
A Ucrânia mantém posição de destaque no comércio global de grãos e oleaginosas, mas diversos fatores – do clima às incertezas do conflito com a Rússia – ameaçam comprometer a colheita de 2025. Segundo o ministro da Agricultura, Vitaliy Koval, a produção total de grãos poderá cair até 10%, perfazendo cerca de 51 milhões de toneladas, contra as 56,7 milhões de toneladas registradas em 2024. Neste contexto, é fundamental revisitar as projeções anteriores, examinar os impactos atuais e apresentar elementos de mercado que ajudam a dimensionar as implicações para o país e para a segurança alimentar global.
Histórico de Projeções e Contraste entre Previsões de Fim de 2024 e Metas de Meados de 2025
No final de 2024, o primeiro vice-ministro Taras Vysotskiy projetou que a safra de trigo de 2025 poderia atingir até 25 milhões de toneladas, caso a área plantada chegasse a 5 milhões de hectares – patamar que se aproximaria do observado antes da invasão, em 2019, quando chegava a seis milhões de hectares. Àquela altura, muitos analistas mantinham certo otimismo quanto ao retorno parcial das áreas ocupadas ou desminadas, apostando que uma estação com clima cooperativo permitiria ganhos de produtividade.
No entanto, a visão de meio de 2025, agora com dados consolidados de semeaduras atrasadas e a persistência dos riscos de guerra, derrubou essa expectativa. Koval informou que, por causa de um inverno anormalmente quente seguido por chuvas tardias na primavera, muitas regiões atrasaram o plantio em até duas semanas, reduzindo a área efetiva cultivada e impactando o rendimento por hectare. Com isso, a projeção de trigo foi revista para 20–22 milhões de toneladas, um volume inferior ao esperado em novembro de 2024 e também menor que os 22 milhões de toneladas colhidas em 2024. Essa desaceleração ilustra como variáveis climáticas extremas – cada vez mais frequentes – alteram cenários antes considerados factíveis.
Impactos do Conflito em Terras Agrícolas e Logística
Desde a intensificação do conflito em fevereiro de 2022, a insegurança em várias regiões agrícolas (principalmente no leste e sudeste) tem reduzido a capacidade produtiva e logístico-exportadora:
- Áreas Ocupadas ou Minadas: Estima-se que até 20% das terras aráveis estejam comprometidas por ocupações ou pela presença de minas terrestres, inviabilizando plantio e colheita.
- Medo de Atacques: Produtores evitam regiões mais vulneráveis a bombardeios, diminuindo ainda mais a superfície efetivamente cultivada.
- Infraestrutura Ferroviária e Portuária: Portos do Mar Negro, como Odessa e Chornomorsk, sofreram ataques diretos ou de longo alcance, resultando em bloqueios intermitentes e obrigando a exportação por corredores alternativos via Polônia, Romênia e Eslováquia. Essas rotas terrestres, além de mais onerosas, demandam maior tempo de transporte, diminuindo a competitividade ucraniana.
Adicionalmente, o receio de interrupções no fornecimento de energia elétrica em áreas próximas ao front comprometeu operações de secagem de grãos e uso de irrigação, provocando perdas de qualidade e quantitativas após a colheita.
Desempenho Climático atípico em 2024/25 e Consequências para a Safra de 2025
O ministério ucraniano aponta como principal causa do recuo esperado uma combinação de:
- Inverno Quente e Seco: Falta de um período de frio adequado prejudicou a instalação e a sanidade das culturas de inverno (trigo e colza), reduzindo a biomassa inicial antes da primavera.
- Chuvas Prolongadas na Primavera de 2025: Em diversas regiões, especialmente no norte e centro do país, chuvas intensas impediram o começo pontual das semeaduras de milho, girassol e beterraba, atrasando o cronograma agrícola em até 14 dias. O solo encharcado dificultou o uso de máquinas, favoreceu o aparecimento de fungos, e forçou produtores a adiar a aplicação de fertilizantes e defensivos, gerando perdas potenciais de produtividade de 5% a 10% na safra de primavera.
