Ucrânia: A equipe de Zelensky depositou esperanças no apoio irrestrito de Trzaskowski para intensa articulação diplomática junto à OTAN e ao G7. Em contraste, Nawrocki condicionou futuros compromissos à resolução de tensões históricas, o que pode reduzir a velocidade de negociação para adesão de Kiev a blocos ocidentais, agravando o risco de novas ofensivas russas nas regiões de Donetsk e Luhansk.
  • Estados Unidos: Washington, representado pelo Secretário de Estado, enviou recados públicos de apoio a Trzaskowski, enfatizando seu papel como “guardião dos valores democráticos no Leste Europeu”. Já o círculo MAGA visitou Nawrocki em Nova York, sinalizando que a vitória de seu candidato seria um avanço para a consolidação de uma “Aliança Transatlântica baseada na força militar”.
  • Rússia: Moscou acompanha com interesse. Em caso de vitória de Nawrocki, espera-se um aceno de diminuição de pressão sobre o Kremlin, sobretudo no âmbito energético, pois PiS costuma defender cortes em subsídios a combustíveis russos. Já o triunfo de Trzaskowski provavelmente manterá sanções econômicas e verbais duras contra Moscou.

Mobilização Popular e Voto Emocional

Nas ruas de Varsóvia e Cracóvia, tanto apoiadores de Trzaskowski quanto de Nawrocki apontaram o que está em jogo: o destino democrático da Polônia. O IT specialist Robert Kepczyński, 53, afirmou que “não faz sentido olhar só para os EUA ou só para a UE; precisamos do equilíbrio que Trzaskowski oferece”. Já a aposentada Maria Luczyńska, 73, declarou-se emocionada: “Saio com olhos lacrimejados, porque decido o futuro da minha filha e dos meus netos”.

Pesquisas qualitativas apontaram que, embora o eleitorado rural e mais velho continue majoritariamente alinhado a Nawrocki, a massa de jovens urbanos (que em 2023 criou filas intermináveis nas seções de voto) pode se tornar decisiva para Trzaskowski. A expectativa de analistas é de que essa euforia juvenil possa romper a tradicional vantagem do PiS em áreas menos povoadas. A polarização emocional, somada ao receio de retrocessos nos direitos civis e à preocupação com a guerra na Ucrânia, criou um cenário de tensão nas últimas semanas, com mercados financeiros reagindo a cada variação nas pesquisas.

Cenários e Possíveis Desdobramentos

1. Vitória de Rafał Trzaskowski

  • Reaproximação com a UE: Liberação rápida de fundos, retomada de investimentos, e reforço de reformas judiciais.
  • Fortalecimento do Estado de Direito: Veto a projetos que visem recriar as estruturas de controle político sobre o Judiciário implantadas pelo PiS.
  • Apoio à Ucrânia: Maior engajamento diplomático para acelerar o ingresso de Kiev na OTAN e na UE, intensificação de ajuda militar e humanitária.
  • Tensão Interna: Resistência de parlamentares PiS impede avanço automático de algumas medidas legislativas, mas o presidente pode usar vetos para frear retrocessos autoritários.

2. Vitória de Karol Nawrocki

  • Congelamento ou Renegociação com a UE: Atraso no desembolso de verbas de reconstrução e possível retórica de “chantagem europeia”, com exigências adicionais para desbloqueá-las.
  • Preservação da Estrutura Judiciária PiS: Uso do veto para barrar leis que revertam a influência política no Judiciário, mantendo o status quo que gerou atritos com Bruxelas.
  • Apoio Condicionado à Ucrânia: Mantém auxílio imediato a refugiados, mas atrasa adesão de Kiev à OTAN, enfatizando revisões históricas que Putin usaria para desgastar Kiev.
  • Reações Sociais: Protestos e manifestações em grandes centros urbanos contra retrocessos nos direitos sociais, gerando ambiente de delicada “coabitação conflituosa” entre Executivo e Legislativo.

Considerações Finais

A eleição presidencial de 2025 na Polônia cristaliza o choque de paradigmas entre um país que, após décadas de transição democrática, tenta consolidar valores liberais e pró-europeus, e correntes que clamam por reafirmação da soberania nacional e dos valores católicos tradicionais. Independentemente do vencedor, a coabitação entre Presidência e Sejm promete um jogo de vetos e contraposições que deverá se estender até as eleições parlamentares de 2027.

Enquanto jovens urbanos depositam esperanças na continuidade de reformas e na visão europeísta de Trzaskowski, parcelas consideráveis da população — sobretudo em regiões rurais e pequenas cidades — acreditam que Nawrocki era a expressão mais genuína da “Polônia real” que insiste em resistir à influência estrangeira. Nesse contexto, cada voto, cada mobilização e cada discurso carregou a convicção de que, muito mais do que uma disputa de nomes, a eleição representou um referendo sobre o futuro geopolítico, social e cultural do país. Com resultados finais esperados para a manhã de segunda-feira, 2 de junho, nem a vitória de um lado nem do outro dissipará imediatamente as tensões; o próximo mandato, seja de Trzaskowski ou de Nawrocki, desafiará a capacidade de conciliação de um país que, ao longo das últimas décadas, aprendeu a valorizar sua liberdade, mas ainda se divide sobre o melhor caminho para alcançá-la. Esse resultado terá repercussões não apenas em Varsóvia, mas reverberará em Bruxelas, Kiev, Washington e Moscou, moldando o mapa de alianças e tensões que definirão o Leste Europeu pelos próximos anos.

Veja também: Eleição Presidencial na Polônia: Teste ao Caminho Europeísta de Tusk

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