
A relação entre os Estados Unidos e a África do Sul atravessa um momento de crescente atrito, mobilizando atores políticos de alto escalão e provocando impactos econômicos significativos. Dois vetores principais alimentam essa tensão: o iminente boicote do presidente Donald Trump à Cúpula do G20, marcada para 22 e 23 de novembro de 2025, em Joanesburgo, e a pressão sobre Pretória para fechar, até 1º de agosto de 2025, um acordo comercial que evite a aplicação de novas tarifas americanas de 30% sobre as exportações sul‑africanas.
Boicote de Trump à Cúpula do G20
Em 29 de julho de 2025, Donald Trump anunciou que “talvez não compareça” ao encontro do G20 na África do Sul, alegando “políticas muito ruins” adotadas pelo governo de Pretória – desde a reforma agrária até o processo do país contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça e sua postura em relação ao conflito Gaza-Israel. Trump chegou a assinar, em fevereiro, ordem executiva para cortar parte da ajuda financeira americana à África do Sul, e criticou abertamente as políticas de Black Economic Empowerment e as alegações — largamente descreditadas — de “genocídio de brancos” no país.
- Representação alternativa: Em vez de sua presença física, Trump sinalizou que poderá enviar um representante, o que enfraqueceria a voz oficial americana no fórum e criaria um vácuo de liderança na discussão de pautas cruciais como clima, comércio e segurança global.
- Antecedentes diplomáticos: O secretário de Estado Marco Rubio já havia boicotado reunião preparatória do G20 sediada pela África do Sul, em março de 2025, em protesto às posições de Pretória na Guerra Russo‑Ucraniana e no Oriente Médio.
Contexto econômico: rand estagnado e prazo para acordo comercial
Valorização da moeda
Na manhã de 30 de julho, o rand sul‑africano foi cotado a R$ 17,8550/USD, praticamente inalterado em relação à véspera, em meio a expectativas de corte de 25 pontos-base na taxa de juros pelo Banco Central da África do Sul e ao impasse nas negociações com Washington.
Tarifas de 30%
Se até 1º de agosto de 2025 não houver acordo, uma tarifa de 30% será aplicada sobre bens sul‑africanos importados pelos EUA, o que poderia comprometer indústrias-chave como automotiva, avícola e de mineração. Pretória propôs contrapartidas que incluem:
- Compra de US$ 3,3 bi em GNL (gás natural liquefeito) americano;
- Desburocratização das importações de produtos agrícolas dos EUA;
- Investimentos diretos em setores industriais americanos, como mineração e infraestrutura.
O impasse político, especialmente sobre reformas de terras e igualdade racial, tem sido apontado pelo governo sul‑africano como fator complicador nas tratativas, prejudicando o cronograma de aprovação legislativa e de implementação do pacto.
Implicações regionais e globais
- Vácuo diplomático na África
Com o esfriamento das relações EUA‑África do Sul, outros atores globais — notadamente China e Rússia — podem intensificar sua influência no continente, propondo alternativas de cooperação em infraestrutura, energia e defesa. - G20 sob tensão
A ausência de uma delegação de alto nível americana compromete a coesão do G20, cujo mandato inclui respostas coordenadas a crises econômicas, mudanças climáticas e segurança alimentar. A presidência rotativa da África do Sul no G20 (dez/2024 a nov/2025) já enfrenta resistência interna e externa, inclusive de membros africanos que divergem quanto à prioridade das pautas sul‑africanas. - Mercados e investimentos
A estagnação do rand e a incerteza sobre as tarifas elevam o custo de financiamento externo para empresas sul‑africanas e podem frear o ingresso de investidores estrangeiros. Um acordo comercial robusto restabeleceria confiança, reduzindo custos de capital e assegurando acesso preferencial ao maior mercado consumidor do mundo.
Conclusão e perspectivas
A escalada diplomática entre Washington e Pretória combina disputas históricas de raça e terra, divergências geopolíticas e pressões econômicas imediatas. O desfecho das negociações comerciais até 1º de agosto de 2025 e a decisão final de Trump sobre sua participação na cúpula do G20 serão determinantes para:
- Reconfiguração das alianças estratégicas na África;
- Estabilidade da moeda e atração de investimentos;
- Efetividade das respostas multilaterais a desafios globais.
Resta acompanhar se, nas próximas semanas, haverá um gesto de reconciliação — seja por meio de emendas às políticas sul‑africanas, concessões em tarifas ou um recuo de Trump — para evitar um choque mais profundo que abale não só a diplomacia bilateral, mas todo o sistema de governança global.
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