Corrida pela Regulação: Como a Ásia Responde ao Avanço das Stablecoins e à Influência Americana

Moedas digitais douradas flutuando sobre as bandeiras da Coreia do Sul, China, Malásia, Tailândia e Filipinas, representando a regulação das stablecoins na Ásia.
Stablecoins e moedas digitais ganham espaço na Ásia, onde países buscam fortalecer suas regulações diante da crescente influência americana.

Nos últimos anos, o mercado de criptomoedas tem crescido de forma acelerada, e as stablecoins — tokens digitais lastreados em moedas fiduciárias, principalmente o dólar americano — ganharam protagonismo como instrumentos de liquidez, remessas e reserva de valor. Na Ásia, um conjunto diverso de economias está acelerando a criação de marcos regulatórios específicos para essas moedas digitais, motivado pela necessidade de preservar a soberania monetária, mitigar riscos de fuga de capitais e enfrentar o impacto das políticas pró-cripto dos Estados Unidos sob a nova administração de Donald Trump.

Panorama Regulatório Atual na Ásia

Hong Kong: licença obrigatória para emissoras de stablecoins

Em 1º de agosto de 2025 entrou em vigor a Stablecoins Ordinance (Cap. 656) em Hong Kong, que obriga qualquer pessoa a obter licença do Hong Kong Monetary Authority (HKMA) para emitir ou promover stablecoins regulamentadas na jurisdição.

Coreia do Sul: mercado ativo e interesse institucional

Na Coreia do Sul, transações com stablecoins atreladas ao dólar (USDT, USDC e USDS) alcançaram 57 trilhões de won (~ US$ 41 bi) no 1º trimestre de 2025, segundo o Banco da Coreia via agência Yonhap. A expectativa de adoção cresceu após bancos digitais e empresas como KakaoPay anunciarem planos de emissão de tokens locais.

Malásia, Tailândia e Filipinas: urgência regulatória

Autoridades destes países têm lançado consultas e projetos de lei para:

  • Definir requisitos mínimos de lastro e auditoria.
  • Limitar o tamanho e a circulação de stablecoins privadas.
  • Integrar regimes AML/CFT mais rígidos para transações de alto valor.

Impactos Sociais e Econômicos Locais

A circulação crescente de stablecoins tem efeitos tangíveis em economias emergentes como as Filipinas e a Malásia, que enfrentam desafios específicos no controle cambial e estabilidade financeira.

  • Nas Filipinas, onde grande parte da economia depende de remessas internacionais, o uso de stablecoins para transferências rápidas e baratas tem crescido. Contudo, isso pode dificultar a atuação do Banco Central nas intervenções cambiais e aumentar a volatilidade do peso filipino. O economista local, Dr. Renato Estrella, alerta que “a proliferação não regulamentada de stablecoins pode desestabilizar o mercado de câmbio e enfraquecer a política monetária do país, que já lida com pressões inflacionárias.”
  • Na Malásia, a circulação de stablecoins pode provocar o que especialistas chamam de “desintermediação financeira”, ou seja, a diminuição do papel dos bancos na intermediação de recursos. Isso pode impactar o crédito para pequenas empresas e enfraquecer os mecanismos tradicionais de controle econômico, além de criar vulnerabilidades para fraudes e lavagem de dinheiro, conforme destaca um relatório recente do Banco Negara Malaysia.

Esses exemplos demonstram a complexidade que as stablecoins trazem para economias que ainda estão construindo seus sistemas financeiros digitais de forma segura e eficiente.

Geopolítica Monetária e a Influência dos EUA

A adoção em massa de stablecoins lastreadas no dólar americano funciona como um vetor de poder suave dos EUA, estendendo o alcance do dólar mesmo em economias com moeda local. Em janeiro, o governo Trump incluiu as stablecoins como prioridade em uma ordem executiva, e em julho de 2025 aprovou o Genius Act, exigindo reservas 1:1 em dólares ou títulos do Tesouro para emissores norte-americanos.

Esse ambiente mais permissivo nos EUA estimula o uso global das stablecoins, gerando preocupações de:

  • Subtração de controle cambial: bancos centrais perdem eficiência ao gerir política monetária.
  • Riscos sistêmicos: movimentações anônimas e rápidas de capitais podem agravar crises financeiras locais.
  • Pressão competitiva: plataformas regionais buscam desenvolver tokens lastreados em moedas asiáticas para contrabalançar o dólar.

O Papel da China: Gigante em CBDCs e Influência Regional

Embora a China não permita o funcionamento de stablecoins privadas em seu território — tendo banido a mineração e o comércio de criptomoedas — o país é um líder global no desenvolvimento e implementação de Moeda Digital do Banco Central (CBDC), o e-CNY (yuan digital).

O Banco Popular da China (PBoC) já distribuiu mais de US$ 80 bilhões em yuan digital por meio de projetos-piloto em mais de 20 cidades, integrando pagamentos do varejo a sistemas governamentais. A China também tem promovido a interoperabilidade regional do yuan digital em países da Ásia e da Belt and Road Initiative (BRI), fortalecendo sua influência geopolítica por meio de sua moeda digital.

Segundo Fan Yifei, vice-governador do PBoC, “a inovação em moeda digital é uma extensão natural da política monetária e um instrumento para promover a internacionalização do yuan, especialmente diante dos desafios impostos pela hegemonia do dólar americano.”

A estratégia chinesa serve tanto para limitar o espaço das stablecoins privadas quanto para oferecer uma alternativa estatal robusta, potencialmente moldando a arquitetura financeira da Ásia no século XXI.

Respostas Asiáticas: Regulação vs. Moedas Digitais Estatais (CBDCs)

Fortalecimento regulatório

Além das licenças em Hong Kong e dos projetos em Singapura e Malásia, diversos reguladores asiáticos criaram:

  • Limites de emissão por entidade.
  • Requisitos de disclosure mensais sobre composição de reservas.
  • Sanções para emissões não registradas.

A corrida pelos CBDCs

Para recuperar o controle monetário e cortar intermediários, muitos países aceleram seus programas de Moeda Digital de Banco Central (CBDC):

  • China: liderança global com extensa adoção do yuan digital.
  • Tailândia, Malásia e Hong Kong: projetos conjuntos para interoperabilidade regional.
  • Filipinas: testes da “e-Peso” para pagamentos governamentais.

O CBDC Tracker do Atlantic Council mostra que 72 países estão em fase avançada de exploração ou piloto de CBDC, incluindo quase todos os grandes mercados asiáticos.

Implicações e Cenários Futuros

  1. Regulação rígida e supervisão para stablecoins privadas.
  2. Adoção massiva de CBDCs para assegurar soberania monetária.
  3. Integração regional para facilitar pagamentos digitais transfronteiriços.

Conclusão

A Ásia está na vanguarda de uma transição crucial no sistema financeiro global. A combinação de pressão americana pró-stablecoin, preocupações com fuga de capitais e a busca por soberania monetária coloca a região em uma corrida simultânea de regulamentação e inovação estatais. O equilíbrio entre estímulo à tecnologia e preservação do controle econômico será decisivo para o futuro dos fluxos financeiros internacionais.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*