
A cidade histórica de Samarkand sediou, entre os dias 3 e 4 de abril de 2025, um encontro diplomático de alta relevância geoestratégica: a Cúpula União Europeia-Ásia Central. O evento consolidou uma parceria estratégica oficial entre os 27 Estados-membros da UE e os cinco países da região da Ásia Central — Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguistão e Tadjiquistão. O acordo representa um marco inédito nas relações birregionais, com um pacote inicial de investimentos da ordem de US$ 13,2 bilhões.
Objetivos Estratégicos e Temas Prioritários
A parceria estabelecida abrange quatro eixos principais: infraestrutura, transição energética verde, segurança regional e direitos humanos. Segundo o alto-representante da UE para Relações Exteriores, Josep Borrell, a iniciativa visa consolidar a presença europeia em uma região de crescente importância estratégica, em meio à intensificação da influência da China e da Rússia.
“É um passo decisivo para assegurar uma rota de cooperação multilateral com parceiros centrais, promovendo estabilidade, prosperidade e valores democráticos”, declarou Borrell.
Investimento em Infraestrutura e Conectividade
Grande parte do aporte financeiro europeu será destinado ao desenvolvimento de corredores logísticos que integrem a região da Ásia Central aos mercados europeus por meio da Iniciativa Global Gateway, uma alternativa à Iniciativa Cinturão e Rota da China. Estão previstos projetos ferroviários, modernização de portos secos, expansão de redes de fibra óptica e digitalização de aduanas.
Esses investimentos visam transformar os países centro-asiáticos em eixos logísticos intercontinentais, reduzindo a dependência de rotas através da Rússia e fortalecendo a resiliência comercial da UE.
Transição Verde e Energia Sustentável
A área de energia é outro pilar vital da parceria. O Uzbequistão e o Cazaquistão comprometeram-se a expandir projetos de energia solar, eólica e de hidrogênio verde com suporte técnico e financeiro da UE. Além disso, a cooperação incluirá o desenvolvimento de cadeias de valor para minerais críticos essenciais à transição energética, como lítio, cobalto e urânio, com foco em responsabilidade ambiental e transparência.
Esse eixo também se alinha à agenda europeia de descarbonização e à diversificação de fontes energéticas frente às crises no fornecimento de gás russo desde a guerra na Ucrânia.
Direitos Humanos e Governança
Apesar dos desafios em matéria de direitos civis nos países da Ásia Central, a UE estabeleceu mecanismos de cooperação para promoção da liberdade de imprensa, fortalecimento do Estado de Direito e apoio às organizações da sociedade civil. Parte do financiamento europeu será canalizado para programas de educação, capacitação de funcionários públicos e intercâmbios universitários. A missão da UE também prevê monitoramento de reformas institucionais nos países-parceiros.
Vozes Locais: Apoio e Expectativas
Representantes da região demonstraram entusiasmo com a nova fase das relações. O ministro das Relações Exteriores do Cazaquistão, Murat Nurtleu, afirmou que “a parceria com a UE oferece uma oportunidade real de modernização econômica com soberania regional”. A jornalista uzbeque Saida Kurbanova destacou em artigo recente que “a cooperação europeia é vista como uma chance de equilíbrio estratégico e avanço dos direitos civis, sem o peso de dependências históricas”.
Riscos e Desafios Potenciais
Apesar do otimismo, especialistas alertam para riscos operacionais e políticos. Muitos dos países da Ásia Central apresentam estruturas estatais centralizadas, com desafios recorrentes de transparência e governança. A historiadora e analista política Erica Marat ressalta que “sem acompanhamento efetivo e mecanismos de responsabilização, parte dos recursos pode ser absorvida por sistemas ineficientes ou clientelistas”. Além disso, a competição com projetos chineses e resistência russa pode gerar tensões diplomáticas não previstas.
Reações Internacionais e Implicações Geopolíticas
A China observou com cautela os desdobramentos da cúpula, dado seu investimento massivo na região através da Belt and Road Initiative. Pequim não emitiu declarações oficiais, mas analistas apontam para uma provável intensificação da disputa de influência na região. Segundo o Instituto para Estudos Estratégicos de Almaty, a presença europeia é vista como bem-vinda por elites locais, que buscam diversificar parceiros externos.
A Rússia, tradicional aliada e influente nas ex-repúblicas soviéticas, manifestou preocupação com o “avanço ocidental” em sua área de segurança. Já os Estados Unidos saudaram a iniciativa como um contrapeso à crescente dependência da região em relação à China, especialmente em temas como segurança cibernética e cadeias de suprimento.
Atualizações Recentes
Em junho de 2025, a Comissão Europeia anunciou um fundo complementar de €1,1 bilhão para acelerar projetos de conectividade digital e lançou um plano-piloto de intercâmbio de startups entre Berlim, Tashkent e Astana. Também foi confirmado o início das obras da nova ferrovia Trans-Caspiana, que deve conectar diretamente o Uzbequistão ao porto de Constanța, na Romênia, via Azerbaijão e Geórgia.
Conclusão: Um Novo Capítulo nas Relações Europa-Ásia
O acordo firmado em Samarkand inaugura uma nova fase de engajamento político e econômico entre a União Europeia e a Ásia Central. Em um contexto global de reconfiguração de alianças e rivalidades, essa iniciativa representa uma aposta em diplomacia construtiva, diversificação de parceiros e promoção de valores compartilhados.
A consolidação dessa parceria dependerá da capacidade das partes de transformar intenções em resultados concretos, num tabuleiro geopolítico cada vez mais complexo e interdependente.
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