
A guerra na Ucrânia não é apenas um conflito regional; é um ponto de inflexão para a segurança europeia e global. Com a Rússia ocupando cerca de 20% do território ucraniano e as negociações de paz envolvendo diretamente os Estados Unidos e a Rússia, os ucranianos e seus aliados europeus estão começando a questionar a eficácia das estruturas de segurança existentes, especialmente a OTAN. Em uma conferência recente na Universidade de Cambridge, intitulada Firewalling the Future, diplomatas, acadêmicos e militares ucranianos e europeus discutiram a necessidade urgente de repensar a arquitetura de segurança do continente.
A Desconfiança na OTAN e no Papel dos EUA
A incerteza sobre o futuro da OTAN, especialmente em um cenário de possível reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, dominou as discussões. Trump já deixou claro que a proteção da OTAN não é mais um compromisso incondicional, mas sim condicional ao pagamento dos membros. Em um discurso no ano passado, ele chegou a afirmar que, se um país membro não pagasse sua parte, ele encorajaria a Rússia a “fazer o que quisesse”. Essa postura gerou um profundo ceticismo entre os ucranianos e seus aliados europeus.
“Se a OTAN não estiver presente quando realmente precisarmos, o que faremos?”, questionou uma parlamentar ucraniana cujo marido está lutando na linha de frente. A sensação geral é que a Europa precisa assumir a responsabilidade por sua própria segurança, sem depender exclusivamente dos Estados Unidos. “A Europa terceirizou sua proteção por muito tempo. Agora, a Ucrânia se tornou um parceiro de segurança valioso, disposto a lutar e a ensinar lições importantes”, acrescentou ela.
A Fragilidade do Sistema Internacional
A desconfiança não se limita à OTAN. Muitos participantes expressaram dúvidas sobre a eficácia do sistema internacional de segurança como um todo. “O mundo em que vivemos não respeita países fracos. Não tenho certeza se ainda respeitamos o direito internacional”, disse outro parlamentar ucraniano. A ideia de que a Rússia poderia manter o controle sobre a Crimeia e outras regiões ocupadas foi vista como um sinal de que a agressão pode ser recompensada, minando ainda mais a ordem global.
Um analista romeno alertou que, se a Crimeia permanecer sob controle russo, Moscou usará a península para dominar o Mar Negro e ameaçar projetos energéticos na região. “Qualquer projeto no Mar Negro será assediado pelos russos”, afirmou. Essa perspectiva reforça a necessidade de uma resposta europeia unificada e independente.
O Modelo Finlandês: Um Caminho a Seguir?
Enquanto a Europa busca alternativas, o modelo de segurança abrangente da Finlândia foi destacado como um exemplo a ser seguido. Conhecido como Comprehensive Security Model, ele envolve uma abordagem de “toda a sociedade” para a defesa nacional, com reservistas, indústria militar e civis trabalhando juntos para criar uma percepção coerente de ameaças. “Isso dá confiança ao povo. Funciona muito bem. Ninguém na Finlândia tem medo dos russos”, explicou um especialista finlandês presente na conferência.
Esse modelo poderia inspirar uma nova arquitetura de segurança europeia, onde a preparação militar e a coesão social são prioridades. A Ucrânia, com sua resistência prolongada e capacidade de mobilização, já demonstrou que uma sociedade unida pode ser uma força poderosa contra a agressão.
A China e o Papel de Mediador
A China também foi tema de discussão. Pequim inicialmente esperava que a guerra na Ucrânia fosse breve e que o presidente Volodymyr Zelenskyy fosse desacreditado. No entanto, a resistência ucraniana prolongada frustrou esses planos. Agora, a China busca se posicionar como um mediador pacífico, tentando capitalizar a divisão entre os aliados ocidentais. “Eles veem a aliança americana se fragmentando e estão tentando se beneficiar disso”, observou um especialista finlandês em relações sino-europeias.
Reconstruindo a Segurança Europeia
A conferência em Cambridge deixou claro que a Europa precisa de uma nova abordagem para sua segurança. A dependência dos Estados Unidos e da OTAN já não é mais sustentável. Em vez disso, os europeus devem buscar novas alianças e estruturas que priorizem a autossuficiência e a coesão interna. Como um parlamentar ucraniano destacou, “após a Guerra Fria, a Europa parou de se proteger. Isso foi um erro”.
A Ucrânia, com sua experiência de resistência e sacrifício, pode ser um catalisador para essa mudança. A Europa precisa acordar do “banho quente” da complacência e assumir a liderança na construção de um futuro seguro e estável. O modelo finlandês e a resiliência ucraniana oferecem caminhos possíveis, mas a vontade política e a união serão essenciais para transformar essa visão em realidade.
Enquanto o destino da Ucrânia ainda está em jogo, uma coisa é clara: o futuro da segurança europeia depende da capacidade do continente de se reinventar e de enfrentar os desafios do século XXI com coragem e determinação.
Faça um comentário