
Donald Trump sempre foi visto como um político polarizador. Seu discurso crítico à OTAN, sua insistência em que os aliados “paguem mais” e suas declarações muitas vezes duras contra a União Europeia foram interpretados como ameaças à coesão transatlântica. No entanto, a ironia é clara: ao tentar reduzir o peso dos Estados Unidos na segurança europeia, Trump acabou fortalecendo a integração e a união do continente.
Hoje, analistas já o chamam — ainda que de forma involuntária — de “o maior unificador da Europa desde o fim da Guerra Fria”. O paradoxo é central: Trump queria diminuir a carga dos EUA, mas está conseguindo unir e acelerar a Europa.
Crises como motores de integração
A história mostra que a Europa costuma se unir diante de ameaças externas. Após a Segunda Guerra Mundial, surgiu o embrião da União Europeia. Durante a Guerra Fria, a União Soviética levou os europeus a dependerem da proteção americana. Mais recentemente, terrorismo, migrações em massa e a pandemia forçaram ações coordenadas.
Agora, a guerra da Ucrânia e a imprevisibilidade de Trump cumprem esse mesmo papel: unir os europeus em defesa própria.
O peso dos números: mais gasto, mais integração
- Em 2024, os países da União Europeia destinaram €326 bilhões à defesa — um aumento de 30% desde 2021, equivalente a 1,9% do PIB europeu.
- A OTAN aprovou em junho de 2025 uma nova meta de 5% do PIB até 2035, dividida em 3,5% para defesa militar e 1,5% para resiliência, cibersegurança e infraestrutura crítica.
- No entanto, muitos analistas alertam: esse compromisso é, em parte, um sinal político para Trump, mais do que uma promessa fiscal crível. O risco de “contabilidade criativa” para inflar números é real.
Esse é mais um exemplo do paradoxo: Trump, ao cobrar mais, gerou compromissos sem precedentes. Se serão cumpridos, é outra questão.
Iniciativas estratégicas: Europa acelera
- Mecanismo de Apoio à Ucrânia (Ukraine Facility): instrumento de €50 bilhões (2024–2027). Até agosto de 2025, já foram desembolsados mais de €18 bilhões, incluindo a quarta parcela de €3,2 bilhões neste mês.
- Plano de Prontidão 2030 (Readiness 2030): plano europeu para mobilizar até €800 bilhões em modernização militar, infraestrutura e capacidades estratégicas.
- ASAP (munições): mais de €500 milhões em contratos para expandir a produção de munições e mísseis.
Essas medidas mostram que a Europa não está apenas doando estoques: está construindo capacidade industrial própria — uma mudança estrutural.
Giro nacional: casos emblemáticos
- Polônia: deve gastar 4,7% do PIB em 2025, tornando-se a força terrestre mais poderosa da Europa.
- Alemanha: tenta estabilizar o gasto em 2% do PIB, além do fundo extraordinário de €100 bilhões (Zeitenwende).
- Reino Unido: aumentará para 2,5% até 2027, com planos de atingir 3%, investindo pesado em munições e ogivas.
- Suécia: planeja elevar de 2% (2024) para 2,6% até 2028, com um pacote de €27 bilhões.
- Dinamarca: anunciou fundo especial que leva o gasto para 3% do PIB.
- Bélgica: chegará a 2% já em 2025.
O paradoxo Trump: divisor que une
Trump nunca escondeu sua simpatia por movimentos eurocéticos. Chegou a elogiar o Brexit e já declarou que “encorajaria a Rússia a agir contra quem não paga”.
Paradoxalmente, essas falas aceleraram justamente aquilo que ele critica: a Europa agora se move como bloco.
O fio condutor do artigo é esse: quanto mais Trump pressiona, mais os europeus se unem.
Atualidade: negociações de paz em curso
Enquanto a Europa fortalece sua coesão, os bastidores diplomáticos fervilham. Há rumores de uma reunião entre Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky em Budapeste ou Genebra, possivelmente com Trump como mediador.
Se confirmada, essa cúpula pode redefinir a guerra na Ucrânia — e, novamente, colocar a Europa diante da necessidade de agir como bloco unido, seja para apoiar Kiev, seja para reagir a concessões indesejadas.
Tabela comparativa
País / Bloco | Gasto 2024/25 | Plano estratégico |
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União Europeia | €326 bi (1,9% PIB, +30% desde 2021) | Plano de Prontidão 2030 (€800 bi); Mecanismo de Apoio à Ucrânia (€50 bi) |
OTAN (32) | Nova meta: 5% do PIB até 2035 | Revisão em 2029; Espanha com isenção parcial |
Polônia | 4,7% do PIB (2025) | Expansão maciça em blindados e defesa aérea |
Alemanha | 2% do PIB (+ fundo de €100 bi) | “Zeitenwende”: modernização estrutural |
Reino Unido | 2,5% até 2027; planos para 3% | £15 bi em ogivas + £6 bi em munições |
Suécia | 2% (2024) → 2,6% (2028) | Modernização de €27 bi até 2030 |
Dinamarca | 3% do PIB (via fundo de aceleração) | Foco em rapidez e prontidão |
Bélgica | 2% até meados de 2025 | Ajuste orçamentário para atender OTAN |
Conclusão
O paradoxo está lançado: Trump queria reduzir o peso americano, mas acabou fortalecendo a Europa. Os números mostram mais gasto, mais coordenação e mais compromisso. Mas paira a dúvida: essa união é estrutural ou apenas reativa à figura de Trump?
Se for o segundo caso, a coesão pode se dissipar após sua saída do poder. Se for o primeiro, poderemos olhar para trás e concluir que um presidente cético em relação à Europa foi, ironicamente, o maior unificador do continente desde a Guerra Fria.
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