Violações do Cessar-Fogo na Fronteira Armênio-Azerbaijana e Riscos de Conflito

Edifício abandonado da estação ferroviária de Meghri, na vila de Araksashen, província de Syunik, Armênia, em 14 de maio de 2025.
Edifício abandonado da estação ferroviária de Meghri, que conectava Yerevan a Baku e a antiga União Soviética ao Irã, visto na vila de Araksashen, Syunik, Armênia — 14 de maio de 2025. via REUTERS/File Photo

O cair da noite continua trazendo apreensão aos moradores de Khnatsakh, aldeia armênia localizada a meros 100 metros de posições militares do Azerbaijão. Por volta das 22h, rajadas automáticas — atribuídas a tropas azeris postadas em encostas vizinhas — cortam o silêncio noturno, ricocheteando contra residências. Embora não haja registro de feridos até o momento, o número crescente de incidentes tem impulsionado um êxodo parcial de famílias em busca de segurança.

Contexto Histórico e Geopolítico

Desde o fim da União Soviética, a fronteira de 1.000 km entre Armênia e Azerbaijão permanece fechada, após os conflitos de 1992–1994 e 2020 pelo controle de Nagorno-Karabakh. A vitória de Baku em 2020 e a retomada completa de Karabakh em setembro de 2023 alteraram o equilíbrio de poder, deslocando cerca de 100 mil armênios étnicos para o território principal da Armênia.

Escalada das Violações e Estatísticas Recentes

Relatórios oficiais indicam que, desde março de 2025 (quando foi apresentado o esboço de tratado de paz), foram registrados 26 episódios de violação do cessar-fogo, contra apenas três nos cinco meses anteriores. Entre eles, tiros atingiram casas, incluindo danos a um centro cultural em Khnatsakh, embora sem vítimas. A disparidade crescente entre acusações mútuas — Azerbaijão registra a maior parte das queixas, enquanto Erevan nega enfaticamente êxitos — alimenta um clima de incerteza.

O Tratado de Paz e seus Desafios

Em março de 2025, as negociações culminaram em um texto de acordo de paz, com previsão de assinatura em 2026. O esboço inclui:

  1. Demarcação de fronteiras — estabelecimento de limites precisos ao longo de toda a divisa.
  2. Não-implantação de tropas de terceiros países — para tranquilizar vizinhos e atores regionais; a UE seguirá com sua missão de monitoramento até fevereiro de 2027.
  3. Retirada de acusações jurídicas mútuas e compromisso de não realizar ações hostis em instâncias internacionais.

Todavia, Baku impõe como pré-condição emendas na Constituição armênia para suprimir supostas reivindicações territoriais contra o Azerbaijão, além da criação de um corredor militar e aduaneiro através de Syunik, conectando seu território principal ao enclave de Nakhchivan. Para os armênios, tal corredor ameaça o acesso ao Irã e isola economicamente a província sul, ponto vital de comércio.

Pressões Regionais e Internacionais

  • União Europeia e EUA: pressionam ambos os lados a assinarem e ratificarem o tratado sem mais atrasos. A chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, saudou o acordo como “passo decisivo rumo à paz duradoura”, enquanto o secretário de Estado dos EUA alertou para o “risco real de guerra” caso o texto não avance rapidamente
  • Rússia: apesar de tradicional aliada de Erevan, manteve relações mais estreitas com Baku após 2023, suscitando desconfiança armênia.
  • Turquia: apoio político e militar a Baku reforça o desequilíbrio de poder.
  • Irã: parceiro comercial chave da Armênia, tem sede interesses em manter Syunik sob soberania erevense, evitando o cerceamento das rotas terrestres armênias para o sul.

Perspectivas para uma Abertura de Corredores

Em Meghri — a apenas 16 km de Nakhchivan e fronteira com o Irã — há quem recorde a ferrovia soviética que unia Yerevan a Baku e Teerã. Para o ex-guardião Armen Davtyan, a reativação dessas rotas simbolizaria reconciliação, apesar do receio de que a livre circulação favoreça o retorno de influências azeris.

Possibilidade de Conflitos Localizados

Especialistas, como Laurence Broers (Chatham House), destacam que, dada a disparidade populacional (10 milhões de azeris contra 3 milhões de armênios) e militar, Baku tem incentivos para manter “escaladas controladas”, pressionando Erevan sem partir para uma guerra total. Pequenos confrontos serviriam para testar reações e obter concessões diplomáticas, em vez de um confronto de larga escala.

Conclusão

Enquanto a comunidade internacional instiga a formalização do cessar-fogo, o som dos tiros em Khnatsakh e em outras aldeias de Syunik é lembrete de que a paz permanece frágil. O progresso nas negociações — especialmente no que tange às exigências constitucionais e ao corredor estratégico — definirá se o Cáucaso abrirá caminho para estabilidade duradoura ou se novos confrontos limitarão outra vez a vida cotidiana das populações fronteiriças.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*