Combates em Trípoli Abrandam Após Anúncio de Trégua

Membros da Brigada 444 guardam área de Abu Salim em Trípoli, Líbia, 13 de maio de 2025.
Soldados da Brigada 444, ligada ao Governo de Unidade Nacional da Líbia, fazem guarda na região de Abu Salim, em Trípoli, em 13 de maio de 2025. Foto: REUTERS/Ayman al-Sahili

Na manhã de 14 de maio de 2025, as hostilidades mais intensas em anos em Trípoli, capital da Líbia, cessaram aproximadamente uma hora após o Governo de Unidade Nacional (GNU) decretar um cessar‑fogo e destacar unidades neutras da polícia em pontos sensíveis da cidade. O acordo de calma segue o pior surto de violência desde 2023, quando facções rivais voltaram a trocar tiros nas ruas da capital.

Contexto e Desencadeamento

Os confrontos se iniciaram na noite de 12 de maio, após o assassinato de Abdel Ghani al‑Kikli, conhecido como “Ghaniwa”, comandante da milícia Stabilisation Support Apparatus (SSA), numa reunião no campo Tekbali. Sua morte, atribuída à Brigada 444 – aliada ao primeiro‑ministro Abdulhamid al‑Dbeibah – desencadeou uma série de ataques de retaliação da SSA contra posições pró‑governo em bairros como Abu Salim, Ras Hassan e Salah Eddin.

Breve Histórico das Principais Facções

Brigada 444

  • Origem: Formada em 2012, logo após a queda de Gaddafi, como parte de uma das coalizões que ajudaram a retomar Trípoli do General Haftar.
  • Evolução: Reconhecida pelo GNU em 2022 como força oficial de “manutenção da ordem” na capital, passou a atuar sob o comando direto do Ministério da Defesa de Dbeibah.
  • Poder: Destacada pela disciplina interna e acesso a armamento pesado, tornou‑se o principal instrumento militar do primeiro‑ministro para conter outras milícias.

Stabilisation Support Apparatus (Aparelho de Apoio à Estabilização )(SSA)

  • Origem: Criada em 2018 por Abdul Ghani al‑Kikli com respaldo de setores do antigo Governo de Acordo Nacional, apresentava‑se como força “antiterrorismo” e de “estabilização”.
  • Atuação: Controlava postos de controle em bairros estratégicos de Trípoli e gerenciava a Agência de Segurança Interna, acumulando poder financeiro via taxas de passagem de migrantes.
  • Declínio: Após acusações de tortura e violações dos direitos humanos, sua influência começou a decair com a ascensão política de Dbeibah e o reconhecimento de outras brigadas pelo GNU.

Análise da Centralização de Poder por Dbeibah

A ofensiva coordenada das Brigadas 444 e 111 sugere uma estratégia clara de reconstrução do monopólio da força em Trípoli sob o comando de Dbeibah.

“Ghaniwa era de fato o rei de Trípoli. Seus homens controlavam a agência de segurança interna e até a distribuição de dinheiro do banco central”, explica Tarek Megerisi, do European Council on Foreign Relations .
“Isso abre caminho para níveis sem precedentes de consolidação territorial em Trípoli e um número cada vez menor de grupos”, complementa Emad Badi, do Atlantic Council .

Após assegurar o controle de depósitos de armas e instalações-chave da SSA, Dbeibah aproveitou para nomear um novo chefe para a Agência de Segurança Interna e dissolver a Diretoria de Combate à Migração Ilegal, numa tentativa de reformar o setor de segurança e fortalecer a autoridade estatal. Embora tais medidas reforcem o Executivo, correm risco de aprofundar ressentimentos em facções excluídas — notadamente a Special Deterrence Force (Rada), ainda não integrada ao GNU.

Impacto Humano e Danos Materiais

  • Mortes e feridos: agências médicas locais confirmam pelo menos 6 mortos e dezenas de feridos, incluindo civis e combatentes de ambos os lados, entre os dias 12 e 14 de maio.
  • Deslocamentos: famílias inteiras buscaram abrigo em escolas, mesquitas e estruturas públicas, temendo bombardeios e tiroteios repentinos. Estima‑se que centenas de pessoas ficaram temporariamente deslocadas.
  • Infraestrutura: ruas bloqueadas por carros queimados, prédios crivados de balas e suspensão temporária de voos no Aeroporto de Mitiga, embora as principais instalações petrolíferas no sul e no leste do país não tenham sido afetadas.

Citações de Especialistas

Jalel Harchaoui (Instituto Real de Serviços Unidos de Defesa):

“A queda de Ghaniwa representa o colapso de uma das últimos barreiras ao domínio total de Dbeibah sobre Trípoli, mas isso dificilmente levará à paz sem um pacto com os demais senhores da guerra.”

Mohamed Eljarh (analista de segurança norte‑africana):

“O risco agora é uma reação em cadeia: facções do oeste podem chamar reforços de Zawiya e Misrata, transformando um confronto localizado numa nova guerra por procuração.”

Perspectivas e Desafios

Apesar da trégua, o futuro político em Trípoli permanece incerto. A real integração da Rada e de outras milícias dissidentes ao processo político será crucial para evitar novos surtos de violência. Além disso, o envolvimento contínuo de potências estrangeiras — principalmente Turquia e Rússia — poderá influenciar decisivamente o equilíbrio de forças na capital e as negociações de poder.

Conclusão


O breve cessar‑fogo de 14 de maio de 2025 oferece uma janela de oportunidade para consolidar reformas no setor de segurança e promover um diálogo político inclusivo. Contudo, sem a participação efetiva de todas as facções e um comprometimento real com desarmamento e responsabilização, a Líbia corre o risco de retornar a ciclos de conflito que há mais de uma década minam sua estabilidade.

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