Ambições Marítimas da China no Pacífico: Demonstração de Capacidades da Guarda Costeira e Perspectivas de Patrulhamento em Alto-Mar

Equipe da Guarda Costeira dos EUA e autoridades de Vanuatu abordando um barco pesqueiro na Zona Econômica Exclusiva de Vanuatu, Pacífico Sul, em fevereiro de 2024.
Equipe de abordo do U.S. Coast Guard Cutter Harriet Lane (WMEC 903), junto com oficiais do Departamento de Pesca e da Polícia Marítima de Vanuatu, iniciando uma fiscalização em uma embarcação pesqueira na Zona Econômica Exclusiva de Vanuatu, no Oceano Pacífico Sul, em 26 de fevereiro de 2024. Crédito: Senior Chief Petty Officer /Reuters

No início de junho de 2025, autoridades de várias nações insulares do Pacífico revelaram que a China iniciou um esforço sistemático para ampliar seu alcance de aplicação da lei marítima nas águas internacionais do Pacífico Ocidental e Central. Durante uma visita à cidade de Xiamen, em Fujian, ministros de dez países do Fórum das Ilhas do Pacífico (Pacific Islands Forum) foram convidados a embarcar no Haixun 06, um dos maiores navios da Guarda Costeira Chinesa (CCG), para acompanhar demonstrações de operações de emergência marítima e capacidade de patrulha de longa duração. Até então, essas embarcações eram utilizadas sobretudo para fazer valer reivindicações chinesas no Estreito de Taiwan, sinalizando agora que Beijing almeja iniciar operações formais de inspeção em alto-mar, cenário já patrulhado por Estados Unidos, Austrália, França e Nova Zelândia.

Lideranças de organismos como a Forum Fisheries Agency (FFA) — responsável pela coordenação de esforços contra a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) em nome de 18 Estados insulares — interpretaram essa iniciativa chinesa como uma indicação clara de que a China pretende se tornar um ator relevante na fiscalização das valiosas pescarias de atum daquela região. Segundo Allan Rahari, diretor de Operações de Pesca da FFA, “receber os líderes e demonstrar capacidades em termos de operações marítimas é um claro indício de que eles querem ocupar esse espaço”. Historicamente, a FFA conta com apoio logístico e de inteligência de frotas navais e aéreas da Austrália, dos Estados Unidos, da França e da Nova Zelândia. Para as nações insulares, a entrada de um novo ator com grande capacidade tecnológica e alcances geográficos aprimorados representa tanto uma oportunidade de ampliar a fiscalização contra a pesca ilegal quanto um desafio diplomático, diante da necessidade de equilibrar parcerias tradicionais e o crescente poder de Beijing.

Demonstração no Haixun 06 e Capacidades Técnicas

O Haixun 06 faz parte da classe Zhaotou de navios-patrulha da Guarda Costeira Chinesa, medida em cerca de 165 metros de comprimento e com deslocamento próximo a 12.000 toneladas — superando, em termos de tonelagem, várias das embarcações mais modernas do U.S. Coast Guard (USCG). Dotado de autonomia para operar até 60 dias consecutivos ou cobrir aproximadamente 18.500 km sem necessidade de reabastecimento, o Haixun 06 representa o esforço chinês de desenvolver uma guarda costeira de padrão “blue-water”, capaz de atuar em alto-mar por períodos prolongados.

Em Xiamen, durante os primeiros dias de junho de 2025, ministrantes acompanharam exercícios que incluíram operações de helicóptero embarcado, implantação de botes salva-vidas, manobras de desatracação de embarcações suspeitas e demonstração de equipes de abordagem. Essas atividades destacaram a capacidade de projeção de força e resistência de patrulha, deixando evidente que a China prepara seus meios para atuação em áreas oceânicas distantes de suas próprias costas.

Paralelamente, representantes chineses passaram a participar ativamente das discussões na Comissão das Pescarias do Pacífico Ocidental e Central (WCPFC) sobre regras de embarques e inspeções em alto-mar. Em 2024, Beijing registrou 26 navios da CCG no âmbito do WCPFC para conduzir abordagens e fiscalizações em alto-mar. Até meados de 2025, entretanto, não houve notificação oficial de que qualquer embarcação chinesa tenha efetivamente realizado inspeção sob essa égide. Autoridades chinesas defenderam uma revisão das diretrizes de consentimento para embarques — apontando lacunas que dificultariam a ação contra embarcações registradas sob a bandeira de Taiwan (China Taipei) ou de outros países que não reconhecem o domínio chinês em certas áreas marítimas.

