
A região do Mar do Sul da China, conhecida pelas Filipinas como Mar das Filipinas Ocidental, permanece como um dos pontos mais sensíveis e estratégicos da geopolítica contemporânea. Reivindicada por diversas nações vizinhas e palco de construções militares e provocações navais, essa vasta extensão marinha é vital não apenas pela sua riqueza biológica e pesqueira, mas também pelas rotas comerciais e reservas de recursos naturais que sustentam grande parte da economia regional. Nos últimos meses, incidentes envolvendo o uso de canhões de água contra navios de pesca filipinos, cercos a embarcações locais e manobras agressivas de navios chineses reacenderam o debate internacional sobre soberania, responsabilidade ambiental e segurança no Indo‑Pacífico. Este artigo oferece uma revisão detalhada dos aspectos históricos, jurídicos, humanos e militares que moldam a tensão em torno de Palawan, Zambales, Kalayaan e Ilha Pag‑asa, incorporando as mais recentes ocorrências, depoimentos e perspectivas globais.
Contexto Histórico e Jurídico
A disputa no Mar do Sul da China remonta à época colonial, quando mapas chineses do início do século XX já indicavam a chamada “linha dos nove traços” (nine‑dash line), sem definição precisa de coordenadas. Nas últimas décadas, essa reivindicação foi reinterpretada pelas autoridades de Pequim como justificativa para controlar até 90% da bacia marítima, em claro contraste com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) de 1982, que define Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) de 200 milhas náuticas a partir das costas de cada Estado‑litoral.
Em 2016, o Tribunal Arbitral de Haia — em ação iniciada pelas Filipinas — decretou que as reivindicações chinesas não têm base legal dentro da ZEE filipina e que numerosos recifes artificialmente ampliados violavam obrigações ambientais. A China rejeitou o veredito, mantendo suas operações de construção, militarização e patrulha, o que agrava o impasse jurídico.
Importância Estratégica de Palawan e Zambales
Palawan, ilha-chave no extremo oeste das Filipinas, serve de retaguarda logística. A cidade de Puerto Princesa abriga o porto maior mais próximo de Kalayaan e Ilha Pag‑asa, permitindo o desembarque de suprimentos civis e militares. Já Zambales, na costa noroeste de Luzon, é base tradicional de pescadores que se embrenham até o recife de Scarborough — área também reivindicada pela China. Pescadores filipinos relataram, em junho de 2025, ter sido alvo de disparos de canhões de água e intimidações durante patrulhas chinesas, afetando sua subsistência.
A conservação marinha nessas áreas é vital: mais de 3.200 espécies de peixes, 620 de corais e 1.000 de moluscos dependem dos recifes naturais, ameaçados por dragagens e aterros para instalações militares.
O Papel de Kalayaan e da Ilha Pag‑asa
O município de Kalayaan engloba sete ilhas administradas pelas Filipinas nos Spratlys, das quais a Ilha Pag‑asa é a única com população civil permanente, de cerca de 400 residentes. Desde 2022, o governo filipino investiu cerca de ₱3,4 bilhões (aprox. US$ 62 milhões) na modernização da ilha:
- Transformação do píer em terminal multipropósito, permitindo navios de maior calado;
- Ampliação da pista de pouso para atender aeronaves militares e cargueiros leves;
- Instalação de radar costeiro e estação meteorológica;
- Expansão do sistema de dessalinização e geração de energia solar.
Tais melhorias reforçam a presença civil e militar, com o objetivo de dissuadir incursões não autorizadas e garantir assistência imediata a pescadores filipinos.
Impactos Ambientais e Sustentabilidade
Em resposta à militarização chinesa, que incluiu aterros em recifes como Fiery Cross e Subi, destruindo até 350 hectares de coral desde 2014, o Parlamento das Filipinas aprovou, em maio de 2025, a designação de Kalayaan como Reserva Marinha Nacional. A medida visa proibir a pesca predatória e criar zonas de reprodução para espécies ameaçadas, como o gigantesco Taklobos (Tridacna gigas) e tartarugas marinhas.
