
Centenas de tunisianos saíram às ruas nesta quarta-feira (9) em duas manifestações distintas contra o presidente Kais Saied, acusando-o de instaurar um regime autoritário e exigindo a libertação de presos políticos. Paralelamente, seis figuras da oposição iniciaram uma greve de fome em protesto contra o que consideram um julgamento injusto, intensificando ainda mais a crise política no país norte-africano.
Concentração de poder e repressão
Desde 2021, Saied vem ampliando seus poderes de forma controversa: dissolveu o Parlamento eleito, passou a governar por decreto e assumiu controle do Judiciário — medidas que, segundo a oposição, caracterizam um golpe de Estado. O presidente nega as acusações e afirma estar combatendo a corrupção e restaurando a ordem no país.
A repressão política ganhou força em 2023, quando dezenas de opositores, jornalistas e ativistas foram presos sob acusações de conspiração. Entre os detidos estão lideranças de partidos importantes, como Abir Moussi, do Partido Livre Constitucional, e Rached Ghannouchi, chefe do Ennahda, principal movimento islâmico do país.
Nesta quarta-feira, apoiadores do Partido Livre Constitucional realizaram um protesto em Túnis exigindo a libertação de Moussi. Gritavam frases como “Saied, ditador, sua hora vai chegar” e “Libertem Abir”. Em outro ponto da capital, militantes da Frente de Salvação organizaram uma manifestação similar pedindo a libertação de políticos, jornalistas e ativistas presos.
Greve de fome contra julgamento
Seis figuras proeminentes da oposição — Abdelhamid Jelassi, Jawhar Ben Mbarek, Khiyam Turki, Ridha Belhaj, Issam Chebbi e Ghazi Chaouachi — iniciaram uma greve de fome na prisão. Eles se recusam a participar do julgamento, que classificam como uma farsa. Todos foram presos em 2023, durante uma operação repressiva do governo.
Os advogados dos detidos afirmam que o processo viola os princípios básicos de justiça. Já o presidente Saied declarou no ano passado que os opositores presos são “traidores e terroristas”, e criticou juízes que os absolveram, classificando-os como cúmplices.
Primavera Árabe: de esperança à frustração
A atual crise política na Tunísia contrasta fortemente com o espírito de esperança que marcou a revolução de 2011, quando o país protagonizou a Primavera Árabe. Os protestos populares levaram à queda do então presidente Zine El Abidine Ben Ali, que governava há 23 anos, e abriram caminho para a construção de uma democracia considerada promissora na região.
Nos anos seguintes, a Tunísia adotou uma nova constituição, realizou eleições livres e foi vista como um modelo de transição democrática no mundo árabe. No entanto, o cenário atual revela um retrocesso. Para muitos tunisianos, o país vive hoje uma regressão autoritária.
Críticas internacionais e denúncias de violações
Organizações de direitos humanos vêm alertando para o colapso das liberdades democráticas no país. Em relatório recente, a Human Rights Watch afirmou que “o governo tunisiano está sistematicamente desmantelando as instituições democráticas construídas após a revolução”. A Anistia Internacional também denunciou o uso do Judiciário para perseguir opositores e silenciar críticos.
A União Europeia expressou preocupação com a deterioração do Estado de Direito na Tunísia, enquanto a ONU pediu garantias de que os direitos dos detidos políticos sejam respeitados.
Repercussão regional e internacional
A crise tunisiana não é apenas um assunto doméstico. A instabilidade política em um dos poucos países do Norte da África que havia avançado democraticamente após a Primavera Árabe levanta preocupações regionais e internacionais. A Tunísia é parceira estratégica da União Europeia no combate à migração irregular e ao extremismo, especialmente para países como França e Itália.
Além disso, a concentração de poder por parte de Saied pode influenciar tendências autoritárias em outros países da região, onde a democracia ainda é frágil. Especialistas alertam que o retrocesso democrático tunisiano pode desencorajar movimentos democráticos em outras nações do mundo árabe.


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