Sul-Coreia e EUA avançam em negociações tarifárias: desafios econômicos e geopolíticos no governo Lee Jae-myung

Presidente sul-coreano Lee Jae-myung discursa na cerimônia do 70º Dia Memorial em Seul, em 6 de junho de 2025.
O presidente sul-coreano Lee Jae-myung discursa durante a cerimônia do 70º Dia Memorial Nacional, realizada no Cemitério Nacional de Seul, em 6 de junho de 2025. (JEON HEON-KYUN/Pool via REUTERS)

Na esteira da eleição de Lee Jae-myung em 3 de junho de 2025, o novo presidente da Coreia do Sul e o presidente dos EUA, Donald Trump, fizeram sua primeira ligação oficial na sexta-feira (6). Ambos concordaram em acelerar negociações para um acordo tarifário mútuo, que evite a escalada de tarifas e atenda aos interesses econômicos de cada país. Enquanto Lee busca estabilizar a economia sul-coreana, fortemente dependente de exportações, Trump pressiona para reduzir o déficit comercial e espera contrapartidas financeiras para manter as tropas americanas na península. Ao mesmo tempo, o governo Lee enfrenta dilemas internos e externos: de um lado, a necessidade urgente de preservar a competitividade dos setores-chave (semicondutores, automóveis e construção naval); de outro, o posicionamento de Lee em relação à China e à Coreia do Norte, que pode tensionar a já delicada aliança com Washington. Este artigo revisa o cenário político que antecedeu o telefonema, analisa o histórico tarifário entre Seul e Washington, avalia os impactos econômicos projetados e explora as implicações geopolíticas e domésticas para o novo governo sul-coreano.

Contexto político e chegada de Lee Jae-myung ao poder

Lee Jae-myung, líder do Partido Democrático de centro-esquerda, foi eleito presidente em 3 de junho de 2025 com 49,4% dos votos, substituindo o conservador Yoon Suk Yeol, que havia sido impedido de governar após processo de impeachment. O país atravessava um turbilhão institucional, marcado pela declaração de lei marcial de Yoon em dezembro de 2024 e pela profunda polarização política. Com maioria no Parlamento até 2028, Lee prometeu restabelecer a estabilidade institucional e priorizar a recuperação econômica diante do crescimento anêmico e do endividamento elevado. Sua postura busca, simultaneamente, fortalecer a aliança com os EUA e adotar um tom mais conciliatório em relação à China e à Coreia do Norte. Internamente, o novo presidente enfrenta fragmentação política e críticas de conservadores que receiam seu histórico de ativismo progressista e investigações judiciais pendentes.

Acordo telefônico e eixos das negociações Tarifárias

Na conversa de 6 de junho de 2025, Lee e Trump concordaram em “fazer esforços para alcançar um acordo satisfatório nas consultas tarifárias o mais breve possível”, conforme divulgado pelo gabinete presidencial de Seul. Ambos decidiram estimular negociações em nível técnico (working-level), com o objetivo de produzir resultados concretos que agradem a cada parte. Trump formalizou convite para um encontro presencial em solo americano, com a expectativa de que Lee possa participar da cúpula do G7 no Canadá em meados de junho. Durante o telefonema, os líderes também trocaram relatos pessoais sobre as tentativas de assassinato que sofreram no ano anterior – Lee foi esfaqueado em janeiro de 2024, e Trump foi ferido no ouvido por um projétil em julho de 2024 – e manifestaram interesse em jogar golfe juntos.

Histórico Tarifário e o “Pacote de Julho”

Desde o início de 2025, a Casa Branca impôs tarifas punitivas sobre produtos sul-coreanos — notadamente metálicos e automotivos — como parte da retórica protecionista de Trump. Em fevereiro, Lee, então líder da oposição, chegou a propor a criação de uma comissão parlamentar para enfrentar o que classificou como “plano tarifário massivo” de Washington, alertando que empresas com unidades em Canadá, México e China seriam prejudicadas. Em abril de 2025, as equipes de comércio e finanças de Seul e Washington fecharam um acordo preliminar: o “July Package”, cujo prazo para entrada em vigor está marcado em 8 de julho de 2025, prevê a eliminação gradual de tarifas recíprocas sobre automóveis, semicondutores, construção naval e gás natural liquefeito. Porém, a mudança de governo em Seul interrompeu o avanço das negociações e impôs novo cronograma sob a gestão de Lee.

