
O governo de coalizão da Holanda desabou no início de junho de 2025, levando o primeiro-ministro Dick Schoof a anunciar sua renúncia e a definir, em caráter de gestão interina, a data das próximas eleições gerais para 29 de outubro de 2025. A decisão foi comunicada pelo gabinete de Schoof depois que o Partido pela Liberdade (PVV), liderado por Geert Wilders, retirou seus ministros da coalizão, deixando o Executivo sem maioria no Parlamento.
Colapso da Coalizão: Motivações e Desencadeamento
Na terça-feira, 3 de junho de 2025, o PVV comunicou oficialmente sua saída da coalizão de quatro partidos que governava desde meados de 2024. Wilders sustentou que seus aliados se recusaram a aprovar um plano de dez pontos para endurecer ainda mais as políticas de imigração, incluindo a revogação da dupla cidadania e restrições de reunificação familiar para refugiados. Após essa ruptura, o primeiro-ministro Schoof entregou sua carta de renúncia ao Parlamento, tornando-se chefe de um gabinete interino até a formação de um novo governo.
Composição e Tensões Internas
A antiga coalizão era formada pelo PVV (direita populista), pelo Novo Contrato Social (NSC, centrista), pelo Partido Popular pela Liberdade e Democracia (VVD, liberal de centro-direita) e pelo Movimento dos Fazendeiros-Cidadãos (BBB, conservador rural). Embora o PVV tenha conquistado 37 cadeiras nas eleições de novembro de 2023, sua insistência em impor mudanças drásticas na lei de imigração entrou em choque com a posição mais moderada do NSC e do VVD, que preferiam ajustes graduais conforme o Acordo-Quadro de Governo selado em maio de 2025.
Impacto Político e Legado de Mark Rutte
Embora Mark Rutte tenha deixado o cargo de primeiro-ministro em setembro de 2024, seu legado permaneceu forte no VVD. Em 2 de junho de 2025, Rutte anunciou que deixaria definitivamente a vida política após a formação do próximo governo, encerrando quase 13 anos à frente do Executivo neerlandês. Sua saída motivou disputas internas no VVD e sinalizou uma fase de transição na maior força liberal do país.
Calendário Eleitoral e Prazos Regulatorios
O Parlamento aprovou rapidamente a convocação das eleições para 29 de outubro de 2025, atendendo à proposta apresentada pela Junta Eleitoral como primeira data possível para os comícios. Enquanto Schoof permanece em cargo interino, a Câmara ainda definirá até quando o governo de gestão corrente poderá exercer funções essenciais, como vetar decretos de peso e aprovar orçamentos emergenciais relativos à recuperação de áreas afetadas por terremotos em Groningen, apoio à Ucrânia e políticas energéticas.
Cenário Partidário e Perfis dos Principais Atores
Nas projeções de início de junho de 2025, o espectro partidário permanece fragmentado:
- PVV (Partido pela Liberdade), Geert Wilders (37 cadeiras): defende o endurecimento máximo das regras de asilo, incluindo cláusula de saída do regime europeu de migração se necessário.
- NSC (Novo Contrato Social), Pieter Omtzigt (20 cadeiras): partido centrista, nasceu de dissidentes do VVD e foca em transparência e reforma administrativa.
- VVD (Partido Popular pela Liberdade e Democracia), Dilan Yeşilgöz-Zegerius (24 cadeiras): liberal de centro-direita, propõe medidas de estímulo econômico e manutenção de políticas migratórias moderadas.
- GroenLinks–PvdA, Frans Timmermans (25 cadeiras): aliança social-democrata-verde que prioriza combate às mudanças climáticas e redes de proteção social.
- BBB (Movimento dos Fazendeiros-Cidadãos), Caroline van der Plas (7 cadeiras): populista rural, focado em agronegócio e preservação de comunidades do interior.
- D66 (Democratas 66), Rob Jetten (9 cadeiras): centrista pró-União Europeia, defende políticas de inovação, direitos civis e transição energética.
