
No dia 3 de junho de 2025, após uma votação extraordinária marcada por um comparecimento histórico, Lee Jae-myung, candidato do Partido Democrático, foi projetado como vencedor da eleição presidencial sul-coreana realizada em caráter extraordinário. A disputa aconteceu exatos seis meses depois de o então presidente Yoon Suk Yeol ter declarado lei marcial — medida rechaçada imediatamente pelo parlamento — e culminou no impeachment de Yoon pelo Tribunal Constitucional em abril de 2025. O pleito refletiu não apenas um embate ideológico, mas sobretudo uma resposta popular ao que muitos eleitores classificaram como ameaça autoritária à democracia do país.
Eleição e resultados oficiais
A eleição foi convocada para 3 de junho de 2025, em cumprimento à exigência constitucional de que um novo presidente seja escolhido em até 60 dias após a vacância permanente do cargo. Com 44,39 milhões de eleitores registrados, o comparecimento atingiu 79,38%, o maior índice desde 1997. Logo após o encerramento das urnas, as pesquisas de boca de urna das principais emissoras (KBS, MBC, SBS) indicaram vitória de Lee Jae-myung com 51,7% dos votos contra 39,3% de Kim Moon-soo, do Partido do Poder do Povo (PPP), e 7,7% de Lee Jun-seok, do Partido da Reforma.
Na contagem oficial, Lee obteve 16.976.581 votos (49,25%), Kim ficou com 14.269.949 (41,40%) e Lee Jun-seok alcançou 2.847.143 (8,26%). A diferença entre resultados de boca de urna e totais oficiais — sobretudo a queda de Lee de 51,7% para 49,25% — reflete o impacto dos votos tardios e confirma a vitória com margem de aproximadamente 7,8 pontos percentuais. Poucas horas após a certificação pelo National Election Commission (Comissão Nacional Eleitoral), Kim Moon-soo concedeu oficialmente a derrota, permitindo uma transição pacífica de poder.
Análise do pleito e participação eleitoral
A alta participação — próxima a 80% dos eleitores registrados — sinalizou um engajamento cívico influenciado pela comoção em torno da decretação de lei marcial e do subsequente ambiente de crise política. Segundo as pesquisas de saída, Lee Jae-myung conquistou 72,7% dos votos entre eleitores de 40 a 49 anos e 69,8% entre os de 50 a 59, refletindo forte apoio nas faixas etárias que vivenciaram as turbulências políticas recentes. Por sua vez, Kim Moon-soo apresentou desempenho superior entre os eleitores acima de 60 anos, alcançando 48,9% nesse segmento nos exit polls.
A participação recorde desde 1997 indica que a opinião pública entendeu o pleito como decisivo para o futuro da democracia — tanto que Lee apelidou o processo eleitoral de “dia do juízo” contra a lei marcial e o que classificou como “fracasso do PPP em se dissociar dessa tentativa”. Além das diferenças geracionais, houve clara divisão de gênero: mulheres jovens (18–29 anos) demonstraram maior inclinação a Lee, enquanto jovens homens se dividiram entre Kim (36,9%) e Lee Jun-seok (37,2%).
Implicações políticas e sociais
A derrota do PPP e a vitória de Lee Jae-myung consolidam um repúdio explícito da sociedade à tentativa de imposição de lei marcial de dezembro de 2024. Ao inverter o pleito em favor de um candidato identificado com oposição a Yoon Suk Yeol, o eleitorado enviou mensagem clara sobre a rejeição ao autoritarismo e à suposta concentração excessiva de poder no Executivo. A manutenção dos mecanismos institucionais — com a Assembleia Nacional anulando a lei marcial em até duas horas e o Tribunal Constitucional confirmando o impeachment em abril de 2025 — demonstrou resiliência democrática, apesar dos riscos enfrentados nos meses anteriores.
Entretanto, o processo eleitoral expôs facções polarizadas na sociedade. O clima de polarização ficou evidente em confrontos verbais e incidentes de violência política durante comícios, assim como no debate público dominado por acusações mútuas de autoritarismo. Kim Moon-soo chegou a qualificar Lee de “ditador” e acusar o DP de formar um “monstro capaz de legislar arbitrariamente”. Ao mesmo tempo, Lee enfrentará resistência tanto de simpatizantes de Yoon quanto de setores empresariais que temem aumentos de tributos e maiores regulações.
