
Na sexta-feira, 27 de junho de 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o rompimento imediato das negociações de um novo acordo comercial com o Canadá, em retaliação à entrada em vigor, na segunda-feira seguinte, de um imposto canadense sobre serviços digitais que afeta grandes empresas de tecnologia americanas. A decisão, divulgada por meio de mensagem em sua rede social Truth Social e confirmada em breve entrevista coletiva na Casa Branca, marca uma reviravolta nas relações bilaterais, até então relativamente pacificadas após o encontro amistoso entre Trump e o primeiro‑ministro canadense, Mark Carney, durante a cúpula do G7 em meados de junho.
Contexto e Motivação
O estopim desse novo atrito é o imposto sobre serviços digitais aprovado pelo Parlamento canadense, que cobra 3% da receita obtida por empresas de tecnologia norte‑americanas junto a usuários canadenses que gerem mais de US$ 20 milhões em faturamento no ano civil, com caráter retroativo a 2022. Entre os alvos figuram Amazon, Meta, Google e Apple.
Trump classificou o tributo como “um ataque flagrante” à economia norte‑americana e acusou o Canadá de ser “um parceiro muito difícil de negociar”, ordenando o cancelamento de “todas as discussões comerciais” até que Ottawa revogue o imposto. O presidente prometeu anunciar, dentro de sete dias, a nova alíquota tarifária que será aplicada a produtos e serviços canadenses.
Reações Imediatas e Impacto de Mercado
A notícia surpreendeu analistas e investidores. Em pregão turbulento, os índices S&P 500 e Nasdaq chegaram a cair logo após a divulgação, mas reagiram positivamente em seguida, fechando a semana em patamares recordes. Isso demonstra a resiliência de mercados acostumados à volatilidade gerada pelas frequentes mudanças na política tarifária de Trump.
Em comunicado, o governo canadense reafirmou seu compromisso com “negociações complexas” que defendam os interesses de trabalhadores e empresas canadenses, sinalizando disposição para diálogo, apesar da retórica dura de Washington.
Dimensão Econômica da Relação EUA‑Canadá
O Canadá é o segundo maior parceiro comercial dos Estados Unidos, atrás apenas do México, e o maior comprador de produtos norte‑americanos. No último ano fiscal, o Canadá adquiriu US$ 349,4 bilhões em bens dos EUA, enquanto exportou US$ 412,7 bilhões para o mercado americano. Essa interdependência faz com que qualquer escalada de tarifas possa gerar efeitos em cadeia, afetando desde o agronegócio e a indústria automotiva até as cadeias de suprimento de energia e recursos naturais.
O Cenário Amplo das Negociações Tarifárias dos EUA
A ruptura com Ottawa ocorre em meio a uma ofensiva diplomática do governo Trump para encerrar, até o Labor Day (1º de setembro de 2025), acordos comerciais com 18 parceiros-chave. Em declarações à imprensa, o Secretário do Tesouro, Scott Bessent, afirmou que a administração espera selar ao menos 10 a 12 desses acordos até essa data, sob pena de impor tarifas elevadas a partir de prazos estabelecidos (por exemplo, 9 de julho em alguns casos).
Paralelamente, os EUA vêm ajustando a aplicação de tarifas retaliatórias já em vigor, como no caso da investigação sob a Seção 301 da lei comercial americana sobre o imposto digital canadense, que pode resultar em sanções equivalentes ao prejuízo estimado em US$ 2 bilhões para empresas tecnológicas americanas, conforme cálculos de Bessent.
Além disso, nas últimas semanas, Washington enviou nova proposta à União Europeia e recebeu delegados da Índia para avançar negociações, além de fechar ajustes com a China para desbloquear exportações de minerais de terras raras e ímãs, fundamentais para várias indústrias.
Implicações para Empresas e Consumidores
- Empresas de Tecnologia: Além de arcar com o novo imposto canadense, enfrentam a perspectiva de retaliação tarifária americana. Poderão repassar parte dos custos ao consumidor ou absorver queda de margem, pressionando suas avaliações de mercado.
- Indústria Automotiva e Aeroespacial: A retomada do fluxo de ímãs e terras raras da China deve aliviar gargalos, mas possíveis tarifas sobre componentes canadenses introduzem incertezas adicionais.
- Consumidores e Trabalhadores: Produtos eletrônicos, veículos e alimentos podem sofrer aumento de preço se as tarifas forem concretizadas. Trabalhadores de setores exportadores ficam expostos ao risco de retração de demanda.
Perspectivas e Próximos Passos
- Canadá: Precisa decidir se reverte o imposto digital ou aceita arcar com as consequências tarifárias americanas. A pressão de setores exportadores e audiências públicas em Ottawa serão decisivas.
- EUA: Trump tem até uma semana para anunciar as alíquotas. Caso mantenha o tom agressivo, pode perder o apoio de manufatureiros americanos que dependem de insumos canadenses.
- Mercados Globais: Permanecem em estado de alerta. Investidores acompanharão não apenas o desfecho EUA‑Canadá, mas também o ritmo das negociações com União Europeia, Índia, Japão e China.
Em suma, o corte abrupto das negociações comerciais entre dois aliados tradicionais resgata antigos temores de guerra tarifária total e evidencia a volatilidade da política externa sob a administração Trump. A forma como Ottawa e Washington navegarão este impasse nas próximas semanas definirá o fluxo de bens e investimentos na América do Norte e influenciará a futura arquitetura do comércio global.
Conclusão
O rompimento súbito das negociações entre os EUA e o Canadá ilustra como divergências pontuais — neste caso, a imposição de um imposto digital unilateral — podem desestabilizar anos de cooperação econômica entre nações intimamente integradas. Embora a retaliação tarifária, tanto a americana quanto a canadense, seja prevista em instrumentos legais como a Seção 301, o risco maior reside no efeito cascata sobre cadeias de suprimento e na confiança de investidores e consumidores.
No curto prazo, o Canadá deve avaliar a reversão ou a manutenção do imposto digital, pesando custos políticos e econômicos. Para os Estados Unidos, a postura firme de Trump reforça sua estratégia de alavancar poder de barganha, mas pode gerar atritos com setores domésticos que dependem de insumos importados. Em médio e longo prazo, o desfecho dessa crise bilateral servirá de parâmetro para outras negociações globais que Washington conduz, seja com a União Europeia, Índia ou China.
Em última análise, o episódio ressalta a tensão entre soberania fiscal e interdependência econômica num cenário geopolítico cada vez mais volátil. A habilidade de Ottawa e Washington de encontrar um terreno comum determinará não apenas o equilíbrio comercial na América do Norte, mas também a credibilidade dos EUA como parceiro estável no comércio internacional.
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