Protocolo de Embarque em Alto-Mar e Registro no WCPFC

Segundo as Medidas de Conservação e Gestão (CMMs) da WCPFC, toda embarcação fiscalizadora deve obter autorização explícita do Estado de bandeira do navio-alvo antes de conduzir qualquer abordagem, revista ou inspeção. Na prática, esse mecanismo de consentimento pode se arrastar por dias e, em situações de tensão política, até inviabilizar a operação. No caso de uma embarcação da CCG tentar abordar uma unidade taiwanesa, esse cenário torna-se particularmente delicado, visto que Pequim se recusa a reconhecer a soberania taiwanesa.

Para o ano de 2024, os 26 navios chineses registrados pela WCPFC colocaram a China atrás apenas dos Estados Unidos e da Austrália em termos de capacidade nominal para realizar inspeções em alto-mar. No entanto, a decisão de Beijing de não informar qualquer ação de fiscalização até o momento indica que restam debates internos sobre como lidar com as exigências de consentimento e os possíveis embaraços diplomáticos que uma campanha formal de abordagens chinesas poderia gerar. Em março de 2025, delegados chineses participaram de uma conferência virtual liderada pela Austrália com foco no fortalecimento das diretrizes — porém manifestaram objeções a pontos que dificultariam suas operações, como o veto de bandeira em inspeções contra embarcações registradas em Taiwan.

Espaço de Fiscalização na Região e Dados de Infrações

O Pacífico Ocidental e Central (WCPO) abriga a maior pesca de atum do mundo, com valores comerciais na casa dos bilhões de dólares anuais. Atualmente, o monitoramento e a repressão à pesca INN nessa área envolvem:

  • EUA: unidades do U.S. Coast Guard (por exemplo, o USCGC Harriet Lane) atuam sob acordos bilaterais de aplicação da lei em várias ilhas do Pacífico.
  • Austrália: a Marinha Real Australiana e a Força Aérea conduzem patrulhas conjuntas em cooperação com a FFA.
  • França: navios patrulha provenientes da Nova Caledônia e da Polinésia Francesa realizam fiscalizações periódicas.
  • Nova Zelândia: a Esquadra Marítima apoia países insulares por meio de pactos de defesa e segurança.

Dados oficiais do WCPFC apontam que, de 2008 até meados de 2025, embarcações de bandeira chinesa responderam por 158 infrações—o que corresponde a cerca de 46% das abordagens realizadas por inspetores da WCPFC (incluindo EUA, França e Austrália). As frotas taiwanesas registraram 233 infrações no mesmo período, posicionando-se como a frota mais autuada na região .

Esses números expõem uma lacuna persistente de fiscalização: apesar de patrulhas coordenadas, a pesca ilegal continua elevada. Um exemplo recente ocorreu em 2024, durante a primeira patrulha do USCG em águas de Vanuatu, quando autoridades locais abordaram diversas embarcações chinesas e constataram infrações, resultando em críticas públicas de Beijing ao que qualificou como “interferência unilateral”.

Alianças e Acordos de Segurança dos Estados Insulares

Embora a presença chinesa como parceiro econômico e de fomento pesqueiro atraia certas nações insulares, ela também desperta preocupações entre tradicio­­nais aliados ocidentais. No caso de Papua Nova Guiné (PNG), um tratado de defesa com a Austrália, assinado em 2023, permitiu a instalação de bases australianas em território guineense e conferiu ao USCG o direito de realizar patrulhas regulares em sua zona econômica exclusiva (ZEE) de 2,7 milhões de km². Em junho de 2025, o ministro das Relações Exteriores de PNG, Justin Tkatchenko, confirmou que a delegação que visitou o Haixun 06 não discutiu explicitamente patrulhas chinesas em águas de PNG, mas ressaltou que Port Moresby mantém negociações para renovar seu pacto de defesa com a Austrália, reforçando o compromisso de evitar a hegemonia de um único parceiro externo.

Fiji, em maio de 2025, aprovou um novo acordo de segurança marítima com a Austrália, permitindo maior acesso de meios australianos à sua zona costeira. Nauru, por sua vez, celebrou em dezembro de 2024 um tratado que obriga o país a notificar Canberra antes que qualquer navio de guerra chinês visite seus portos. Apesar de a emissora estatal de Nauru ter destacado a importância da cooperação marítima com a China ao divulgar imagens do exercício no Haixun 06, as obrigações contratuais de Nauru com a Austrália restringem qualquer acesso naval chinês não coordenado.

