
O Congresso Nacional brasileiro está no centro de um debate que pode marcar uma transformação sem precedentes na política monetária do país: a criação de uma reserva estratégica de Bitcoin (BTC). A proposta, formalizada pelo Projeto de Lei PL 4.501/2024, visa diversificar os ativos do Tesouro Nacional em resposta às crescentes tensões geopolíticas e à desdolarização das reservas internacionais.
Até então vista como utópica, a iniciativa reflete uma mudança de mentalidade entre os formuladores de política, especialmente em contexto de instabilidade cambial, sanções internacionais e avanços tecnológicos no sistema financeiro global.
O Que Está Sendo Proposto?
O texto do PL 4.501/2024 prevê que o Brasil destine entre 1% e até 5% de suas reservas internacionais — hoje em cerca de US$ 370 bilhões — para a compra de Bitcoin, formando um colchão digital de segurança estratégica. A gestão caberia ao Banco Central do Brasil (BCB), com regras rígidas de:
- Custódia: combinação de cold storage institucional e parcerias com custodiante auditado;
- Transparência: publicação mensal de dashboard público;
- Auditoria: Tribunal de Contas da União (TCU) e auditorias independentes.
O projeto tramita na Câmara dos Deputados e terá sua primeira audiência pública em 20 de agosto de 2025, em Plenário 5 do Anexo II, com participação de deputados, técnicos do BCB, especialistas em cripto e representantes da indústria financeira.
Cenário Global: Quem Já Fez Isso?
O Brasil acompanha países que buscam reduzir a dependência do dólar como reserva, entre eles Rússia, Irã, Venezuela e Emirados Árabes. A Argentina já fechou acordos bilaterais de comércio em BTC com empresas chinesas.
Mas o caso mais emblemático é El Salvador, primeiro país do mundo a adotar o Bitcoin como moeda de curso legal em 2021. O governo salvadorenho também passou a comprar BTC para sua reserva soberana e lançou os chamados “volcano bonds”, títulos tokenizados atrelados à construção de infraestrutura energética e mineração de Bitcoin com energia geotérmica.
Nos Estados Unidos, embora o governo federal não mantenha BTC em reservas, várias instituições públicas e fundos de previdência estaduais têm exposição indireta por meio de ETFs e derivativos regulados.
No âmbito do BRICS+, discute-se criação de moeda comum lastreada em commodities e ativos digitais, e o Brasil pode assumir protagonismo ao legislar uma reserva soberana em criptoativos.
Potenciais Benefícios
- Blindagem Geopolítica: diminuição de riscos de bloqueio de ativos por sanções, como ocorreu com a Rússia em 2022 e o Irã em 2023.
- Hedge contra inflação: escassez programada de 21 milhões de BTC tende a valorizar o ativo em médio-longo prazo.
- Avanço tecnológico: consolida o Brasil como polo de inovação, após projetos como o Real digital (Drex) e o Pix.
- Tokenização de ativos públicos: abre caminho para emissão de títulos via blockchain e novos instrumentos financeiros.
Riscos e Críticas
- Volatilidade elevada: oscilações diárias podem ultrapassar 10%, impactando valor da reserva.
- Governança descentralizada: falta de mecanismo de controle monetário pode gerar perdas irreparáveis.
- Imagem pública: associação ao “mercado especulativo” pode gerar resistências políticas.
- Segurança cibernética: custódia de bilhões em cripto exige infraestrutura antifraude de nível militar.
O Que Dizem os Especialistas?
“É uma proposta ousada, mas alinhada com a tendência global. Se o Brasil executar com rigor, pode liderar um novo capítulo na política monetária.” — Marcela Duarte, economista-chefe da Blockchain Institute Brasil
“Reservas devem primar pela estabilidade. O Bitcoin ainda não oferece previsibilidade necessária.” — Carlos F. Barreto, ex-diretor do Banco Central
Implicações para o Cidadão Comum
Caso o projeto seja aprovado, alguns efeitos potenciais para a população incluem:
- Estabilização cambial a longo prazo, com menor dependência do dólar em tempos de crise;
- Possível pressão por juros menores caso a reserva digital reduza riscos externos;
- Fomento à economia digital, com atração de startups cripto, hubs de blockchain e novos empregos em tecnologia;
- Maior participação do Brasil em cadeias globais de inovação financeira.
Papel do Drex
O Drex, moeda digital oficial do Banco Central, está em fase de testes e não compete diretamente com o Bitcoin. Pelo contrário, ele pode funcionar em sinergia como infraestrutura nacional para liquidações digitais, tokenização de ativos e programas de governo digital. A existência do Drex fortalece o ecossistema institucional e poderia facilitar a integração de uma reserva soberana de Bitcoin ao arcabouço jurídico brasileiro.
Estrutura Proposta
Elemento | Detalhe |
---|---|
Percentual | 1% a 5% das reservas |
Operação | Swap cambial ou saldo comercial |
Custódia | Cold storage + custódia auditada |
Auditoria | TCU + auditores independentes |
Transparência | Dashboard público mensal |
Finalidade | Reserva estratégica e hedge |
Opinião Pública
Recentes pesquisas indicam que 61% dos brasileiros entre 18 e 40 anos apoiam a criação de uma reserva em Bitcoin, enquanto 38% são contrários, principalmente por receio de instabilidade. 79% concordam que o país deve reduzir dependência do dólar (dados do Instituto DataFoco, julho de 2025).
Próximos Passos
- 20/08/2025: audiência pública na Câmara dos Deputados;
- Debates e emendas na CAE e CCT;
- Votação em Plenário;
- Sanção presidencial.
Esses passos serão decisivos para definir se o Brasil dará um salto inédito rumo a uma nova era de soberania financeira digital, posicionando-se como líder entre as economias emergentes num sistema global cada vez mais multipolar e tokenizado.
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