Impactos Econômicos e projeções atualizadas

  1. Redução no crescimento projetado (KDI):
    Em 12 de fevereiro de 2025, o Instituto de Desenvolvimento da Coreia (KDI) revisou sua previsão de expansão do PIB para 2025 de 2,0% para 1,6%, atribuindo a piora ao endurecimento do ambiente de comércio global e às tarifas americanas. Essa foi a segunda revisão de baixa em quatro meses, refletindo o receio de que novas tarifas comprometam exportações-chave.
  2. Superávit comercial recorde e vulnerabilidade:
    Em 2024, o superávit comercial da Coreia do Sul com os EUA atingiu a cifra recorde de US$ 55,69 bilhões, o maior entre os parceiros de Washington. Metade desse valor advém de semicondutores, automóveis, autopeças e tecnologia de baterias. A imposição de tarifas adicionais poderia reduzir as vendas ao mercado americano em até 14% e retirar até 0,2 p.p. do crescimento do PIB, segundo estimativas do Korea Institute for Industrial Economics and Trade.
  3. Diversificação de contrapartidas (energia e investimentos):
    Especialistas sugerem que Seul apresente concessões em outras áreas para reduzir o déficit americano, como aumentar importações de energia (petróleo e gás natural), equipamentos de semicondutores, aeronaves e itens militares dos EUA, além de garantir que conglomerados (LG, Samsung, SK hynix) cumpram investimentos previstos em solos americanos no âmbito do CHIPS and Science Act. A transferência de linhas de produção e a geração de empregos nos EUA poderiam mitigar pressões de Trump para revogar subsídios concedidos às empresas sul-coreanas.

Dimensão geopolítica: China, Coreia do Norte e a aliança com os EUA

Embora Lee tenha reiterado a “importância vital” da aliança com os EUA, seu governo sinaliza uma postura mais flexível em relação à China e à Coreia do Norte. Durante a campanha, Lee enfatizou que Pequim é parceiro comercial essencial, representando quase 25% das exportações sul-coreanas em 2024. Ao mesmo tempo, ele defende a retomada do diálogo com Pyongyang, propondo iniciativas de cooperação que abranjam ajuda humanitária e intercâmbio cultural, ainda que analistas apontem baixas chances de progresso imediato, dada a crescente aliança de Kim Jong-un com Moscou. Washington, por sua vez, vê com ressalvas essa postura: um oficial do Pentágono advertiu recentemente que buscar cooperação econômica com a China ao mesmo tempo em que mantém aliança militar com os EUA pode complicar a estratégia de contenção na região.

Desafios internos e próximos passos das negociações

  1. Pressões domésticas:
    • Grandes conglomerados (chaebols): Cobram celeridade nas negociações para reduzir a incerteza de investimentos e preservar a competitividade global.
    • Pequenas e médias empresas (PMEs): Receiam que a liberalização tarifária não basta para enfrentar concorrentes americanos subsidiados, clamando por incentivos fiscais e apoio governamental.
    • Setores específicos: Montadoras (Hyundai, Kia) e fabricantes de semicondutores (Samsung, SK hynix) pressionam para manter equivalência nos níveis de tarifas, enquanto a indústria naval busca salvaguardas contra concorrentes estrangeiros.
  2. Cronograma e possibilidades de encontro presencial:
    • As negociações em nível técnico devem retomar já na segunda quinzena de junho de 2025, com prazo definido para concluir o “July Package” até 8 de julho.
    • A presença de Lee na cúpula do G7, agendada para meados de junho no Canadá, é vista como a primeira chance de encontro cara a cara entre os presidentes. Apesar de incerta, essa reunião serviria para alinhar expectativas e estabelecer métricas de progresso.
    • Se concretizado, o encontro presencial elevaria a pressão política para mostrar resultados antes da virada do ano fiscal de ambos os países, especialmente em ano eleitoral americano.

Conclusão

O diálogo entre Lee Jae-myung e Donald Trump em 6 de junho de 2025 sinaliza um esforço conjunto para pôr fim a uma escalada tarifária que ameaça setores vitais da economia sul-coreana. A adesão ao cronograma do “July Package” é imperativa para evitar um retrocesso em crescimento, já projetado abaixo de 2% pelo KDI, e para manter a penetração em um mercado americano responsável por quase 20% das exportações de Seul. No entanto, o desafio de Lee vai além da economia: conciliar os interesses geopolíticos de Pequim, a reaproximação com Pyongyang e a aliança com Washington exigirá manobras diplomáticas refinadas. Internamente, acomodar as demandas dos chaebols e das PMEs, ao mesmo tempo em que se preserva uma agenda progressista de reformas sociais e regulatórias, mostrará a habilidade política do novo governo. Se o acordo tarifário conjunto for firmado nos termos esperados, as exportações sul-coreanas terão espaço para crescer em 2025, e as tensões geopolíticas poderão ser geridas sem romper a aliança com os EUA. Caso contrário, a Coreia do Sul corre o risco de enfrentar uma retração econômica mais profunda e pressões políticas crescentes em um cenário internacional cada vez mais fragmentado.

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