Esses episódios extremos de chuva no outono/inverno de 2024 e primavera de 2025 não são isolados: segundo o International Grains Council (IGC) e a FAO, padrões de precipitação cada vez mais irregulares têm sido registrados na região do Mar Negro desde 2023, criando um “efeito de validação” para projeções que indicavam alto risco de queda nos rendimentos antes mesmo dos conflitos recrudescidos.
Projeções Detalhadas por Cultura para 2025
Com base nos números de maio/junho de 2025, Koval estipulou estimativas específicas para cada produto agrícola, revelando tanto retrações quanto pontos de estabilidade em relação a 2024:
- Trigo: 20–22 milhões de toneladas (contra 22,5 milhões em 2024). O resultado final dependerá da evolução do clima entre junho e agosto e dos riscos de indisponibilidade de áreas-chave para o plantio de trigo de inverno.
- Milho: 26 milhões de toneladas, frente a 30,4 milhões colhidos em 2024. A cultura, que exige solo seco durante o fim da primavera, sofreu diretamente com o atraso de semeadura imposto pelas chuvas prolongadas.
- Cevada: 4,5 milhões de toneladas (ante 5,3 milhões em 2024), puxada pelo mesmo efeito de atrasos no plantio.
- Cereais Menores (triticale, aveia, centeio, etc.): 1,5 milhão de toneladas, faixa estável se comparada aos 1,7 milhão de 2024, mas sujeita a ajustes conforme clima no período de junho/julho.
- Girassol (para óleo): 11,5 milhões de toneladas de sementes (contra 12,2 milhões em 2024). Embora tenha perdido área para culturas mais estratégicas, o girassol mantém certa resiliência devido à forte demanda internacional por óleo de girassol, do qual a Ucrânia é principal exportadora global.
- Beterraba Açucareira: 11 milhões de toneladas (próximo às 11,4 milhões de 2024), mas cortesia de áreas que evitaram atrasos significativos por contarem com sistemas de drenagem melhorados em algumas regiões do centro do país.
- Oleaginosas Totais (girassol + colza + soja): 20,16 milhões de toneladas, contra 21,18 milhões em 2024, sobretudo pela queda de 600 mil toneladas na colza, cuja semeadura de inverno foi prejudicada pela combinação de solo seco e incertezas de guerra.
Ainda que não tenha apresentado meta consolidada para o volume a ser exportado em 2025/26, analistas do mercado estimam 40,9 milhões de toneladas de embarques, incluindo 15–15,5 milhões de toneladas de trigo.
Comparação com Cenário Global de Oferta de Trigo e Implicações para Estoques Mundiais
Em abril de 2025, relatório da Reuters apontou que a perda de produção estimada na Rússia e Ucrânia poderia resultar num fornecimento global de trigo mais apertado até 2026, uma vez que esses países respondem por cerca de 30% do comércio internacional desse cereal. Mais especificamente:
- Na Rússia, apesar de previsões de leve recuperação comparada a 2024, persistem dúvidas sobre a capacidade logística e a alocação de recursos diante de sanções.
- Na Ucrânia, o esperado tombo de cerca de 10% já coloca o país a ponto de atingir níveis de produção de trigo não vistos em 13 anos, segundo entidades do setor agrário.
Com isso, a razão estoque-consumo global de trigo, que havia se recuperado parcialmente em 2024/25 (devido a estoques chineses menores e redução relativa na demanda da Ásia), poderá voltar a se deteriorar, impulsionando preços internacionais para patamares não registrados desde 2022, na esteira do choque provocado pela invasão russa. Esses ajustes de oferta tendem a ser repassados aos consumidores finais, impactando custos de alimentos em regiões importadoras na África, Oriente Médio e Sudeste Asiático.
Fatores Internos: Custos de Produção e Estratégias de Adaptação
- Fertilizantes e Insumos
- A alta de até 30% nos preços de fertilizantes potássicos, resultado tanto de limitações logísticas quanto das sanções à Bielorrússia (grande exportadora), elevou custos unitários para produtores de milho e trigo. Houve relatos de agricultores reduzindo dosagens recomendadas em 10–15%, sacrificando rendimento por hectare.
