Trump Tower em Damasco? A ousada estratégia da Síria para obter alívio de sanções

Presidente sírio Ahmed al-Sharaa durante coletiva de imprensa com Emmanuel Macron no Palácio do Eliseu, em Paris.
O presidente da Síria, Ahmed al-Sharaa, ouve o discurso do presidente francês Emmanuel Macron durante coletiva conjunta no Palácio do Eliseu, em Paris, em 7 de maio de 2025. Foto: Stephanie Lecocq/Reuters.

Desde o início da guerra civil em 2011, a Síria enfrenta sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos que a mantêm isolada do sistema financeiro global. Segundo o Banco Mundial, o PIB sírio encolheu perto de 60% entre 2010 e 2023, enquanto a taxa de desemprego ultrapassou 50% em algumas regiões¹. Essas medidas foram reforçadas em 2020 com novas restrições ao setor energético e financeiro, tornando a reconstrução pós-conflito quase inviável.

Impacto humanitário

O bloqueio econômico agravou a crise de abastecimento:

  • Inflação: ultrapassou 200% ao ano em produtos alimentícios básicos.
  • Escassez de remédios: organizações como a Human Rights Watch relatam falta de insumos hospitalares em 80% dos hospitais públicos².
  • Deslocamento interno: mais de 6 milhões de sírios permanecem deslocados dentro do país, segundo a OCHA.

A população rural sente o peso da alta dos preços de combustível e do colapso dos serviços básicos, gerando novos fluxos de migração para regiões urbanas já sobrecarregadas.

Propostas de Sharaa

Durante um encontro de quatro horas em Damasco, em 30 de abril, Ahmed al-Sharaa – ainda listado como “terrorista” pelo Departamento de Estado dos EUA – apresentou ao ativista pró-Trump Jonathan Bass três eixos principais:

  1. Trump Tower em Damasco: um símbolo de parceria empresarial para atrair investimentos privados.
  2. Detente com Israel: garantias de que a Síria não representaria ameaça a Jerusalém, incluindo negociações indiretas mediadas pelos Emirados Árabes Unidos.
  3. Acesso americano a petróleo e gás: concessões para empresas dos EUA explorarem campos energéticos em troca de financiamentos e tecnologia.

Sharaa também enfatizou sua “conexão pessoal” com Trump, citando tentativas de assassinato sofridas por ambos, como argumento de empatia mútua.

Análise estratégica

  • Para os EUA: o apelo de Trump a acordos espetaculares e bilaterais, como fez com a Coreia do Norte, abre uma janela para considerar negociações diretas, mas esbarra na falta de consenso interno e na desconfiança sobre o cumprimento das condições de retirada de combatentes estrangeiros.
  • Para Israel e aliados do Golfo: um possível acordo dependeria de garantias formais de que Damasco não reativaria forças ligadas ao Irã ou a milícias pró-Assad próximas à fronteira israelense.
  • Para a Síria: além de aliviar sanções, a aproximação com Washington poderia legitimar o regime de Assad, sem avanço real em reformas políticas ou de direitos humanos.

Cenários futuros

Novos ataques israelenses e contra-ataques sírios reforçam a percepção de instabilidade regional.

Sanções suspensas condicionalmente

  • A Síria cumpre etapas de retirada de combatentes estrangeiros e facilita a entrada de ONGs de ajuda humanitária.
  • Washington concede alívio gradual, vinculado a relatórios trimestrais de monitoramento.

Acordo energético limitado

  • Empresas americanas obtêm licenças para explorar campos específicos, mas as sanções financeiras permanecem ativas.
  • A Síria usa receitas para atender parte da população, reduzindo tensões internas.

Insucesso diplomático

  • Sem confiança mútua, a iniciativa de Trump Tower falha e Damasco mantém seu isolamento.

Em síntese, a proposta de uma Trump Tower em Damasco evidencia a criatividade diplomática de Damasco e a disposição de Trump para acordos simbólicos. Ainda que improvável, esse esforço revela fissuras na política externa americana e coloca em xeque a eficácia das sanções: o futuro dependerá da capacidade de Washington, Damasco e seus vizinhos de transformar ideias ousadas em compromissos reais. Independentemente do desfecho, a proposta síria revela o quanto o xadrez geopolítico do Oriente Médio ainda reserva jogadas inesperadas — e nenhuma peça, nem mesmo Trump, está fora do tabuleiro.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*