
Em um movimento estratégico que visa consolidar a França como polo central de pesquisa e inovação, o presidente Emmanuel Macron fez, no dia 18 de abril de 2025, um convite aberto a cientistas de todas as partes do mundo para virem trabalhar na França — ou em qualquer país da Europa disposto a acolhê-los — diante dos cortes maciços de recursos destinados a universidades e centros de pesquisa anunciados pela nova administração dos Estados Unidos. Em postagem na plataforma X, o presidente declarou:
“Aqui na França, a pesquisa é uma prioridade, a inovação é uma cultura, a ciência é um horizonte sem limites. Pesquisadores de todo o mundo, escolham França, escolham Europa!”.
Contexto dos cortes e impacto nos EUA
A iniciativa francesa acontece justamente quando a administração Trump começou a impor cortes expressivos no financiamento federal a instituições de ensino superior, resultando na demissão de centenas de pesquisadores e no fechamento de programas de pesquisa considerados estratégicos pelas universidades americanas. As justificativas oficiais incluem a repressão a protestos pró-Palestina em campi universitários, mas críticos afirmam que tais medidas visam intimidar a livre expressão e minar a autonomia acadêmica. Organizações como a Human Rights Watch chegaram a recomendar o fim imediato dessa política de prisões e deportações de estudantes e acadêmicos internacionais, qualificando-a como uma violação aos direitos civis e ao devido processo legal.
Choose France for Science’: a plataforma de mobilidade
Para transformar o desafio em oportunidade, a França lançou a plataforma “Choose France for Science”(Escolha a França para a ciência), gerida pela Agência Nacional de Pesquisa (ANR), que permite a cofinanciamento de projetos que acolham pesquisadores estrangeiros em universidades, grandes escolas e centros de pesquisa franceses. As áreas prioritárias incluem pesquisa em saúde, mudanças climáticas e biodiversidade, inteligência artificial, estudos espaciais, agricultura, energia de baixo carbono e sistemas digitais. Instituições interessadas devem submeter propostas detalhadas, descrevendo o perfil dos cientistas a serem recebidos e os resultados esperados em termos de publicações, patentes e colaborações internacionais.
Defesa da liberdade acadêmica
Em nota oficial, a ANR afirmou que “a França está comprometida em resistir aos ataques à liberdade acadêmica em todo o mundo”, destacando que o contexto internacional gera uma onda de mobilidade inédita entre pesquisadores, e que a Europa deve capitalizar esse fluxo para reforçar sua base científica. Grupos como a AAUP (American Association of University Professors) defenderam veementemente o direito de protesto pacífico e a expressão de opiniões políticas nos campi, condenando ações governamentais que busquem calar vozes discordantes.
Tendências globais de mobilidade científica
Segundo o Relatório de Ciência da UNESCO 2021, o número de pesquisadores em regime de tempo integral cresceu 21% de 2007 a 2013, chegando a 7,8 milhões de equivalentes em tempo integral, e a mobilidade internacional de cientistas tornou-se um fenômeno cada vez mais relevante para o avanço tecnológico e acadêmico. Mais recentemente, o Global Mobility of Research Personnel Report 2023, publicado pelo UK Research and Innovation, indicou que, entre 2018 e 2022, houve um aumento de 15% no deslocamento de pesquisadores da América do Norte para a Europa, destacando que políticas de atração e financiamento, como a francesa, têm papel central nesse crescimento.
Relatos de pesquisadores beneficiados
- Dra. Sara Müller, bióloga molecular alemã que se estabeleceu em Lyon em 2024 por meio de programa similar à ANR, relata: “Encontrei na França toda a infraestrutura necessária para meu projeto sobre edição gênica, além de financiamento estável e rede de colaborações abertas. Aqui não há medo de represálias por questões políticas.”
- Dr. Miguel Torres, físico teórico brasileiro, transferiu-se para o Instituto de Física Fundamental em Paris após receber bolsa pública-privada em 2023: “A parceria entre meu laboratório e a empresa TotalEnergies permitiu acesso a fundos que nunca teria no Brasil. Isso acelerou minhas publicações e abriu portas para startups de energia limpa.”
Impacto das parcerias público-privadas
A colaboração entre setor público e privado tem se mostrado um forte atrativo para pesquisadores que buscam além do apoio governamental, também financiamento privado. Programas como o Campus Industriel em Grenoble, que reúne CNRS, universidades locais e empresas como Schneider Electric, já resultaram em mais de 120 patentes desde 2021 e na criação de 5 startups de base tecnológica focadas em energia renovável. Esse modelo estimula a transferência de tecnologia e a inovação aplicada, atraindo cientistas interessados em ver suas pesquisas transformarem-se em produtos e serviços reais.
Desafios e perspectivas futuras
Apesar do otimismo, persistem barreiras logísticas como reconhecimento de diplomas, vistos de longa duração e adaptação cultural. A ANR anunciou parcerias com o Campus France para agilizar vistos e acomodações, além de convênios com hospitais e empresas para estágios pós‑doutorais. O Relatório de Mobilidade de 2023 reforça que suporte à família dos pesquisadores e programas de integração linguística são fundamentais para o sucesso dessas iniciativas.
Conclusão
Com o compromisso público de Macron e o lançamento do “Choose France for Science”, a França envia uma mensagem clara aos Estados Unidos e ao mundo: pretende ser a guardiã da liberdade acadêmica e a potência científica capaz de acolher mentes brilhantes de todas as origens. Se bem-sucedida, a estratégia deve posicionar a Europa como o destino predileto de cientistas em busca de estabilidade, recursos e autonomia intelectual, redefinindo o mapa global da ciência.
Faça um comentário