
Em junho de 2025, a Comissão Europeia apresentou um ambicioso programa para criar um sistema estratégico de reservas de minerais críticos — notadamente terras raras — capaz de garantir pelo menos um ano de abastecimento às indústrias do bloco em caso de rupturas nas cadeias globais de suprimentos. A iniciativa, ancorada no Critical Raw Materials Act (CRMA), que recebeu aprovação final do Parlamento em dezembro de 2023 e do Conselho em março de 2024, define metas obrigatórias para 2030: extrair 10 % do consumo interno, processar 40 % e reciclar 25 % dessas matérias‑primas, mantendo a dependência de nenhum país não‑europeu acima de 65 % da demanda. Inspirando‑se em modelos de reserva já existentes para petróleo e gás, o comissário europeu para Estratégia Industrial, Stéphane Séjourné, defendeu em 23 de junho a criação de estoques conjuntos de elementos de terras raras, em resposta às restrições chinesas de exportação impostas em abril de 2025, e anunciou novos procedimentos de licitação para diversificar fornecedores ainda este ano.
Contexto e dependência externa
A União Europeia importa quase a totalidade de vários minerais críticos: 97 % do magnésio, 100 % de certos elementos de terras raras e mais de 60 % do cobalto vêm de fornecedores externos, sobretudo China e República Democrática do Congo. Durante a pandemia de Covid‑19 e os conflitos na Ucrânia e na região dos Grandes Lagos, houve aumentos abruptos de preços e atrasos logísticos que expuseram a fragilidade dessa dependência.
Justificativa geopolítica
Num cenário de rivalidades entre grandes potências, o acesso privilegiado a matérias‑primas tornou‑se fator de poder. Enquanto a China controla cerca de 80 % do refino de terras raras, Moscou tem buscado contrapartidas por seus próprios recursos — uma dinâmica que levou a UE a priorizar a segurança de seus insumos críticos, reconhecendo-os como elementos-chave de sua autonomia industrial e de defesa.
Arcabouço regulatório: Critical Raw Materials Act
O CRMA estabelece:
- Extração interna de pelo menos 10 % do consumo de minerais críticos até 2030.
- Processamento local de 40 % desse volume.
- Reciclagem de 25 % da demanda no mesmo prazo.
- Limite de dependência: nenhum país terceiro fornecerá mais de 65 % de um único recurso.
Ele também prevê relatórios anuais de risco de desabastecimento e autoriza fundos comunitários para projetos estratégicos de mineração e refino.
Fonte de financiamento
O programa será financiado por um mix de recursos:
- Orçamento comunitário: alocação de até € 3 bilhões via Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR).
- Banco Europeu de Investimento (BEI): linhas de crédito a juros reduzidos para projetos de mineração e refino sustentáveis.
- Parcerias público-privadas: cofinanciamento de empresas-chave, com garantias da Comissão para reduzir o custo de capital.
Citação de números do mercado global
- A China detém cerca de 85 % da capacidade global de refino de terras raras, segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA).
- A demanda mundial por lítio deve quintuplicar até 2030, passando de 300 kt em 2020 para 1.500 kt, impulsionada por veículos elétricos e armazenamento de energia.
- O mercado de cobalto projeta um crescimento médio anual de 10 % até 2030, influenciado pelo setor de baterias e pela indústria aeroespacial.
Nome oficial do mecanismo
O sistema de estoques foi oficialmente batizado de Mecanismo Europeu de Reservas de Matérias‑Primas Críticas (ERMPC). Este nome provisório reflete o caráter piloto do programa, cujo regulamento final pode consolidar ajuste de sigla e termos após consulta parlamentar.
Mecanismos de reserva e compras agregadas
O ERMPC centralizará pedidos de PMEs e grandes indústrias por meio de leilões públicos de aquisição antecipada de estoques. Esse modelo de compras agregadas aumenta o poder de negociação, reduz variabilidade de preços e assegura volumes mínimos em situações de crise.
Diversificação e projetos externos
Em junho de 2025, a Comissão aprovou investimentos de cerca de € 5,5 bilhões em 13 projetos de extração e refino fora do bloco, em países como Canadá, Malásia, Austrália e Groenlândia. Cada contrato inclui cláusulas de transferência de tecnologia e salvaguardas socioambientais rígidas, garantindo que nenhum parceiro supra mais de 75 % de uma dada commodity.
Perspectivas da indústria
- Críticos: montadoras alemãs (Volkswagen, BMW) alertam para risco de escassez agravada por estoques públicos, que poderiam competir com o mercado aberto e pressionar preços.
- Aliados: empresas químicas (BASF, Johnson Matthey) veem o ERMPC como oportunidade de reduzir a volatilidade e sugerem inclusão de incentivos fiscais para participantes.
Desafios operacionais e ambientais
- Infraestrutura de estocagem: seleção de locais seguros, com controle de umidade e temperatura, e conformidade com normas ambientais.
- Financiamento e hedge: necessidade de instrumentos financeiros de hedge para proteger o orçamento comunitário contra flutuações repentinas.
- Licenciamento local: possíveis resistências sociais e ambientais em áreas próximas a depósitos ou entregas.
Impactos na transição energética e na defesa
Garantir suprimentos estáveis de lítio, níquel e terras raras impulsiona a produção de baterias para veículos elétricos, turbinas eólicas e sistemas de defesa (mísseis guiados, radares). O ERMPC atua como “seguro” estratégico, protegendo projetos verdes e programas militares de interrupções externas.
Recomendações para consolidação
- Governança colaborativa: envolvimento claro de Estados‑membros, Parlamento e setor privado.
- Financiamento público‑privado: linhas de crédito garantidas pela UE para projetos de mineração e refino.
- Pesquisa e inovação: apoio a novas tecnologias de reciclagem e substitutos (“materiais verdes”).
- Parcerias sustentáveis: acordos que combinem acesso a recursos com desenvolvimento socioambiental nos países parceiros.
Conclusão
A criação de reservas estratégicas de minerais críticos através do ERMPC representa um avanço sem precedentes na busca por autonomia europeia. Se bem equilibrado entre segurança de abastecimento, custos operacionais e sustentabilidade, este mecanismo pode colocar a UE na vanguarda da indústria verde e reforçar sua posição geopolítica no século XXI.
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