Outra dimensão relevante foi a ausência de candidatas mulheres — fato inédito em 18 anos — e a baixa atenção dada a políticas de igualdade de gênero e direitos de minorias. Jovens eleitores do sexo feminino declararam frustração com a falta de propostas voltadas especificamente a esses grupos, indicando um vácuo no debate eleitoral sobre questões identitárias e sociais que podem ressurgir no governo de Lee.
Cenário econômico e geopolítico
A nova administração assume a economia sul-coreana em desaceleração. Embora o país mantenha vantagem em setores tecnológicos e automobilísticos, há preocupações sobre a redução no ritmo de crescimento e tensões comerciais com os Estados Unidos, sobretudo no segmento de semicondutores. Lee Jae-myung propôs um pacote de estímulo de US$ 20,6 bilhões para setores estratégicos, iniciativa que visa modernizar a economia e reduzir desigualdades, mas que aumenta a pressão sobre as contas públicas no curto prazo.
Nas relações externas, o novo presidente sinalizou manutenção da aliança com Washington — considerando essencial a cooperação em defesa contra ameaças norte-coreanas — ao mesmo tempo em que pretende retomar negociações econômicas com a China, cuja relação se deteriorou nos últimos anos devido a disputas de tecnologia avançada. O equilíbrio entre esses dois gigantes será crucial para evitar retaliações comerciais que prejudiquem a indústria de semicondutores e o setor automobilístico sul-coreano.
No diálogo com a Coreia do Norte, Lee afirmou a intenção de retomar iniciativas diplomáticas, embora reconheça o ceticismo em torno da disposição real de Pyongyang. Sua estratégia de “pragmatismo equilibrado” prevê a manutenção de sanções enquanto se busca canais mínimos de comunicação para reduzir riscos de escalada militar na península.
Perspectivas de governo
Reconciliação e coesão social
Em discurso pós-eleição, Lee destacou que tratará de “curar as feridas sociais” deixadas pela tentativa de lei marcial e pela posterior crise política. Para isso, planeja criar comitês multipartidários de diálogo e programas de inclusão para regiões mais afetadas pela recessão. Seu objetivo é reduzir a polarização por meio de políticas que promovam bem-estar e solidariedade, com foco em classes médias e baixas.
Reformas institucionais e combate à corrupção
Historicamente, Lee defendeu limites mais rigorosos à influência dos chaebols (grandes conglomerados) na política e processos de fiscalização mais ativos. No entanto, críticos o acusam de agir com viés político em investigações anteriores. O novo governo precisará garantir que reformas institucionais, como possíveis mudanças no sistema eleitoral e na estrutura do Ministério Público, contemplem salvaguardas à imparcialidade e ao devido processo legal.
Políticas sociais e econômicas
No âmbito social, Lee propôs ampliação do acesso a serviços de saúde universais e investimentos em educação técnica, além de um Sistema de Renda Básica Universal (marcação de valores reduzidos para famílias vulneráveis) para mitigar a pobreza extrema. Para financiar tais iniciativas, planeja elevar impostos sobre altas faixas de renda e aumentar tributos corporativos, o que pode desencadear resistência de empresas e setores que já pressionam pela redução de regulações.
Desafios na arena externa
A administração de Lee enfrentará o desafio de preservar a aliança tradicional com os EUA em meio a pressões protecionistas da nova gestão norte-americana, enquanto negocia uma retomada de laços econômicos com a China. A tensão entre Washington e Pequim por cadeias de suprimento de semicondutores coloca Seul numa posição delicada, exigindo habilidade diplomática para equilibrar interesses e evitar sanções que prejudiquem a competitividade sul-coreana.
Conclusão
A eleição de junho de 2025 representou um divisor de águas para a Coreia do Sul. Lee Jae-myung, ao assumir a presidência num contexto de evidente desconfiança em relação ao risco de retrocessos autoritários, transmite o sinal de que a sociedade busca reafirmar a resiliência democrática. A combinação de alta participação eleitoral e rejeição explícita à lei marcial impõe à nova administração a tarefa de promover reconciliação, avançar em reformas institucionais e gerir uma agenda econômica complexa, marcada por tensões externas e desafios internos de desigualdade.
Se, por um lado, o cenário geopolítico requer equilíbrio entre grandes potências e cautela no diálogo com o Norte, por outro, a coesão interna depende de políticas que reduzam a polarização e reconstruam a confiança nos órgãos estatais. Os próximos meses serão decisivos para que Lee transforme as demandas populares — expressas no que ele chamara de “dia do juízo” contra ameaças autoritárias — em ações concretas, evitando novas crises e projetando o país em direção a maior estabilidade política, crescimento econômico e inclusão social.
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