- Insumos como sementes híbridas de alta resistência foram priorizados, mas a demanda excede oferta; grupos de pesquisa agrícola ucranianos intensificaram trabalhos para liberar variedades adaptadas a regimes de menor umidade.
- Energia e Transporte
- O custo do diesel para máquinas agrícolas subiu quase 20% em 2025, reflexo da desvalorização parcial do hryvnia frente ao euro e ao dólar. Em algumas regiões, a falta de eletricidade impediu a secagem adequada dos grãos, elevando perdas pós-colheita em até 7%.
- Logística interna: com capacidade ferroviária reduzida em áreas próximas ao conflito, o tempo para escoamento de silos regionais até portos seguros aumentou em média 15 dias, baseando-se em relatórios de trade houses publicados em maio de 2025.
- Mudança na Distribuição de Culturas
- Dados de abril de 2025 indicam que a área plantada de oleaginosas (girassol, soja e colza) cresceu cerca de 5% em relação a 2024, enquanto a de milho e trigo recuou 3% e 4%, respectivamente. Essa tendência confirma análises de longo prazo que projetam “deslocamento” de parte das terras para culturas mais resistentes à variabilidade de preços e menos intensivas em logística de exportação.
- Especialistas da ONG AgroCompass sugerem que, se mantida a escalada da rentabilidade do óleo de girassol, em 2026 as oleaginosas poderão superar a área de trigo e milho pela primeira vez na história moderna do país.
Projeções de Exportações e Entrada de Moeda Estrangeira
Para o ciclo exportação 2025/26 (julho de 2025 a junho de 2026), embora o governo ucraniano não tenha anunciado números oficiais, registros de consultorias e bancos de investimento apontam:
- Trigo: 15–15,5 milhões de toneladas. O menor volume em relação a 2024/25 (quando a Ucrânia embarcou cerca de 16,2 milhões de toneladas) decorre de oferta interna mais restrita e de possíveis barreiras de importação na União Europeia.
- Milho e Cevada: entre 18–18,5 milhões de toneladas, volume inferior ao do ciclo anterior (mais de 21 milhões), mas suficiente para manter clientes tradicionais como China e Turquia.
- Oleaginosas (girassol, soja, colza): estimam-se algo em torno de 7–7,5 milhões de toneladas de sementes e óleo, manutenção de posição de liderança mundial no óleo de girassol, apesar de eventuais gargalos logísticos.
O fluxo de receita cambial advinda das exportações agrícolas, que representou quase 40% do total de exportações ucranianas em 2024, deverá diminuir proporcionalmente em 2025/26. Operadores de mercado estimam arrecadação em torno de US$ 15–16 bilhões, ante US$ 18 bilhões no ciclo anterior, segundo dados preliminares compilados pela agência AgroFin.
Ameaças Externas: Políticas Comerciais e Concorrência no Bloco Europeu
- União Europeia (UE):
- O governo ucraniano discute medidas emergenciais para mitigar possível implementação de cotas ou tarifas mais restritivas a partir de julho de 2025, período de revisão da Política Agrícola Comum (PAC). Caso Bruxelas abra mão de quotas liberais para trigo ucraniano, a cota histórica de 9,6 milhões de toneladas (usada em 2021/22) não deverá ser repetida em 2025/26.
- Concorrência ampliada: França, Alemanha e Polônia apresentaram safra de cereais até 8% superior à média histórica em 2024, assegurada por uma primavera mais seca e políticas de subsídios de transição “verdes”. Esses mercados internalizarão parte da demanda que antes cabia à Ucrânia.
- Turquia e Norte da África:
- Consideradas rotas alternativas, podem absorver parte do excedente ucraniano, sobretudo de milho. No entanto, nesses destinos, o frete pelo corredor Báltico–Mar Negro–Már Negro até portos turcos subiu 12% em um ano, nivelando custos com opções de milho brasileiro.
