
Em um cenário global cada vez mais definido pela competição tecnológica, instabilidade climática e tensões geopolíticas, o Indo-Pacífico consolidou-se como a região mais estratégica do século XXI. Anteriormente, já analisamos este tema sob a ótica da diplomacia em rede no artigo “A Redescoberta do Indo-Pacífico: Como o Reino Unido Pode Usar Suas Alianças e Redes para Maior Impacto Global”, e agora ampliamos essa reflexão com foco nas implicações práticas de uma política externa britânica mais ativa e coordenada na região.
Para o Reino Unido — potência global em busca de relevância após o Brexit e diante da crescente imprevisibilidade dos Estados Unidos — o Indo-Pacífico não é apenas uma oportunidade: é uma necessidade estratégica.
O Indo-Pacífico Como Centro de Gravidade Geopolítica
O Indo-Pacífico é uma macro-região que abrange o Oceano Índico, Sudeste Asiático, Extremo Oriente e Oceania. É lar de potências emergentes, democracias tecnológicas e pontos críticos de tensão como o Estreito de Taiwan e o Mar do Sul da China. Juntos, seus países respondem por mais de 50% do crescimento projetado do PIB global até 2050, segundo dados da OCDE.
Para o Reino Unido, essa região é central em três eixos estratégicos:
- Segurança internacional
- Prosperidade econômica
- Transição energética e climática
Segurança Regional: Resiliência Coletiva, Não Contenção
A ascensão da China como potência assertiva continua sendo uma preocupação comum entre países do Indo-Pacífico. No entanto, conter Pequim diretamente está fora do alcance britânico. O caminho mais eficaz é reforçar a resiliência regional por meio de alianças e normas multilaterais.
Isso inclui:
- Reforço do pacto AUKUS (Reino Unido, EUA, Austrália), com foco em interoperabilidade militar e cooperação tecnológica;
- Participação em exercícios navais conjuntos, como o RIMPAC 2024, do qual o Reino Unido foi um dos principais participantes não-Pacífico;
- Apoio a capacitação de defesa em países do Sudeste Asiático, sobretudo em segurança cibernética e proteção marítima.
Economia: CPTPP e Integração Estratégica
O Reino Unido formalizou sua entrada no CPTPP (Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica) em dezembro de 2024. Com isso, tornou-se o primeiro país europeu a integrar o bloco, ao lado de economias como Japão, Austrália, Vietnã e Malásia.
Contudo, a adesão não é um ponto final — é um ponto de partida. Para que o setor privado britânico se beneficie de verdade, o governo precisa:
- Lançar pacotes de apoio técnico às empresas para adaptação regulatória;
- Negociar acordos de facilitação digital e proteção de dados com países membros;
- Liderar propostas de governança sustentável no comércio regional, especialmente em cadeias limpas de suprimentos (clean supply chains).
Além disso, o Reino Unido pode se posicionar como ponte entre o CPTPP e a União Europeia, facilitando diálogo normativo em áreas como IA, agricultura sustentável e comércio digital.
Clima: Parcerias Verdes Como Ferramentas Geoestratégicas
A região do Indo-Pacífico concentra tanto vulnerabilidades climáticas extremas quanto enormes potenciais de inovação energética. Países como Filipinas, Bangladesh e Ilhas do Pacífico enfrentam ameaças existenciais com a elevação do nível do mar. Outros, como Indonésia e Vietnã, estão em momentos decisivos de transição energética.
O Reino Unido já é signatário de JETPs (Just Energy Transition Partnerships) com Vietnã e Indonésia, e expandiu em julho de 2025 um memorando com a Coreia do Sul sobre tecnologias de hidrogênio verde.
Para ter impacto real, Londres deve:
- Expandir a atuação do UK Export Finance (UKEF) para projetos verdes na região;
- Criar centros regionais de cooperação climática junto à Commonwealth no Pacífico;
- Promover normas ambientais comuns junto à ASEAN, com foco em infraestrutura sustentável.
Inovação e Tecnologia: Diplomacia Digital no Século XXI
Com disputas globais em torno de semicondutores, IA e cibersegurança, o Indo-Pacífico tornou-se palco da nova geopolítica tecnológica. Países como Japão, Coreia do Sul e Singapura lideram em inovação e segurança digital — áreas de alta convergência com as capacidades britânicas.
O Reino Unido pode avançar ao:
- Firmar acordos bilaterais de inovação regulatória com potências asiáticas;
- Criar mecanismos de cofinanciamento de P&D em inteligência artificial confiável (trustworthy AI);
- Estimular a construção de infraestruturas digitais resilientes, protegidas de interferência externa.
O Reino Unido e o Japão têm demonstrado um compromisso contínuo com a colaboração em inteligência artificial, conforme evidenciado pelo Open Dialogue for Trustworthy AI Testing, realizado em 9 de julho de 2025, e pelo UK-Japan Digital Partnership Joint Statement, publicado em janeiro de 2025, que destaca a intenção de ambos os países de desenvolver normas internacionais para promover o desenvolvimento seguro e confiável de modelos de IA avançados
Alinhamento Europeu: Sinergia, Não Competição
Após o Brexit, o Reino Unido redefiniu suas alianças europeias, mas no Indo-Pacífico elas permanecem como multiplicadores estratégicos. França e Alemanha têm políticas ativas para a região — com presença naval, acordos climáticos e missões diplomáticas ampliadas.
Para maximizar impacto, o Reino Unido pode:
- Coordenar patrulhas marítimas com aliados europeus em áreas sensíveis como o Mar do Sul da China;
- Lançar fundos trilaterais de investimento verde junto à União Europeia;
- Estabelecer plataformas conjuntas de inovação em IA, cibersegurança e computação quântica.
Potências Médias: A Nova Arquitetura da Ordem Global
As potências médias — como Indonésia, Vietnã, Bangladesh e Filipinas — são hoje atores-chave na formação de uma ordem multipolar equilibrada. Elas valorizam previsibilidade comercial, estabilidade regional e autonomia estratégica.
Ao adotar uma abordagem baseada em escuta e construção conjunta, o Reino Unido pode se diferenciar das grandes potências e consolidar relações duradouras em desenvolvimento sustentável, educação técnica, segurança digital e diplomacia climática.
Desafios Domésticos: O Calcanhar de Aquiles da Estratégia
Apesar das iniciativas externas promissoras, o Reino Unido enfrenta obstáculos internos que dificultam a implementação de uma política indo-pacífica eficaz:
- Restrições orçamentárias que limitaram missões diplomáticas e capacidades navais;
- Inconsistência política com mudanças de governo e prioridades flutuantes;
- Baixo engajamento público, com pouca compreensão da importância estratégica do Indo-Pacífico.
Superar esses entraves exige uma estratégia robusta de comunicação, reconstrução institucional e educação pública sobre geopolítica asiática.
Conclusão: De “Inclinação” à Integração Estratégica
A “inclinação ao Indo-Pacífico” anunciada em 2021 foi um gesto simbólico importante, mas insuficiente. Em 2025, a região não é mais uma opção — é um imperativo estratégico.
O Reino Unido precisa de uma política integrada que conecte segurança, inovação, clima e comércio com visão de longo prazo. Mais do que buscar influência, trata-se de construir relevância legítima, ancorada em alianças sólidas e cooperação mútua.
O Indo-Pacífico não é apenas uma prioridade geográfica. É o espaço onde se definirá o futuro da ordem internacional — e o próprio papel global do Reino Unido.
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