
O navio da Guarda Costeira do Vietnã, CSB 8001, atracou em Jacarta nesta semana em um gesto que vai muito além da diplomacia simbólica. A visita, organizada para coincidir com o 70º aniversário das relações diplomáticas entre Vietnã e Indonésia, representa um marco na crescente cooperação marítima entre dois dos países mais estratégicos do Sudeste Asiático.
70 anos de relações diplomáticas: do alinhamento histórico ao pragmatismo regional
O Vietnã e a Indonésia estabeleceram laços diplomáticos formais em 1955, ainda durante a Guerra Fria. Desde então, a relação entre os dois países oscilou entre aproximações estratégicas e distanciamentos motivados por conjunturas internas e externas. No entanto, nas últimas duas décadas, Jacarta e Hanói têm consolidado uma parceria pragmática, voltada principalmente para comércio, segurança regional e governança marítima.
A escolha da Guarda Costeira vietnamita como protagonista das celebrações não é casual. Em um ambiente de crescente rivalidade no Mar do Sul da China — área que ambos os países consideram vital para sua segurança e economia —, a cooperação naval tornou-se um dos pilares centrais da relação bilateral.
O simbolismo da chegada do CSB 8001
O CSB 8001 é um dos maiores e mais modernos navios da frota vietnamita, equipado para operações de busca e salvamento, monitoramento de fronteiras marítimas e patrulhamento de zonas econômicas exclusivas (ZEEs). Sua presença em Jacarta não apenas simboliza amizade, mas também sinaliza a disposição do Vietnã em compartilhar capacidades operacionais e fortalecer a interoperabilidade com a Agência de Segurança Marítima da Indonésia (BAKAMLA).
Durante a visita, estão previstos exercícios conjuntos, seminários técnicos sobre combate à pesca ilegal, protocolos de resposta a emergências marítimas e fóruns de intercâmbio de inteligência naval.
Desafios comuns: pesca ilegal e disputas no Mar do Sul da China
A cooperação ganha ainda mais relevância porque tanto Vietnã quanto Indonésia enfrentam problemas similares de segurança marítima:
- Pesca ilegal: A Indonésia tem sido firme no combate à pesca clandestina, tendo afundado mais de 500 embarcações estrangeiras desde 2014, a maioria de bandeira vietnamita, filipina e chinesa. Já o Vietnã enfrenta perdas econômicas estimadas em US$ 1 bilhão anuais devido à pesca não regulamentada em suas águas.
- Disputas territoriais: Ambos são países do ASEAN que contestam a expansão chinesa no Mar do Sul da China, ainda que a Indonésia mantenha uma postura mais cautelosa e de mediação.
- Rotas estratégicas: Situados em pontos-chave do Indo-Pacífico, os dois países têm interesse em garantir liberdade de navegação e estabilidade regional.
Essa visita, portanto, não se limita ao intercâmbio técnico, mas reflete um alinhamento político mais amplo diante das transformações geoestratégicas na Ásia.
Perspectiva econômica: cadeias logísticas e comércio marítimo
Além da segurança, a parceria marítima entre Vietnã e Indonésia tem forte dimensão econômica. Juntas, as zonas econômicas exclusivas dos dois países cobrem mais de 5 milhões de km² de águas marítimas, atravessadas por rotas que movimentam uma parte significativa do comércio global.
- O estreito de Malaca, próximo da Indonésia, é responsável por cerca de 40% do comércio mundial por mar e mais de 60% das importações de energia da China.
- O Vietnã, por sua vez, vem se consolidando como um hub industrial e logístico no Sudeste Asiático, com exportações que ultrapassaram US$ 420 bilhões em 2024.
O fortalecimento da cooperação naval pode reduzir riscos como pirataria, contrabando e acidentes marítimos, criando um ambiente mais seguro para o tráfego comercial. Para empresas e investidores, isso significa maior previsibilidade nas cadeias logísticas e redução de custos operacionais.
O papel da ASEAN e o equilíbrio de poder no Indo-Pacífico
No contexto do Indo-Pacífico, tanto Vietnã quanto Indonésia desempenham papéis de “pivôs regionais”. A Indonésia, maior economia do Sudeste Asiático e país mais populoso da região, atua como mediadora em disputas regionais. O Vietnã, por sua vez, consolidou-se como um dos mais firmes opositores às reivindicações marítimas de Pequim.
Essa aproximação bilateral pode também fortalecer a posição da ASEAN como bloco. Diante de um cenário em que as grandes potências — como China e Estados Unidos — disputam influência no Indo-Pacífico, o estreitamento entre Vietnã e Indonésia reforça a agenda de autonomia estratégica da região.
Perspectivas futuras
Especialistas acreditam que a visita do CSB 8001 pode ser apenas o começo de uma parceria naval mais estruturada, que incluiria:
- Criação de um mecanismo conjunto de patrulha marítima.
- Expansão do intercâmbio de tecnologia e treinamento em segurança cibernética naval.
- Coordenação em fóruns multilaterais como a ASEAN Regional Forum (ARF) e o East Asia Summit (EAS).
Além disso, com o avanço das ameaças ambientais — como a poluição marinha e a degradação dos recifes de coral —, é provável que a cooperação marítima também se expanda para áreas de segurança ambiental e gestão de recursos oceânicos.
Conclusão
A visita do CSB 8001 a Jacarta transcende o campo cerimonial e se inscreve como um gesto estratégico em um momento de mudanças profundas no Indo-Pacífico. Vietnã e Indonésia, ao reforçarem sua cooperação naval, não apenas celebram sete décadas de relações diplomáticas, mas também enviam uma mensagem clara: o futuro da segurança e do comércio regional será moldado não apenas pelas grandes potências, mas também por alianças inteligentes entre atores médios que compartilham interesses e desafios comuns.
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