Síria Rompe com a Rússia na Impressão de Moeda e Avança em Alianças com Emirados e Europa

Notas de libras sírias em uma casa de câmbio em Azaz, Síria, fevereiro de 2020.
Notas da libra síria expostas em uma casa de câmbio na cidade de Azaz, Síria, em 3 de fevereiro de 2020.REUTERS/Khalil Ashawi/File Photo

Nova estratégia monetária sinaliza realinhamento geopolítico e busca por alívio econômico

A Síria planeja imprimir uma nova moeda nacional nos Emirados Árabes Unidos (EAU) e na Alemanha, encerrando uma década de dependência da Rússia para a produção de cédulas, conforme revelado por fontes próximas ao governo interino de Damasco. A decisão representa uma reorientação estratégica em meio ao afrouxamento parcial das sanções ocidentais e à aproximação crescente com potências do Golfo e da Europa.

Essa iniciativa ocorre paralelamente à assinatura de um acordo inicial de US$ 800 milhões com a empresa portuária DP World, dos Emirados, para desenvolver o porto de Tartus — o primeiro grande contrato econômico desde o anúncio do presidente dos EUA, Donald Trump, sobre a suspensão de sanções financeiras contra a Síria.

Mudança histórica no papel da moeda síria

Um dos aspectos mais simbólicos da nova impressão monetária será a remoção do rosto de Bashar al-Assad de uma das notas púrpuras ainda em circulação. A medida sinaliza uma tentativa do novo governo sírio de romper com a imagem do regime anterior, que entrou em colapso após a fuga de Assad para a Rússia em dezembro do ano anterior.

Durante os 13 anos de guerra civil, o regime havia dependido da Rússia para a impressão da moeda, após o rompimento de contratos com empresas europeias motivado pelas sanções da União Europeia. Com o afrouxamento das sanções europeias em fevereiro de 2025, especialmente no setor financeiro, abriu-se a possibilidade de retomar acordos com empresas ocidentais de impressão monetária.

Fontes sírias confirmaram que a empresa Oumolat, com sede nos Emirados, está em negociações avançadas para assumir parte da produção. Autoridades do Banco Central e do Ministério das Finanças visitaram a companhia neste mês. Na Alemanha, as empresas Giesecke+Devrient e Bundesdruckerei manifestaram interesse, embora a segunda tenha negado oficialmente qualquer envolvimento até o momento.

Escassez de moeda e crise bancária

O país enfrenta uma grave escassez de cédulas, que tem paralisado o setor bancário. Enquanto autoridades alegam que cidadãos estariam “estocando” a moeda em casa, banqueiros acusam o governo de restringir intencionalmente a circulação, numa tentativa de manipular o câmbio e conter a hiperinflação.

Muitos bancos recusam saques, inclusive de empresas, e cidadãos relatam dificuldades para acessar suas economias. Isso ocorre em meio a uma onda de importações baratas, que pressionam o setor produtivo local e agravam o desemprego.

No mercado paralelo, o dólar, que chegou a 15.000 libras sírias durante os últimos meses de Assad, recuou para cerca de 10.000 libras após o anúncio das mudanças no governo e das novas medidas econômicas. Ainda assim, a moeda segue extremamente desvalorizada — em 2011, antes da guerra, um dólar valia apenas 50 libras sírias.

Acordos estratégicos e pressão internacional

A cooperação com os Emirados e a Alemanha representa um realinhamento das prioridades geopolíticas sírias. Embora o novo governo mantenha laços pragmáticos com a Rússia — que continua fornecendo trigo, combustível e dinheiro em espécie —, busca reduzir a influência de Moscou, especialmente nas áreas sensíveis do sistema monetário e da infraestrutura portuária.

Esse movimento ocorre em meio à estratégia da União Europeia de limitar a presença russa no Oriente Médio, em meio à guerra na Ucrânia. A reabilitação parcial da Síria por atores europeus e do Golfo é vista como um instrumento para conter Moscou, enquanto Damasco tenta capitalizar esse reposicionamento para acelerar sua reconstrução.

Perspectivas e desafios

Especialistas alertam que, apesar das mudanças, os desafios estruturais da economia síria permanecem imensos. Segundo o economista sírio radicado na Europa, Layth al-Khatib, “a impressão de moeda fora da Rússia é um passo importante, mas não substitui reformas fiscais, combate à corrupção e reestruturação produtiva.”

A população continua vivendo sob condições precárias. “O banco não me deixa sacar o que tenho guardado há meses. Dizem que é por causa das novas cédulas, mas o mercado não aceita as antigas”, relata Fadia, professora em Homs. Esse relato reflete a frustração generalizada diante de um sistema financeiro estagnado.

Conclusão

A decisão de imprimir uma nova moeda fora da Rússia simboliza uma virada estratégica do novo governo sírio em busca de autonomia econômica e reposicionamento geopolítico. Ao estreitar laços com Emirados Árabes Unidos e Alemanha, Damasco não apenas se afasta da dependência histórica de Moscou, mas também explora as brechas abertas pelo relaxamento das sanções ocidentais, especialmente no setor financeiro.

O afastamento de Bashar al-Assad, refletido na retirada de sua imagem das cédulas, sinaliza uma tentativa de refundar a legitimidade política interna e buscar maior aceitação externa — um movimento que pode agradar tanto ao Golfo quanto a potências europeias, interessadas em reduzir a influência russa no Oriente Médio em meio à guerra na Ucrânia.

Contudo, a situação econômica continua precária. O colapso cambial, a escassez de moeda em circulação e o impacto social de anos de guerra criam um cenário no qual qualquer mudança simbólica só terá efeito se acompanhada de reformas estruturais reais. A impressão de novas cédulas pode aliviar o problema imediato de liquidez, mas não resolve o desafio mais profundo de reconstruir confiança, produção interna e estabilidade monetária.

No tabuleiro geopolítico, a reconfiguração do sistema monetário sírio é mais do que uma medida econômica: é um movimento calculado de reposicionamento estratégico, no qual Damasco tenta se reerguer como ator relevante, ainda que em um campo minado por interesses regionais e internacionais divergentes.

Atualização

Fontes recentes indicam que o governo sírio avançou nas negociações com a empresa Oumolat, reforçando a tendência de diversificação da impressão monetária. Paralelamente, observadores internacionais destacam que a economia síria segue altamente vulnerável às flutuações do mercado negro, cuja influência na economia real dificulta o controle estatal da política monetária.

Além disso, o desenvolvimento do porto de Tartus pelo DP World, previsto para ser concluído em 2027, poderá incrementar o comércio exterior sírio, reduzindo a dependência logística da Rússia e ampliando a integração econômica com o Golfo.


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