
Em meio a um dos períodos mais críticos de insegurança alimentar das últimas décadas, o Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP) anunciou a suspensão imediata do tratamento nutricional para 650 000 mulheres e crianças vulneráveis na Etiópia. A decisão, motivada por uma lacuna de financiamento estimada em US$ 222 milhões entre abril e setembro de 2025, coloca em risco a vida de milhões de etíopes e evidencia a urgência de novas doações internacionais.
A escala da crise
- 2 milhões de mães e crianças originalmente previstas para receber assistência nutricional em 2025 ficarão desassistidas.
- 3,6 milhões de pessoas correm o risco de perder acesso a qualquer ajuda alimentar nas próximas semanas.
- Até 1 milhão de refugiados poderão ter seu auxílio interrompido em junho sem novos recursos.
Fatores agravantes
A conjunção de conflito, instabilidade política e seca prolongada tem sido apontada pelo WFP como catalisadora do agravamento da fome na Etiópia. A nação, com mais de 130 milhões de habitantes, ainda lida com as consequências da guerra em Tigray (2020–2022), que deixou um saldo de pelo menos 600 000 mortos. As recentes tensões com a Eritreia e a violência persistente na região de Amhara seguem obstruindo corredores humanitários.
Citações de especialistas e representantes de ONGs
“Estamos diante de uma emergência sem precedentes. Sem financiamento rápido, mulheres e crianças gravemente desnutridas simplesmente não receberão o tratamento que pode salvá-las,” afirma Denise Brown, Diretora Regional do WFP para a África Oriental.
“As rodovias bloqueadas e a insegurança estão tornando impossível distribuir alimentos onde mais se necessita,” destaca Samuel Tesfaye, coordenador da ONG etíope ReliefNow, que atua em campos de deslocados internos perto de Gondar.
Impacto nos direitos humanos
A interrupção da assistência nutricional fere diretamente o direito à alimentação, consagrado em convenções internacionais das quais a Etiópia é signatária. Mulheres grávidas e lactantes enfrentam riscos acrescidos de complicações obstétricas, enquanto crianças menores de cinco anos podem sofrer danos irreversíveis de desenvolvimento físico e cognitivo. Segundo a Anistia Internacional, a crise alimentar em larga escala configura uma violação dos direitos humanos básicos.
Histórias pessoais de quem sofre na pele
Aisha Mohammed, de 28 anos, refugiada do conflito no Sudão, relata:
“Perdemos tudo quando cruzamos a fronteira. Meus dois filhos ficaram doentes por falta de leite infantil. Sem ajuda, temo que não sobrevivam ao próximo mês.”Habtamu Alemu, agricultor de Amhara, conta:
“A seca me tirou a colheita. Se não chover até maio, não terei o que vender para comprar comida. Já estou recorrendo a sacrifícios humanos — vendendo meus animais.”
Desafios logísticos e climáticos
Ataques em estradas-chave elevam o custo de transporte em até 40% em relação a 2024. Projeções meteorológicas apontam chuvas abaixo da média até maio no sudeste do país, ameaçando colheitas de subsistência e necessário reabastecimento de estoques humanitários.
Soluções de longo prazo
- Infraestrutura agrícola: Investir em sistemas de irrigação e armazenamento para reduzir a dependência das chuvas sazonais.
- Educação nutricional: Programas comunitários que ensinem práticas de alimentação saudável e diversificação de culturas locais.
- Prevenção de crises: Fortalecer redes de vigilância precoce de seca e insegurança alimentar, permitindo respostas rápidas antes do colapso.
- Parcerias público‑privadas: Mobilizar financiamento estável de bancos de desenvolvimento e empresas agrícolas para projetos de resiliência.
Perspectivas
O WFP faz um apelo urgente ao G7, à União Europeia e a grandes doadores privados para preencher a lacuna de US$ 222 milhões até o início de junho de 2025. Sem esse aporte, além da interrupção do tratamento de 650 000 mulheres e crianças, a esperança de estabilização alimentar de 3,6 milhões de pessoas ficará comprometida. Uma resposta coordenada, integrando esforços emergenciais e programas estruturais, é crucial para evitar que a Etiópia se afunde em uma crise humanitária ainda mais profunda.
Conclusão
A suspensão da ajuda nutricional pela ONU expõe vulnerabilidades no sistema de financiamento humanitário global e ressalta a necessidade de mecanismos mais robustos. Conflitos contínuos, secas severas e barreiras logísticas requerem não só doações imediatas, mas também investimentos de longo prazo em infraestrutura, educação e monitoramento. Só assim será possível garantir o direito fundamental à alimentação e construir a resiliência necessária para futuras emergências.
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