ONGs ambientais, como o WWF Filipinas, alertam que a destruição de recifes reduz a resiliência costeira a tempestades, colocando em risco comunidades em Palawan e Zambales.
Revelações do Documentário Filipino e Vozes Locais
Lançado em junho de 2025, o documentário “Presença Invisível” trouxe relatos em primeira mão:
- Pescadores como Roberto Santos afirmam que sua pesca diária caiu de 60 kg para 18 kg após confrontos com embarcações chinesas;
- Agricultores em Pag‑asa relatam correções forçadas de rota por drones de vigilância chineses, inviabilizando a condução de mantimentos;
- Comunidades locais exigem reforço da Guarda Costeira das Filipinas, já em curso com o despacho de duas novas corvetas em julho de 2025.
O impacto humano reforça a urgência de soluções multilaterais que equilibrem segurança e subsistência.
Citações Oficiais e Depoimentos
“A soberania das Filipinas sobre o Mar das Filipinas Ocidental é inegociável. Continuaremos a defender nossos pescadores e guardiões costeiros.”
— Tenente-Brigadeiro Remigio Castro, Chefe da Guarda Costeira das Filipinas, declaração em 10 de junho de 2025.
“As obras em Fiery Cross não violam o direito internacional; são atividades de defesa legítima.”
— Porta-voz do Ministério da Defesa da China, comunicado em 2 de julho de 2025.
Depoimentos de pescadores e moradores locais reforçam o caráter humano da disputa, destacando como a geopolítica impacta diretamente o cotidiano.
Consequências Regionais e Globais
A tensão no Mar do Sul da China extrapola as fronteiras regionais. Rota vital para cerca de 30% do comércio marítimo global, qualquer bloqueio ou escalada militar pode elevar custos de transporte e desestabilizar mercados internacionais de energia e commodities. Além disso:
- Equilíbrio de Poder: A presença militar chinesa desafia a supremacia naval histórica dos EUA no Indo‑Pacífico, incentivando parcerias estratégicas como o Quad (EUA, Índia, Japão, Austrália).
- Segurança Alimentar: Comunidades costeiras, dependentes da pesca, enfrentam queda na captura e migração forçada, afetando a segurança alimentar de milhões.
- Meio Ambiente: A destruição de recifes compromete serviços ecossistêmicos, reduz a absorção de carbono e aumenta a vulnerabilidade a eventos climáticos extremos.
Perspectivas Futuras e Caminhos para a Estabilidade
- Diálogo Bilateral: As Filipinas têm buscado negociações diretas com Pequim, sem mediação externa, visando um acordo de pesca compartilhada — proposta até agora rejeitada pela China.
- Engajamento Multilateral: O Código de Conduta no Mar do Sul da China (COC), em discussão desde 2018, ganhou tração em junho de 2025 com novo cronograma para negociações formais envolvendo ASEAN+3.
- Soft Power e Sustentabilidade: Investimentos filipinos em turismo de mergulho ecocultural em Palawan podem reforçar a presença não militar, simultaneamente promovendo conservação.
Conclusão
A disputa no Mar do Sul da China e no Mar das Filipinas Ocidental permanece um dos desafios mais complexos do Indo‑Pacífico, unindo questões de soberania, meio ambiente e segurança. A estratégia filipina de consolidar presença em Palawan, Zambales, Kalayaan e Ilha Pag‑asa, aliada ao apoio de aliados ocidentais, deve ser complementada por mecanismos regionais mais eficazes e compromissos ambientais que garantam meios de vida sustentáveis.
Perguntas para reflexão:
- Como equilibrar a soberania nacional e o direito internacional sem escalar conflitos?
- De que forma iniciativas de conservação podem servir como ferramenta diplomática?
- Qual o papel de grandes potências na promoção de um Código de Conduta vinculante?
- Como as comunidades locais podem ser melhor incluídas no processo decisório regional?
A resposta a essas perguntas pode determinar o rumo da estabilidade e cooperação no Indo‑Pacífico nos próximos anos.
Faça um comentário