
O Reino Unido e a União Europeia assinaram nesta segunda-feira (12) um amplo acordo de cooperação estratégica que redefine seus laços em áreas sensíveis como defesa, comércio agroalimentar, mobilidade e pesca. Trata-se do avanço mais significativo nas relações bilaterais desde a efetivação do Brexit, em 2020, com ambos os lados descrevendo o momento como o início de uma “nova era” de pragmatismo e reconstrução.
A medida ocorre em meio a um cenário internacional marcado por instabilidade — incluindo a guerra na Ucrânia, a crescente assertividade da China e a retomada de discursos isolacionistas nos EUA — o que levou Londres e Bruxelas a buscarem maior convergência estratégica, mesmo fora da moldura da União Europeia.
Contexto Político e Histórico
Desde o referendo de 2016 que aprovou a saída do Reino Unido da UE, os laços entre as partes passaram por um período de turbulência, marcado por disputas comerciais, impasses sobre a fronteira na Irlanda e desconfiança política mútua. O atual primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, eleito em julho de 2024 com ampla maioria pelo Partido Trabalhista, prometeu “restaurar a confiança com aliados europeus” sem revogar o Brexit — o que resultou numa reaproximação cuidadosamente calibrada.
O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2025 também exerceu influência indireta. Com a expectativa de menor compromisso americano com a OTAN e com alianças tradicionais, a União Europeia vem acelerando esforços de autonomia estratégica. Isso ampliou o espaço para reintegrar o Reino Unido em áreas como defesa, nas quais Londres ainda exerce papel central.
Principais Pontos do Acordo
O pacote acordado engloba cinco áreas prioritárias, com cláusulas de revisão periódica e metas de médio prazo:
Área | Principais Medidas |
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Defesa e Segurança | Inclusão britânica em programas de aquisição conjunta de armamentos, com acesso a fundos do plano europeu de €150 bilhões até 2030. |
Comércio Agroalimentar | Redução de barreiras sanitárias e aduaneiras, com alinhamento voluntário a normas europeias de qualidade e rastreabilidade. |
Mobilidade e Turismo | Acesso de cidadãos britânicos a e‑gates em aeroportos do bloco e simplificação de vistos de curta duração. |
Pesca | Acordo de 12 anos para acesso recíproco às águas territoriais, com cotas estabelecidas anualmente. |
Educação e Juventude | Lançamento de novo programa bilateral de intercâmbio juvenil; negociações futuras sobre reintegração ao Erasmus. |
Reações e Impacto Econômico
Estudos preliminares da London School of Economics indicam que o acordo poderá gerar até £9 bilhões (cerca de US$ 11,5 bilhões) para o Reino Unido até 2040, com destaque para a redução de custos logísticos e estímulo ao setor agrícola.
Em Bruxelas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, classificou o pacto como “um modelo de cooperação flexível para parceiros que compartilham valores e interesses estratégicos”. No setor privado, empresas como Rolls‑Royce e BAE Systems saudaram o acordo como uma oportunidade para ampliar sua participação em consórcios europeus de defesa, inclusive no desenvolvimento de sistemas aéreos não tripulados e mísseis hipersônicos.
Agricultura e Mobilidade: Alívio para Produtores e Turistas
Um dos pontos mais celebrados pelo setor empresarial britânico foi a redução da burocracia na exportação de produtos agroalimentares — que desde o Brexit enfrentavam demoras nos portos, perdas de carga e aumento de custos.
“O reconhecimento mútuo de padrões sanitários representa um avanço crucial para nossos exportadores”, declarou Minette Batters, ex-presidente da União Nacional de Agricultores do Reino Unido.
Outro ponto sensível resolvido foi o acesso de britânicos a portões automatizados (e‑gates) nos aeroportos europeus, que deve agilizar significativamente os fluxos turísticos e de negócios. O turismo entre o Reino Unido e países da UE já se recuperava em 2024, e a medida tende a ampliar essa tendência em 2025.
Defesa Europeia: Inclusão Estratégica
Com a guerra na Ucrânia ainda em curso e incertezas sobre o comprometimento americano com a OTAN, o acordo reforça a importância de uma arquitetura de segurança europeia robusta. O Reino Unido — potência nuclear e maior força militar convencional da Europa Ocidental — poderá agora participar de projetos-chave da Agência Europeia de Defesa, incluindo:
- Aquisições conjuntas de drones e munições guiadas;
- Iniciativas de cibersegurança e inteligência artificial militar;
- Programas de interoperabilidade entre sistemas de defesa nacionais.
Segundo o analista Nick Witney, do think tank ECFR, “este é o passo mais ambicioso já dado em direção a uma verdadeira capacidade europeia de dissuasão, com o Reino Unido readmitido como parceiro privilegiado”.
Obstáculos Políticos e Futuras Negociações
Apesar do tom positivo, o acordo não está isento de resistências:
- Nigel Farage e outras figuras da ala dura pró-Brexit acusaram o governo de “reverter silenciosamente” conquistas da soberania nacional.
- A reintegração plena ao programa Erasmus+ ainda enfrenta obstáculos técnicos e políticos — embora negociações estejam em andamento para permitir o retorno em 2026.
- Questões relacionadas à jurisdição do Tribunal de Justiça da UE e à Irlanda do Norte seguem fora do escopo do pacto atual.
Segundo diplomatas europeus, o acordo é intencionalmente modular e poderá ser expandido nos próximos dois anos, desde que haja compromissos firmes de implementação e estabilidade política no Reino Unido.
Conclusão
Mais do que uma reconciliação simbólica, o novo acordo marca uma inflexão estratégica no relacionamento entre Reino Unido e União Europeia. Ao privilegiar interesses concretos sobre ideologias, ambos os lados sinalizam disposição para reconstruir vínculos danificados por quase uma década de desconfiança.
Num mundo cada vez mais volátil — e com os pilares do multilateralismo sob ameaça —, a aproximação entre Londres e Bruxelas pode servir como modelo para parcerias flexíveis, ancoradas na realpolitik e na necessidade urgente de resiliência coletiva.
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