
O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, elevou o tom contra a postura da União Europeia diante da guerra em Gaza, classificando a resposta europeia como “um fracasso” e um dos episódios mais sombrios das relações internacionais neste século. As declarações trazem à tona não apenas a fragilidade da política externa do bloco, mas também o desgaste de sua imagem global em meio a um conflito que já deixou dezenas de milhares de mortos.
Uma crítica direta à Europa
Em entrevista ao The Guardian, Sánchez afirmou que a resposta da União Europeia representou “um fracasso coletivo, não apenas diplomático, mas também moral. A Europa não esteve à altura de sua responsabilidade histórica”.
A fala reflete um crescente mal-estar dentro da própria União Europeia, onde países apresentam posições divergentes: enquanto alguns, como Alemanha e República Tcheca, mantêm apoio firme a Israel, outros — entre eles Espanha, Irlanda e Bélgica — pedem uma postura mais dura contra Tel Aviv, incluindo a suspensão de acordos estratégicos, como já destacamos em nosso artigo sobre a Bélgica e outros países que confirmaram o reconhecimento do Estado da Palestina na ONU.
Chamado por uma suspensão da parceria com Israel
Entre as propostas de Sánchez está a suspensão da parceria estratégica entre a UE e Israel, um instrumento que regula áreas como comércio, cooperação científica e diálogo político. Para o premiê, manter este vínculo em meio à ofensiva militar israelense mina a credibilidade europeia, especialmente no Sul Global, onde cresce a percepção de que o Ocidente adota dois pesos e duas medidas quando se trata de direitos humanos e soberania.
Essa crítica se soma às constantes acusações de hipocrisia ocidental — enquanto a Europa se apresenta como defensora da legalidade internacional diante da invasão russa da Ucrânia, muitos governos mantêm silêncio ou complacência frente às ações de Israel em Gaza.
Gaza: epicentro da crise moral europeia
A guerra em Gaza, iniciada após a ofensiva do Hamas em outubro de 2023, se arrasta há quase dois anos e se transformou em um dos conflitos mais sangrentos dos últimos tempos. A ofensiva israelense, que busca eliminar a infraestrutura do grupo palestino, já devastou grande parte do território, deixando milhares de civis mortos, uma crise humanitária sem precedentes e acusações de crimes de guerra.
Segundo estimativas recentes da ONU, mais de 40 mil pessoas já morreram desde o início do conflito, a maioria civis palestinos.
Nesse cenário, a União Europeia mostrou-se dividida e lenta em sua reação, incapaz de formular uma linha diplomática clara. Para críticos como Sánchez, essa hesitação custou caro à imagem europeia no cenário internacional.
O impacto no equilíbrio interno da União Europeia
A posição de Sánchez não deve ser vista apenas como uma crítica isolada, mas como um reflexo da crescente polarização interna do bloco. De um lado, países que priorizam a relação estratégica com Israel e os EUA; de outro, aqueles que defendem maior independência europeia e uma postura mais próxima da opinião pública global, que majoritariamente condena a ofensiva em Gaza.
Essa divisão expõe as limitações da UE como ator geopolítico: embora seja uma potência econômica, o bloco continua lutando para exercer influência política equivalente em crises internacionais.
Credibilidade em jogo no Sul Global
Outro ponto central destacado por Sánchez é a erosão da influência europeia junto ao Sul Global — um espaço geopolítico cada vez mais disputado por China e Rússia. A percepção de incoerência europeia diante de Gaza fortalece o discurso desses rivais, que acusam o Ocidente de manipular princípios de direitos humanos conforme seus interesses estratégicos.
Especialistas alertam que, se a Europa não alinhar suas ações a seus próprios discursos, corre o risco de perder relevância diplomática em regiões cruciais da África, América Latina e Ásia, onde a simpatia pela causa palestina é historicamente forte.
Uma crise de identidade europeia
As declarações de Pedro Sánchez ecoam além do contexto imediato da guerra em Gaza. Elas tocam em uma questão de fundo: a crise de identidade da política externa europeia.
A UE se apresenta como defensora do multilateralismo, do direito internacional e dos direitos humanos. No entanto, diante de conflitos sensíveis — como Gaza — suas ações frequentemente ficam aquém da retórica. Essa contradição fragiliza o projeto europeu e abre espaço para críticas internas e externas.
Conclusão
A fala de Pedro Sánchez expõe com clareza a encruzilhada em que se encontra a União Europeia. Entre a lealdade estratégica aos Estados Unidos e a pressão moral da comunidade internacional, o bloco hesita em agir com unidade e firmeza.
Ao classificar a resposta europeia como “um fracasso”, o líder espanhol não apenas denuncia a passividade diante da tragédia em Gaza, mas também alerta para a necessidade urgente de uma política externa europeia coerente, capaz de sustentar o peso de seus princípios no cenário internacional.
Enquanto isso, a guerra continua e a Europa segue questionada: será capaz de transformar suas palavras em ações concretas, ou continuará refém de suas divisões internas?
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