Esses arranjos evidenciam um padrão de “multipolaridade” na relação entre ilhas do Pacífico e potências externas. Ao buscar parcerias de segurança tanto com a China quanto com Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia, os governos insulares pretendem maximizar recursos de vigilância e fiscalização sem se submeter exclusivamente a uma única potência.

Repercussões Potenciais: China, Taiwan e Estados Unidos

Um ponto de tensão latente é o possível contato direto entre embarcações da CCG e frotas taiwanesas. A Guarda Costeira de Taiwan (Taiwan Coast Guard) patrulha águas próximas, e suas embarcações, registradas sob a bandeira China Taipei, estão sujeitas a inspeções da WCPFC com consentimento prévio de Taipei. Caso o Haixun 06 ou outro navio similar tente proceder a um embarque em uma embarcação taiwanesa, a negativa de Pequim em reconhecer Taiwan como Estado soberano criaria um impasse diplomático, pois, formalmente, a WCPFC exige autorização do Estado de bandeira antes de qualquer inspeção.

Além disso, o U.S. Coast Guard, que ampliou substancialmente suas patrulhas no Pacífico em 2024 e 2025, assinou acordos de aplicação da lei marítima com pelo menos uma dúzia de países insulares, incluindo Vanuatu, Fiji e Ilhas Salomão. Quando, em 2024, as autoridades de Vanuatu realizaram embarques em navios chineses com o respaldo do USCG, Beijing classificou a ação como “interferência ilegal”. Assim, qualquer enfrentamento entre CCG e frotas taiwanesas poderia atrair diretamente a atenção dos EUA, potencialmente intensificando tensões sino-americanas no confronto pelo controle de rotas e recursos pesqueiros.

Parcerias de Pesca e Alavancagem Econômica

Apesar do caráter potencialmente conflituoso de sua presença militar, a China permanece como o principal parceiro comercial e fonte de subsídios de pesca para várias ilhas do Pacífico. Beijing oferece projetos de infraestrutura portuária, facilidades logísticas de reabastecimento e assistência técnica para captura e processamento, em troca de cotas de pesca acessíveis.

Exemplos recentes mostram:

  • Vanuatu: negociações avançadas para firmar acordos bilaterais que permitiriam patrulhas costeiras chinesas, condicionadas à concessão de quotas e suporte na construção de cais de desembarque.
  • Ilhas Salomão: após o pacto de segurança de 2022 com a China, considerou-se a possibilidade de autorizar operações de busca e salvamento chinesas em parte de sua ZEE.
  • Papua Nova Guiné e Fiji: continuam a receber financiamentos chineses para aquisição de equipamentos de monitoramento costeiro, ao mesmo tempo em que mantêm acordos de defesa com países ocidentais.

Segundo Allan Rahari, essa relação dual — de provedor de recursos pesqueiros e potencial ator fiscalizador — complica a equação dos governos insulares. Embora a CCG disponha de meios tecnológicos avançados, a coordenação entre diferentes atores é essencial para evitar sobreposição de atividades e garantias de transparência, sob pena de minar a cooperação regional.

Desafios Jurídicos e Operacionais em um Espaço de Fiscalização Concorrido

O WCPO, com mais de 20 milhões de km², concentra as principais pescarias de atum do planeta: atum rabilho (bluefin), atum patudo (bigeye), atum-amarelo (yellowfin) e albacora (skipjack). Nele operam simultaneamente embarcações de múltiplos Estados, mas ainda persistem lacunas de fiscalização. Entre os principais obstáculos estão:

  1. Juridições Sobrepostas: muitas áreas de alta densidade de pesca ficam em zonas limites entre águas territoriais, ZEE e alto-mar, exigindo protocolos bem definidos de responsabilidade e coordenação entre patrulhas de diferentes países.
  2. Atrasos no Consentimento de Bandeira: a necessidade de obter autorização formal de cada Estado de bandeira antes das inspeções pode levar dias, permitindo que embarcações suspeitas se desloquem antes de qualquer abordagem.
  3. Tensões Diplomáticas: embarques em navios chineses ou taiwaneses frequentemente geram protestos oficiais, dificultando relações de longo prazo entre Estados insulares e seus parceiros.
  4. Duplicação de Recursos: a presença concomitante de navios da Guarda Costeira Chinesa, USCG, marinhas australiana, neozelandesa e francesa pode gerar zonas de patrulha concorrentes, resultando em percursos redundantes ou até riscos de acidentes navais em espaços ocupados por múltiplas embarcações de grandes dimensões.

