Interrupção Súbita das Negociações Comerciais EUA–CanadáTrump Anuncia Tarifas em Retaliação ao “Ataque” Canadense

Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, fala em coletiva de imprensa em Washington, 24 de junho de 2025.
O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, durante coletiva de imprensa em Washington, D.C., em 24 de junho de 2025. Foto: REUTERS/Kevin Mohatt (arquivo)

Na sexta-feira, 27 de junho de 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o rompimento imediato das negociações de um novo acordo comercial com o Canadá, em retaliação à entrada em vigor, na segunda-feira seguinte, de um imposto canadense sobre serviços digitais que afeta grandes empresas de tecnologia americanas. A decisão, divulgada por meio de mensagem em sua rede social Truth Social e confirmada em breve entrevista coletiva na Casa Branca, marca uma reviravolta nas relações bilaterais, até então relativamente pacificadas após o encontro amistoso entre Trump e o primeiro‑ministro canadense, Mark Carney, durante a cúpula do G7 em meados de junho.

Contexto e Motivação

O estopim desse novo atrito é o imposto sobre serviços digitais aprovado pelo Parlamento canadense, que cobra 3% da receita obtida por empresas de tecnologia norte‑americanas junto a usuários canadenses que gerem mais de US$ 20 milhões em faturamento no ano civil, com caráter retroativo a 2022. Entre os alvos figuram Amazon, Meta, Google e Apple.
Trump classificou o tributo como “um ataque flagrante” à economia norte‑americana e acusou o Canadá de ser “um parceiro muito difícil de negociar”, ordenando o cancelamento de “todas as discussões comerciais” até que Ottawa revogue o imposto. O presidente prometeu anunciar, dentro de sete dias, a nova alíquota tarifária que será aplicada a produtos e serviços canadenses.

Reações Imediatas e Impacto de Mercado

A notícia surpreendeu analistas e investidores. Em pregão turbulento, os índices S&P 500 e Nasdaq chegaram a cair logo após a divulgação, mas reagiram positivamente em seguida, fechando a semana em patamares recordes. Isso demonstra a resiliência de mercados acostumados à volatilidade gerada pelas frequentes mudanças na política tarifária de Trump.

Em comunicado, o governo canadense reafirmou seu compromisso com “negociações complexas” que defendam os interesses de trabalhadores e empresas canadenses, sinalizando disposição para diálogo, apesar da retórica dura de Washington.

Dimensão Econômica da Relação EUA‑Canadá

O Canadá é o segundo maior parceiro comercial dos Estados Unidos, atrás apenas do México, e o maior comprador de produtos norte‑americanos. No último ano fiscal, o Canadá adquiriu US$ 349,4 bilhões em bens dos EUA, enquanto exportou US$ 412,7 bilhões para o mercado americano. Essa interdependência faz com que qualquer escalada de tarifas possa gerar efeitos em cadeia, afetando desde o agronegócio e a indústria automotiva até as cadeias de suprimento de energia e recursos naturais.

O Cenário Amplo das Negociações Tarifárias dos EUA

A ruptura com Ottawa ocorre em meio a uma ofensiva diplomática do governo Trump para encerrar, até o Labor Day (1º de setembro de 2025), acordos comerciais com 18 parceiros-chave. Em declarações à imprensa, o Secretário do Tesouro, Scott Bessent, afirmou que a administração espera selar ao menos 10 a 12 desses acordos até essa data, sob pena de impor tarifas elevadas a partir de prazos estabelecidos (por exemplo, 9 de julho em alguns casos).

Paralelamente, os EUA vêm ajustando a aplicação de tarifas retaliatórias já em vigor, como no caso da investigação sob a Seção 301 da lei comercial americana sobre o imposto digital canadense, que pode resultar em sanções equivalentes ao prejuízo estimado em US$ 2 bilhões para empresas tecnológicas americanas, conforme cálculos de Bessent.

Além disso, nas últimas semanas, Washington enviou nova proposta à União Europeia e recebeu delegados da Índia para avançar negociações, além de fechar ajustes com a China para desbloquear exportações de minerais de terras raras e ímãs, fundamentais para várias indústrias.

Implicações para Empresas e Consumidores

  • Empresas de Tecnologia: Além de arcar com o novo imposto canadense, enfrentam a perspectiva de retaliação tarifária americana. Poderão repassar parte dos custos ao consumidor ou absorver queda de margem, pressionando suas avaliações de mercado.
  • Indústria Automotiva e Aeroespacial: A retomada do fluxo de ímãs e terras raras da China deve aliviar gargalos, mas possíveis tarifas sobre componentes canadenses introduzem incertezas adicionais.
  • Consumidores e Trabalhadores: Produtos eletrônicos, veículos e alimentos podem sofrer aumento de preço se as tarifas forem concretizadas. Trabalhadores de setores exportadores ficam expostos ao risco de retração de demanda.

Perspectivas e Próximos Passos

  1. Canadá: Precisa decidir se reverte o imposto digital ou aceita arcar com as consequências tarifárias americanas. A pressão de setores exportadores e audiências públicas em Ottawa serão decisivas.
  2. EUA: Trump tem até uma semana para anunciar as alíquotas. Caso mantenha o tom agressivo, pode perder o apoio de manufatureiros americanos que dependem de insumos canadenses.
  3. Mercados Globais: Permanecem em estado de alerta. Investidores acompanharão não apenas o desfecho EUA‑Canadá, mas também o ritmo das negociações com União Europeia, Índia, Japão e China.

Em suma, o corte abrupto das negociações comerciais entre dois aliados tradicionais resgata antigos temores de guerra tarifária total e evidencia a volatilidade da política externa sob a administração Trump. A forma como Ottawa e Washington navegarão este impasse nas próximas semanas definirá o fluxo de bens e investimentos na América do Norte e influenciará a futura arquitetura do comércio global.

Conclusão

O rompimento súbito das negociações entre os EUA e o Canadá ilustra como divergências pontuais — neste caso, a imposição de um imposto digital unilateral — podem desestabilizar anos de cooperação econômica entre nações intimamente integradas. Embora a retaliação tarifária, tanto a americana quanto a canadense, seja prevista em instrumentos legais como a Seção 301, o risco maior reside no efeito cascata sobre cadeias de suprimento e na confiança de investidores e consumidores.

No curto prazo, o Canadá deve avaliar a reversão ou a manutenção do imposto digital, pesando custos políticos e econômicos. Para os Estados Unidos, a postura firme de Trump reforça sua estratégia de alavancar poder de barganha, mas pode gerar atritos com setores domésticos que dependem de insumos importados. Em médio e longo prazo, o desfecho dessa crise bilateral servirá de parâmetro para outras negociações globais que Washington conduz, seja com a União Europeia, Índia ou China.

Em última análise, o episódio ressalta a tensão entre soberania fiscal e interdependência econômica num cenário geopolítico cada vez mais volátil. A habilidade de Ottawa e Washington de encontrar um terreno comum determinará não apenas o equilíbrio comercial na América do Norte, mas também a credibilidade dos EUA como parceiro estável no comércio internacional.

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  1. EUA E Canadá Retomam Diálogo Comercial

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