Tensão entre Taiwan e África do Sul: Semicondutores como Instrumento de Retaliação Diplomática

Microchip eletrônico em destaque com as bandeiras de Taiwan e África do Sul desfocadas ao fundo.
Microchip simbolizando a importância dos semicondutores na relação diplomática entre Taiwan e África do Sul.

No dia 21 de julho de 2025, o Governo da África do Sul publicou no Government Gazette a renomeação dos escritórios de representação de Taiwan em solo sul‑africano: o antigo “Taipei Liaison Office” em Pretória e o “Taipei Liaison Office” em Cape Town passaram a ser, respectivamente, “Taipei Commercial Office” em Pretória e em Cape Town. A mudança foi justificada em obediência à “política de Uma China” e à Resolução 2758 da ONU, embora o governo de Pretória tenha feito isso sem consulta prévia a Taiwan .

Histórico das Relações e Pressões Anteriores

  • 1997: a África do Sul rompeu relações diplomáticas formais com Taiwan, reconhecendo a República Popular da China, mas manteve “escritórios de ligação” como canais comerciais e culturais.
  • Abril de 2024: Pretória exigiu o deslocamento do escritório de Pretória para Joanesburgo, com prazo até março de 2025, alegando padronização diplomática. Taiwan recusou, afirmando violação ao Acordo-Quadro de 1997 .

Reação Oficial de Taiwan

Em 22 de julho de 2025, o Ministério das Relações Exteriores de Taiwan (MOFA) emitiu um protesto formal, qualificando a renomeação como “unilateral” e “não consultada”, e advertiu que tais ações violam o acordo bilateral de 1997. O porta-voz afirmou que Taiwan “não aceitará alterações arbitrárias ao status de suas missões” e manterá “comunicações baseadas em igualdade e dignidade” até que haja consenso.

Possíveis Contramedidas: Restrição de Semicondutores

Nesta terça‑feira, 29 de julho de 2025, o diretor-geral do Departamento de Assuntos Asiáticos e Africanos de Taiwan, Yen Chia‑Liang, confirmou que o governo estuda restrições à exportação de semicondutores para a África do Sul como retaliação política. Os chips são o principal produto de exportação de alto valor de Taiwan, fabricados por empresas como a TSMC e a UMC, e essenciais para setores de telecomunicações, automotivo e defesa.

Dados Quantitativos sobre Comércio de Semicondutores

Em 2024, as exportações de semicondutores de Taiwan para a África do Sul totalizaram aproximadamente USD 150 milhões, representando cerca de 12% do mercado sul-africano de semicondutores segundo dados da Global Semiconductor Trade Statistics (GSTS). A maior parte desse mercado é abastecida por Taiwan, Coreia do Sul e fornecedores europeus, com Taiwan dominando produtos de alta tecnologia essenciais para aplicações industriais e governamentais .

Influência da China e Contexto Geopolítico

O movimento de Pretória ocorre logo após a visita do vice‑presidente sul‑africano Paul Mashatile à China (14–18 de julho de 2025), quando foram reforçadas relações comerciais e políticas bilaterais. Pequim saudou publicamente a decisão sul‑africana, elogiando sua adesão ao princípio de “Uma China” e à Resolução 2758 da ONU, evidenciando o peso da influência chinesa nas decisões de países em desenvolvimento.

Perspectiva Africana

Autoridades sul-africanas têm declarado que a mudança visa “alinhamento com as normas internacionais” e reafirmação da soberania nacional. O porta-voz do Departamento de Relações Internacionais e Cooperação (DIRCO), Sipho Dlamini, disse em entrevista ao Daily Maverick:

“Nossa decisão reflete um compromisso com a estabilidade regional e nossas prioridades comerciais. Esperamos continuar o diálogo construtivo com todas as partes, incluindo Taiwan.”
Especialistas em relações internacionais na Universidade da Cidade do Cabo destacam que a África do Sul busca equilibrar interesses econômicos com a China, principal parceiro comercial do continente, ao mesmo tempo que mantém vínculos tecnológicos com Taiwan.

Implicações Regionais para a África e o Mundo

Outros países africanos observam o desenrolar da disputa com atenção, dado que a China é o maior investidor e parceiro comercial na região. Há receios de que pressões semelhantes possam ser aplicadas em países como Nigéria, Quênia e Egito, forçando ajustes em suas políticas diplomáticas para evitar retaliações comerciais ou tecnológicas . Essa dinâmica pode influenciar o ritmo de digitalização e infraestrutura tecnológica no continente, especialmente em áreas dependentes de semicondutores avançados.

Impactos Econômicos e Tecnológicos

  • Para a África do Sul: um eventual embargo de semicondutores pode atrasar a expansão de sua infraestrutura de 5G, a modernização da indústria automotiva elétrica e projetos de digitalização governamental.
  • Para Taiwan: embora seja um instrumento de pressão, restrições devem ser calibradas para não afetar mercados alternativos na Ásia e na Europa, nem comprometer cadeias de suprimento globais das quais Taiwan depende para insumos e capital.

Aspectos Legais e Comerciais

A disputa levanta questões sobre o cumprimento dos acordos bilaterais entre Taiwan e África do Sul firmados em 1997, que embora não reconheçam formalmente Taiwan como Estado soberano, estabelecem parâmetros para funcionamento das missões comerciais.
No âmbito do direito internacional, o princípio da soberania dos Estados permite que países ajustem suas representações diplomáticas, porém, mudanças unilaterais sem negociação podem ser vistas como violação contratual.
Além disso, organizações multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) poderiam ser acionadas para evitar restrições comerciais arbitrárias, mas o componente político torna o processo complexo e sujeito a atrasos.

Perspectivas e Desdobramentos

  1. Diálogo Multilateral: organismos como a OMC ou foros regionais podem mediar entendimentos que preservem o fluxo comercial sem ceder à coação política.
  2. Diversificação de Fornecedores: a África do Sul buscará outras origens de semicondutores (por exemplo, Coreia do Sul ou Europa), mas enfrentará prazos e custos mais elevados.
  3. Aprofundamento da Cooperação EUA‑Taiwan: Washington monitora o caso de perto, já que a estabilidade do fornecimento de chips é considerada questão de segurança nacional dos EUA.

Conclusão

A tensão entre Taiwan e África do Sul, desencadeada pela alteração unilateral na nomenclatura dos escritórios de representação e pela resposta de Taiwan com a ameaça de restrição na exportação de semicondutores, evidencia como questões diplomáticas podem rapidamente impactar cadeias produtivas estratégicas globais. O episódio reflete o delicado equilíbrio geopolítico em que muitos países, especialmente em desenvolvimento, se encontram ao lidar com a crescente influência da China e a relevância econômica e tecnológica de Taiwan.

Enquanto a África do Sul busca alinhar suas políticas às pressões diplomáticas e manter relações comerciais com os dois lados, Taiwan utiliza seu papel crucial na indústria global de semicondutores como uma ferramenta de retaliação política. Esse impasse serve de alerta para a vulnerabilidade das economias diante da interdependência tecnológica e da instrumentalização comercial em disputas políticas.

O caminho para uma resolução pacífica e sustentável passa necessariamente pelo diálogo multilaterais e pela busca de acordos que respeitem os interesses soberanos, evitando que tensões diplomáticas escalem e causem prejuízos econômicos e tecnológicos irreparáveis, não só para os países diretamente envolvidos, mas para toda a comunidade internacional.

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