Para contornar tais dificuldades, autoridades do Pacífico defendem a formalização de procedimentos operacionais padrão (SOPs) que integrem todas as partes — China, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, França, Taiwan e Estados insulares — por meio de centros regionais de coordenação, como o Centro de Operações da FFA em Honiara. Esse tipo de arranjo permitiria o compartilhamento em tempo real de dados de vigilância (VMS, AIS, satélites) e canais de desagravo diplomático para resolução rápida de incidentes.

Papel dos Dados de Infração na Estratégia de Fiscalização

Os índices de infração registrados pela WCPFC fornecem subsídios fundamentais para o planejamento de patrulhas e negociações de acordos bilaterais. Entre 2008 e meados de 2025, os números indicam:

  • 158 infrações para embarcações de bandeira chinesa, representando cerca de 46% das abordagens realizadas por inspetores da WCPFC.
  • 233 infrações para frotas taiwanesas, a cifra mais alta dentre todas as nações insulares e continentais que atuam na região.

Esse histórico influencia diretamente as estratégias dos Estados insulares. Países que registram reincidência de infrações por parte de frotas taiwanesas tendem a permitir inspeções autorizadas por Taipei, enquanto aqueles cansados de infrações chinesas podem negociar patrulhas costeiras chinesas em sua ZEE, mesmo correndo o risco de tensionar os laços com parceiros ocidentais. A prioridade, no entanto, continua sendo a redução da pesca INN, dada a importância econômica das capturas de atum para o sustento local.

Implicações Geopolíticas e Perspectivas Futuras

A decisão chinesa de exibir o Haixun 06 e registrar 26 navios no WCPFC sinaliza uma guinada estratégica: de operações restringidas à zona cinzenta no Mar do Sul da China, para a atuação formal como agente de aplicação da lei em alto-mar. As possíveis consequências de longo prazo incluem:

  1. Nova Projeção de Poder Naval: ao estender sua guarda costeira para águas remotas, a China amplia sua capacidade de influenciar a dinâmica pesqueira e geopolítica no Pacífico, tradicionalmente dominado por potências ocidentais.
  2. Mudanças nas Normas de Governança em Alto-Mar: caso Beijing promova com sucesso alterações nas diretrizes do WCPFC para reduzir o poder de veto de bandeiras insatisfatórias, poderá criar precedentes para que outras nações pressionem por flexibilizações, enfraquecendo os mecanismos convencionais estabelecidos pela UNCLOS (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar).
  3. Reequilíbrio Regional: Estados insulares do Pacífico devem calibrar continuamente suas alianças, pesando a capacidade chinesa de prover recursos de fiscalização contra o receio de dependência estratégica excessiva.
  4. Risco de Escalada com Taiwan: sem protocolos claros, qualquer tentativa chinesa de abordar embarcações taiwanesas pode evoluir para crise diplomática, envolvendo diretamente os EUA, que mantêm compromissos de segurança à República de Taiwan.
  5. Fortalecimento Institucional: para acomodar a entrada da CCG, a FFA e a WCPFC precisarão reforçar a coordenação intergovernamental, inclusive integrando navios chineses a centros de informações regionais, garantindo transparência e evitando choques operacionais.

Até o momento, os Estados insulares enfatizam a importância de construir um “mosaico multilateral” em que nenhuma potência detenha exclusividade sobre a fiscalização marítima. Como afirmou Allan Rahari: “O principal para a China é entrar nesse espaço sem pisar nos calos de outros parceiros, porque isso geraria conflitos na região, algo que não desejamos”. Manter esse equilíbrio dependerá de transparência mútua, acordos claros de patrulha e diálogo permanente para assegurar que a pesca INN seja mitigada sem comprometer a estabilidade regional.

Conclusão

A recente demonstração da Guarda Costeira Chinesa, materializada pelo Haixun 06, e o registro de 26 navios no WCPFC, representam passos decisivos para que a China consolide uma presença perene de fiscalização em alto-mar no Pacífico Ocidental e Central. Esses movimentos ocorrem em um momento de crescente pressão contra a pesca ilegal, quando Estados insulares buscam fortalecer suas capacidades de monitoramento e fiscaliza­ção, articulando parcerias múltiplas com potências ocidentais e, agora, com a China. O êxito dessa iniciativa—sem que ocorram atritos diplomáticos graves, principalmente envolvendo frotas tai­wanesas e a Guarda Costeira dos Estados Unidos—dependerá da habilidade de todos os atores em integrar seus meios em um regime comum, baseado em normas claras da WCPFC e na cooperação operacional. Caso contrário, a expansão das atividades chinesas poderá gerar sobreposição de patrulhas, disputas de jurisdição e riscos de incidentes navais, prejudicando a almejada paz e a governabilidade dos recursos marinhos no Pacífico.

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