Ucrânia se dispõe a negociar com a Rússia após cessar‑fogo, afirma Zelenskiy

Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky fala durante coletiva com o secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, em Odesa, Ucrânia, abril de 2025.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, discursa ao lado do secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, durante coletiva em Odesa, no sul da Ucrânia, em 15 de abril de 2025. REUTERS/Nina Liashonok

O presidente Volodymyr Zelensky declarou, ontem, terça-feira, que a Ucrânia está pronta para iniciar negociações com a Rússia assim que um acordo de cessar-fogo for formalizado e as hostilidades forem totalmente suspensas. A declaração, feita durante uma coletiva de imprensa no escritório presidencial em Kiev, reforça a estratégia do governo ucraniano de buscar uma saída diplomática para o conflito, mesmo diante de impasses complexos envolvendo questões territoriais e garantias de segurança.

Contexto do conflito

Desde a invasão russa em fevereiro de 2022, o conflito já resultou em milhares de vítimas civis, destruição de cidades e um êxodo maciço de refugiados. Segundo dados de março de 2025 do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mais de 6 milhões de ucranianos foram deslocados internamente e outros 4 milhões buscaram refúgio em países vizinhos. Relatórios de organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional, apontam ainda danos significativos em infraestruturas críticas, incluindo escolas, hospitais e redes de distribuição de energia.

Proposta de negociações pós‑cessar‑fogo

Zelensky sublinhou que, após a implementação do cessar-fogo, Kiev “está pronta a sentar-se em qualquer formato, para que não haja becos sem saída”. A declaração vem acompanhada da expectativa de que a delegação ucraniana, que se reunirá hoje, quarta-feira, em Londres com representantes dos Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha, tenha mandato para discutir tanto um cessar-fogo total quanto parcial.

“Não será possível acordar tudo rapidamente”, ponderou o presidente, ressaltando a existência de “várias questões de alta complexidade”, como

  • Território: definição de fronteiras e status de regiões ocupadas;
  • Garantias de segurança: compromissos internacionais para prevenir futuras agressões;
  • Adesão à OTAN: cronograma e critérios para eventual ingresso da Ucrânia na aliança militar.

Principais desafios

  1. Crimeia: Zelensky deixou claro que a Ucrânia não reconhecerá, em hipótese alguma, o controle de jure da Rússia sobre a península anexada em 2014, pois tal medida violaria a constituição ucraniana.
  2. Usina Nuclear de Zaporizhzhia: Kiev propõe, em parceria com os EUA, a restauração da operação da maior usina nuclear da Europa, atualmente sob ocupação russa. Apesar do interesse, ainda não houve uma proposta formal de Washington.
  3. Credibilidade das garantias: para o analista Andriy Zagorsky, do Instituto de Estudos Estratégicos de Kyiv, “a confiança mútua é praticamente nula; será preciso envolver garantias multilaterais, talvez sob os auspícios da ONU”.

Comparativo de posições: Ucrânia vs Rússia

TemaUcrâniaRússia
CrimeiaNão reconhece anexação; considera violação da constituiçãoExige reconhecimento de jure da anexação
OTANBusca cronograma e critérios claros para adesãoVê expansão da OTAN como ameaça direta
ZaporizhzhiaPropõe parceria com EUA para restauração e operação seguraMantém controle e gestão das operações
Cessar‑fogoCondição prévia para negociações em qualquer formatoDemonstra interesse em manter posições conquistadas
Garantias de segurançaPretende envolvimento de ONU ou pactos multilateraisAceita apenas garantias bilaterais ou sem terceiros

Posicionamento de analista ocidental

“A posição de Zelensky representa uma abordagem pragmática, indicando que Kiev está pronta para se comprometer em níveis diplomáticos realistas, reconhecendo que a reconstrução e a estabilidade podem avançar somente com o fim das hostilidades”, afirma Julian Marks, analista de segurança internacional do Instituto de Estudos Estratégicos (IISS) de Londres.

Papel da comunidade internacional

As negociações em Londres integram uma frente diplomática liderada pelos Estados Unidos. Em uma mudança de planos, o secretário de Estado Marco Rubio não participará; em seu lugar, o enviado especial norte‑americano, General Keith Kellogg, representará Washington. A mobilização ocorre em paralelo aos esforços de organismos como a União Europeia e a OTAN, que têm fornecido auxílio financeiro e militar significativo a Kiev desde 2022.

Agenda diplomática de Zelensky

Além de Londres, Zelenskiy anunciou encontros com líderes de diversos países:

  • Estados Unidos: possível encontro com o presidente Donald Trump durante o funeral de Sua Santidade o Papa Francisco, marcado para o final desta semana;
  • África do Sul: reunião com o presidente Cyril Ramaphosa para discutir apoio político e humanitário;
  • Espanha, Polônia e República Tcheca: conversas sobre reforço logístico e reconstrução de infraestruturas críticas.

Conclusão

A disposição ucraniana para negociar “em qualquer formato” após o cessar‑fogo sinaliza uma abertura inédita, mas o êxito dependerá de equacionar impasses históricos, como o status da Crimeia e as garantias de segurança de longo prazo. Ao mesmo tempo, o engajamento de potências ocidentais e organismos multilaterais será decisivo para transformar o cessar‑fogo em um acordo estável e sustentável, capaz de pôr fim ao maior conflito armado na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

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