
O cair da noite continua trazendo apreensão aos moradores de Khnatsakh, aldeia armênia localizada a meros 100 metros de posições militares do Azerbaijão. Por volta das 22h, rajadas automáticas — atribuídas a tropas azeris postadas em encostas vizinhas — cortam o silêncio noturno, ricocheteando contra residências. Embora não haja registro de feridos até o momento, o número crescente de incidentes tem impulsionado um êxodo parcial de famílias em busca de segurança.
Contexto Histórico e Geopolítico
Desde o fim da União Soviética, a fronteira de 1.000 km entre Armênia e Azerbaijão permanece fechada, após os conflitos de 1992–1994 e 2020 pelo controle de Nagorno-Karabakh. A vitória de Baku em 2020 e a retomada completa de Karabakh em setembro de 2023 alteraram o equilíbrio de poder, deslocando cerca de 100 mil armênios étnicos para o território principal da Armênia.
Escalada das Violações e Estatísticas Recentes
Relatórios oficiais indicam que, desde março de 2025 (quando foi apresentado o esboço de tratado de paz), foram registrados 26 episódios de violação do cessar-fogo, contra apenas três nos cinco meses anteriores. Entre eles, tiros atingiram casas, incluindo danos a um centro cultural em Khnatsakh, embora sem vítimas. A disparidade crescente entre acusações mútuas — Azerbaijão registra a maior parte das queixas, enquanto Erevan nega enfaticamente êxitos — alimenta um clima de incerteza.
O Tratado de Paz e seus Desafios
Em março de 2025, as negociações culminaram em um texto de acordo de paz, com previsão de assinatura em 2026. O esboço inclui:
- Demarcação de fronteiras — estabelecimento de limites precisos ao longo de toda a divisa.
- Não-implantação de tropas de terceiros países — para tranquilizar vizinhos e atores regionais; a UE seguirá com sua missão de monitoramento até fevereiro de 2027.
- Retirada de acusações jurídicas mútuas e compromisso de não realizar ações hostis em instâncias internacionais.
Todavia, Baku impõe como pré-condição emendas na Constituição armênia para suprimir supostas reivindicações territoriais contra o Azerbaijão, além da criação de um corredor militar e aduaneiro através de Syunik, conectando seu território principal ao enclave de Nakhchivan. Para os armênios, tal corredor ameaça o acesso ao Irã e isola economicamente a província sul, ponto vital de comércio.
Pressões Regionais e Internacionais
- União Europeia e EUA: pressionam ambos os lados a assinarem e ratificarem o tratado sem mais atrasos. A chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, saudou o acordo como “passo decisivo rumo à paz duradoura”, enquanto o secretário de Estado dos EUA alertou para o “risco real de guerra” caso o texto não avance rapidamente
- Rússia: apesar de tradicional aliada de Erevan, manteve relações mais estreitas com Baku após 2023, suscitando desconfiança armênia.
- Turquia: apoio político e militar a Baku reforça o desequilíbrio de poder.
- Irã: parceiro comercial chave da Armênia, tem sede interesses em manter Syunik sob soberania erevense, evitando o cerceamento das rotas terrestres armênias para o sul.
Perspectivas para uma Abertura de Corredores
Em Meghri — a apenas 16 km de Nakhchivan e fronteira com o Irã — há quem recorde a ferrovia soviética que unia Yerevan a Baku e Teerã. Para o ex-guardião Armen Davtyan, a reativação dessas rotas simbolizaria reconciliação, apesar do receio de que a livre circulação favoreça o retorno de influências azeris.
Possibilidade de Conflitos Localizados
Especialistas, como Laurence Broers (Chatham House), destacam que, dada a disparidade populacional (10 milhões de azeris contra 3 milhões de armênios) e militar, Baku tem incentivos para manter “escaladas controladas”, pressionando Erevan sem partir para uma guerra total. Pequenos confrontos serviriam para testar reações e obter concessões diplomáticas, em vez de um confronto de larga escala.
Conclusão
Enquanto a comunidade internacional instiga a formalização do cessar-fogo, o som dos tiros em Khnatsakh e em outras aldeias de Syunik é lembrete de que a paz permanece frágil. O progresso nas negociações — especialmente no que tange às exigências constitucionais e ao corredor estratégico — definirá se o Cáucaso abrirá caminho para estabilidade duradoura ou se novos confrontos limitarão outra vez a vida cotidiana das populações fronteiriças.
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