Síria cria comissões de justiça de transição e para pessoas desaparecidas

Integrante do Hayat Tahrir al-Sham vigia próximo a imagem de Bashar al-Assad na sede da Quarta Divisão em Damasco, Síria.
Membro do grupo rebelde Hayat Tahrir al-Sham faz guarda próximo a uma imagem de Bashar al-Assad na sede da Quarta Divisão em Damasco, em 23 de janeiro de 2025. Foto: Yamam Al Shaar/Reuters

17 de maio de 2025, a Presidência da Síria anunciou a criação de duas comissões institucionais para enfrentar o legado de abusos cometidos durante o regime Assad: a Comissão Nacional de Justiça de Transição e a Comissão Nacional de Pessoas Desaparecidas. Essas iniciativas buscam expor a verdade, responsabilizar autores de crimes e localizar mais de 100.000 cidadãos atualmente dados como desaparecidos, abrindo caminho para reparações e reconciliação nacional.

Contexto do Conflito

Desde 2011, a guerra civil síria envolveu forças governamentais, grupos rebeldes, organizações jihadistas e potências estrangeiras. Estima‑se que mais de 500.000 civis tenham morrido e que 100.000 pessoas estejam desaparecidas ou detidas arbitrariamente. Em maio de 2024, a ofensiva de 11 dias do Hayat Tahrir al‑Sham resultou na deposição de Bashar al‑Assad, instalando Ahmed al‑Sharaa como presidente interino e criando expectativas de prestação de contas pelos crimes do passado.

Comissão Nacional de Justiça de Transição

Mandato e Atribuições

  1. Exposição da Verdade: levantar provas e depoimentos sobre violações de direitos humanos durante o governo Assad.
  2. Responsabilização Criminal: instaurar processos judiciais contra indivíduos com evidências suficientes, incluindo ex‑oficiais de alto escalão.
  3. Reparações: coordenar compensações físicas (assistência médica, reconstrução de propriedades) e morais (reconhecimento público, desculpas oficiais).
  4. Reconciliação Nacional: promover fóruns de diálogo e comissões locais, inspirados em experiências internacionais.

Referências Internacionais

O governo sírio declarou adesão a tratados como a Convenção contra Desaparecimentos Forçados e ao Estatuto de Roma, abrindo espaço para colaboração com a Corte Penal Internacional (CPI), que pode oferecer expertise forense e garantir padrões de imparcialidade na coleta de provas.

Comissão Nacional de Pessoas Desaparecidas

Funções Principais

  • Investigação de Casos: registrar desaparecimentos forçados e realizar buscas ativas.
  • Banco de Dados Unificado: integrar informações de ONGs, familiares e autoridades em uma plataforma online.
  • Apoio às Famílias: fornecer assistência jurídica e apoio psicológico, restabelecendo vínculos familiares.

O Mecanismo Independente de Pessoas Desaparecidas da ONU (IIMP) saudou a medida como “um passo fundamental para acelerar buscas e oferecer respostas às famílias”.

Lições de Outras Comissões de Verdade

  • África do Sul (1995–2002): transparência por meio de audiências públicas e anistias condicionadas a confissões completas.
  • Ruanda (1994–1999): tribunais comunitários Gacaca, que combinaram justiça local com necessidade de rapidez, embora sem garantias processuais plenas.
  • Ex‑Iugoslávia (2001–2005): comissões mistas sob supervisão da ONU, destacando o risco de politização dos procedimentos.

Esses precedentes reforçam a importância de equilibrar verdade, justiça e reconciliação, evitando que processos se tornem meramente punitivos ou simbólicos.

Desafios Operacionais

  1. Acesso a Áreas Conflitivas: regiões ainda controladas por milícias ou contaminadas por minas.
  2. Proteção de Testemunhas: ameaça de retaliações contra denunciantes e familiares.
  3. Validação de Provas: necessidade de equipes forenses móveis e estruturas seguras de custódia de evidências.
  4. Recursos Financeiros: estimados em US$ 50 milhões, com contribuições do governo, ONU e doadores internacionais.

Conclusão

A instalação das comissões de justiça de transição e de pessoas desaparecidas marca um momento histórico na Síria. O sucesso dessas instituições dependerá da transparência, da imparcialidade, da cooperação internacional e do engajamento ativo da sociedade civil. Só assim será possível cumprir o tripé fundamental da justiça transicional: verdade, justiça e reconciliação duradoura.

Atualização

Em sua primeira visita a Damasco, em janeiro de 2025, o Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos, Volker Türk, enfatizou a urgência de um processo de reconciliação que evite a “vingança coletiva” e assegure que “as vítimas vejam justiça efetiva, sem perpetuar ciclos de violência”.

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