
Na segunda-feira, a fonte oficial norte-coreana KCNA confirmou pela primeira vez o envio de tropas para lutar ao lado da Rússia na guerra contra a Ucrânia, sob ordens diretas do líder Kim Jong Un. Segundo o relato, unidades norte-coreanas ajudaram a retomar o controle de território russo na região de Kursk, até então ocupado por forças ucranianas.
Contexto e Escala da Operação
De acordo com autoridades ucranianas, cerca de 14.000 soldados norte-coreanos foram enviados a Kursk, incluindo 3.000 reforços para repor perdas iniciais. Embora chegassem sem blindados e sem experiência prévia em guerra de drones, as tropas adaptaram-se rapidamente, obtendo ganhos táticos que deram à Rússia vantagem crucial naquele setor do front.
A própria Rússia reconheceu, no fim de semana, que as tropas de Pyongyang expulsaram as forças ucranianas do “último vilarejo” sob controle de Kiev em solo russo, afirmação que Kiev nega, mantendo que ainda opera em pontos da fronteira.
Motivações Político-Estratégicas
O anúncio tardio — após seis meses de silêncio sobre o tema — e o destaque ao sacrifício “a custo de sangue” dos soldados norte-coreanos têm caráter simbólico-duplo:
- Diplomático, reforçando perante audiências interna e externa a “parceria estratégica integral” firmada por Kim e Putin em junho de 2024.
- Tático, ao sinalizar a Ucrânia e seus aliados ocidentais que Moscou dispõe de novas forças aliadas, potencialmente deslocáveis para outros setores, inclusive dentro da própria Ucrânia.
Segundo Hong Min, do Korea Institute for National Unification, “tratou-se de uma performance diplomática para projetar Kim e Putin como parceiros iguais, preparando terreno para uma cúpula bilateral.”
Reações Internacionais
- Estados Unidos: o Departamento de Estado exigiu o fim imediato do envio de tropas e de qualquer contrapartida russa, afirmando que Moscou violou resoluções do Conselho de Segurança da ONU ao treinar soldados norte-coreanos. “Países cujo apoio prolonga esta guerra carregam responsabilidade”, declarou um porta-voz à Reuters
- Coreia do Sul: classificou a confissão como “admissão de ato criminoso” e condenou a decisão “desumana e imoral” de enviar jovens norte-coreanos para sustentar o regime de Kim.
Dimensão Militar e de Segurança
Para analistas, a aliança fortalece a segurança de Pyongyang para além de seu arsenal nuclear. “Após Kursk, a segurança norte-coreana não repousa mais apenas em seu arsenal nuclear, mas também em sua aliança com uma grande potência militar. Isso muda o jogo estratégico na Península Coreana e no Leste Asiático”, observa Artyom Lukin, da Far Eastern Federal University.
Opiniões de Especialistas
- Andrew Yeo e Hanna Foreman (Brookings Institution):
“A grande mobilização de tropas norte-coreanas na Rússia representa uma fase preocupante da guerra Rússia-Ucrânia e carregará implicações profundas para a política global. Isso pode incentivar outros Estados isolados a apoiar Moscou.” - CSIS (Center for Strategic and International Studies):
“A Rússia provavelmente está pagando cerca de US$ 2.000 por soldado por mês. Esse tipo de arranjo entre combatentes ricos e pobres não é incomum — os EUA fizeram o mesmo no Iraque e Afeganistão.” - Artyom Lukin (Far Eastern Federal University):
“Para todos os efeitos, isto é um pacto de aliança militar. Moscou e Pyongyang agora podem se apoiar em conflitos um do outro.”.
Implicações para o Conflito
- Negociações de paz: a capacidade de Moscou de recorrer a tropas aliadas pode reforçar sua posição nas negociações mediadas pelos EUA, que entram em fase crucial.
- Projeção de poder: Pyongyang conquista prestígio ao demonstrar disposição de intervir em guerra distante, esperando em troca reforços tecnológicos ou políticos de Moscou.
- Escalada regional: o envolvimento direto de tropas estrangeiras expande o conflito, podendo motivar novas sanções e ampliar o apoio ocidental a Kiev.
Conclusão
A confirmação norte-coreana de envio de tropas a Kursk marca um novo estágio de internacionalização da guerra Rússia-Ucrânia. Mais do que uma simples demonstração de força, trata-se de um movimento calculado para solidificar uma aliança entre dois regimes isolados, trocar favores estratégicos e alterar o equilíbrio de poder no front e nas mesas de negociação. Ao exaltar os “heróis coreanos” como iguais aos russos, Putin sinaliza que dispõe de recursos humanos além dos limites do próprio território russo, complicando qualquer perspectiva de desescalada rápida.
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