
Terremoto de 7.7 Magnitude Expõe Mudanças na Diplomacia Global e Impacto de Cortes Orçamentários Americanos
Um terremoto de magnitude 7.7 atingiu Mianmar na última sexta-feira, deixando mais de 2.800 mortos e uma paisagem de destruição em regiões como Mandalay e Sagaing. Enquanto equipes internacionais corriam para auxiliar o país do sudeste asiático, uma ausência chamou atenção: a dos Estados Unidos, outrora líder global em resposta a desastres. Em seu lugar, a China, rival geopolítico de Washington, emergiu como protagonista, enviando equipes médicas, tendas e até cães de resgate — uma movimentação estratégica que reflete uma nova ordem na assistência humanitária global.
O Terremoto e a Resposta Internacional
O sismo, cujo epicentro foi próximo a Mandalay, destruiu hotéis, escolas e monastérios, deixando milhares de desabrigados. Nas primeiras 48 horas, equipes de resgate chinesas, indianas e russas já estavam no terreno. A China destacou-se: além de prometer 100 milhões de yuans (US$ 13,76 milhões) em suprimentos, enviou dezenas de especialistas em terremotos, hospitais de campanha e até “corredores humanitários” através de áreas controladas por rebeldes — um movimento que analistas interpretam como demonstração de influência sobre tanto a junta militar quanto grupos opositores.
A Índia, por sua vez, despachou 625 toneladas de ajuda via aérea e marítima, enquanto a Rússia montou unidades móveis de saúde. “Sem a junta, não teríamos sobrevivido”, disse Ko Zaw Min, um morador de Sagaing que recebeu atendimento em uma tenda chinesa.
O Recuo dos EUA: Cortes Orçamentários e “Eficiência” de Trump
Enquanto isso, os EUA — que doaram apenas US$ 2 milhões e enviaram uma equipe de avaliação de três pessoas — enfrentam críticas por sua resposta lenta. Funcionários atuais e ex-oficiais americanos atribuem o recuo a cortes drásticos no governo Trump, que reduziram a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) a uma “casca vazia”.
“Uma USAID funcional teria ativado equipes de resgate urbano em 48 horas”, lamentou Marcia Wong, ex-diretora humanitária da agência. “Criamos um vácuo que permite que outros atores entrem.”
Sob a gestão do bilionário Elon Musk no Departamento de Eficiência Governamental, o governo Trump demitiu quase todos os funcionários da USAID e cortou contratos com parceiros terceirizados. O secretário de Estado Marco Rubio justificou as medidas como eliminação de programas que “não serviam (e às vezes prejudicavam)” os interesses americanos.
A Estratégia Chinesa: De “Vilão” a “Salvador”
A presença chinesa em Mianmar é historicamente controversa. Pequim é o principal aliado da junta militar, que assumiu o poder em 2021 após um golpe contra o governo democraticamente eleito de Aung San Suu Kyi. Em 2024, 65% dos birmaneses desconfiavam de Pequim, segundo pesquisa do ISEAS-Yusof Ishak Institute.
No entanto, o terremoto virou o jogo. Vídeos de socorristas chineses retirando sobreviventes dos escombros viralizaram, acompanhados de hashtags como #ObrigadoChina. Até a oposição ao regime — representada pelo Governo de Unidade Nacional (NUG) — agradeceu publicamente. “Temos profunda gratidão pelas equipes internacionais”, disse um porta-voz do NUG.
A mídia estatal chinesa amplificou a narrativa. A CGTN, emissora global de Pequim, transmitiu ao vivo de Mandalay, enquanto a Xinhua publicou fotos de ajuda sendo descarregada na fronteira de Yunnan.
Logística e Geopolítica: O Corredor Chinês
A decisão de enviar ajuda por terra — através de áreas rebeldes — revelou a dupla face de Pequim. “A China mostrou que mantém diálogo tanto com a junta quanto com os insurgentes”, explicou Sai Tun Aung Lwin, analista de relações sino-birmanesas. Um comboio da Cruz Vermelha chinesa, porém, foi alvejado pela junta em uma área de conflito, sem vítimas.
Para Pequim, Mianmar é crucial: é a porta de entrada para o Oceano Índico e um parceiro na Iniciativa Cinturão e Rota. “Ajudar agora fortalece a influência chinesa a longo prazo”, disse um diplomata asiático sob anonimato.
O Futuro da Influência Americana
Apesar dos cortes, os EUA mantêm laços com a oposição através de fundos para a democracia. Mas 28 programas de ajuda já foram cancelados, segundo documentos do Congresso. “Nossa capacidade de confrontar a China depende de nossa influência aqui”, alertou Scot Marciel, ex-embaixador americano em Mianmar.
Enquanto a China capitaliza a crise, especialistas temem um novo padrão: desastres naturais como palco de disputas geopolíticas.“Esta é a nova realidade sob Trump¨, resumiu Wong. “Os EUA estão entregando espaço a rivais em troca de ‘eficiência’.”
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