- Egito, tradicional maior importador mundial de trigo, mantém leilões mensais, mas tem sinalizado interesse também em ofertas argentinas, diminuindo paulatinamente a parcela adquirida de Odessa e Pivdennyi.
Ações Governamentais e Recomendações para Mitigar Riscos
Diante desse panorama, as principais frentes de ação recomendadas a produtores, governo e organismos internacionais incluem:
- Reforço de Corredores Seguros e Investimento em Infraestrutura:
- Corredores Alternativos: Consolidação de rotas terrestres (via Polônia, Eslováquia, Romênia) e fluviais (através do Danúbio) com garantias de segurança fixas, reduzindo vulnerabilidade a embargos flutuantes nos portos do Mar Negro.
- Construção de Silo-armazéns Modulares: Implantação rápida em áreas menos vulneráveis, minimizando perdas pós-colheita. O governo ucraniano já trabalha em projetos de silos dotados de sistemas de secagem de baixo consumo energético, apoiados por linhas de crédito do Banco Europeu de Investimentos (BEI).
- Subsídios e Linhas de Crédito Focalizadas:
- Seguro Agrícola Obrigatório: Expansão da cobertura para incluir danos causados por bombardeios e minas, estimulando produtores a não abandonarem determinadas regiões.
- Linhas de Crédito com Juros Zero/Baixos: Destinadas à compra de sementes tolerantes a secas e à reabilitação de sistemas de irrigação. Programas de parcerias público-privadas (PPP) para financiamento de pivôs centrais têm sido estruturados com apoio do BERD, mas ainda carecem de velocidade na execução.
- Promoção de Sistemas de Rotação de Culturas:
- Priorizar combinações de cereais e leguminosas (ervilhas, favas, lentilhas) que melhoram a fixação biológica de nitrogênio, reduzindo a dependência de fertilizantes nitrogenados.
- Diversificação comculturas de forragem em regiões onde a viabilidade de escoamento de grãos por logística terrestre estiver temporariamente comprometida. Essa estratégia ajuda a garantir alguma receita para os agricultores locais, mesmo que em patamar inferior.
- Acordos Comerciais e Diplomacia Agrícola:
- Avançar em negociações com a UE para manutenção de cota reduzida de importação de trigo e milho a tarifas domésticas, mesmo que em volume inferior aos 9,6 milhões de toneladas vigentes em 2021/22.
- Explorar mercados alternativos na Ásia Central (Uzbequistão, Cazaquistão) e Sudeste Asiático (Filipinas, Vietnã), em que a Ucrânia possui histórico de relações bilaterais fortes.
Conclusão: Equilíbrio Entre Incertezas e Potencial de Resiliência
Mesmo com a projeção de queda de 10% na safra total de grãos para 2025, o agronegócio ucraniano segue demonstrando capacidade de adaptação. As inovações – como o desenvolvimento de variedades de trigo mais resistentes ao estresse hídrico e as melhorias em práticas de armazenamento – atestam a resiliência do setor. No entanto, os desafios permanecem significativos:
- Clima instável impõe riscos de safra a cada estação;
- Conflito armado limita áreas plantadas, agrava custos de produção e constrange rotas de exportação;
- Concorrência global e possíveis mudanças em políticas comerciais elevam a incerteza de demanda.
A combinação de apoio coordenado entre governo, organismos internacionais e setor privado será crucial para que a Ucrânia atue como fornecedora confiável de grãos e oleaginosas, garantindo ao mesmo tempo a manutenção das receitas cambiais e contribuindo para a estabilidade nos mercados globais de alimentos.
Caso sobrem safras acima das projeções mais pessimistas, mesmo que parcais, a Ucrânia poderá, em 2026, retomar trajetória de expansão gradual, sobretudo se forem efetivadas ações rápidas de desminagem, reabilitação logística e ampliação de mercados alternativos. Até lá, cada megatonelada produtiva assume papel estratégico, não apenas para a economia ucraniana, mas também para a segurança alimentar de milhões de pessoas mundo afora.
Faça um comentário