- CDA (Apelo Democrático Cristão), Henri Bontenbal (5 cadeiras): orientação cristã-social, defende valores familiares e papel ativo do Estado em políticas sociais.
- PS (Partido Socialista), Jimmy Dijk (5 cadeiras): esquerda radical, com foco em redistribuição de renda e serviços públicos fortalecidos.
- Partido dos Animais, Esther Ouwehand (3 cadeiras): agenda ambientalista e de bem-estar animal.
- FvD (Fórum para a Democracia), Thierry Baudet (3 cadeiras): nacionalista de direita, discute políticas identitárias e eurocéticas.
- Outros partidos menores (Denk, SGP, União Cristã, Volt, JA21): juntos somam cerca de 15 cadeiras, refletindo ainda mais a fragmentação do cenário.
Conquistar a maioria absoluta de 76 votos na Câmara dos Representantes exigirá combinados de quatro a seis formações políticas, indicando negociações longas e repletas de concessões. A volatilidade do eleitorado neerlandês, evidenciada pela ascensão meteórica do PVV em 2023, sugere que poucas coalizões serão estáveis sem grandes cedências em temas-chave.
Temas-Chave da Campanha Eleitoral
- Migração e Política de Asilo
- O PVV promete implementar o “regime de asilo mais rigoroso de todos os tempos”, conforme o acordo de coalizão de maio de 2025, colocando em risco a relação com Bruxelas ao prever cláusula de saída do Pacto Europeu de Migração. Em contraste, GroenLinks–PvdA e D66 defendem políticas que respeitem compromissos internacionais de direitos humanos, propondo aumento de cotas para refugiados e processos de acolhimento mais humanitários.
- Economia e Custo de Vida
- A inflação de 3,2 % em 2024 elevou o custo de vida, gerando pressão sobre salários e serviços públicos. O NSC e o PvdA apresentam propostas de alívio fiscal para famílias de baixa e média renda, enquanto o VVD defende compromisso com austeridade moderada e estímulos ao setor produtivo. O risco de recessão europeia e a alta nos preços de energia tornam esse debate central para eleitores preocupados com orçamento doméstico.
- Mudanças Climáticas e Transição Energética
- Como líder em tecnologias limpas, a Holanda planeja reduzir 55 % das emissões de carbono até 2030. GroenLinks–PvdA e D66 impulsionam metas ainda mais ambiciosas, defendendo maior investimento em energia eólica offshore e infraestrutura de hidrogênio verde. Já setores agrícolas representados pelo BBB defendem cronogramas mais graduais, alegando impactos socioeconômicos nas regiões rurais.
- Relações com a União Europeia
- Com o PVV propondo retomar controle absoluto de fronteiras, aliados no Conselho Europeu receiam possível atrito em negociações de orçamento e programas de coesão. Países-fronteira, como Alemanha e Bélgica, acompanham de perto, pois consideram o posicionamento neerlandês decisivo para aprovação de pacotes financeiros da UE e políticas de ampliação para Ucrânia e Moldávia.
Implicações para a Governança e o Papel Internacional
Entre 3 de junho e 29 de outubro de 2025, Schoof lidera o gabinete interino em “funções de gestão”, limitado a assuntos urgentes – sem poder de aprovar reformas estruturais. A hesitação em endossar compromissos de médio e longo prazo pode atrasar a ratificação de pacotes orçamentários europeus e a liberação de verbas para recuperação de Groningen, onde abalos sísmicos ainda provocam danos. Até então, o Parlamento mantém debates acalorados sobre a urgência de medidas de apoio financeiro e regulatório a setores vulneráveis.
No campo internacional, a instabilidade em Haia reforça incertezas: a Holanda, tradicional mediadora em conversas europeias, restringe seu protagonismo até que o novo governo tenha plenos poderes. Países-membros e instituições europeias monitoram de perto, pois a hesitação neerlandesa em votar pacotes de ajuda a países candidatos pode atrasar decisões em conselhos ministeriais e plenárias do Parlamento Europeu.
Cenários para a Formação de Governo Pós-Eleitoral
- Coalizão de Direita Moderada e Populista
- Caso o PVV mantenha sua vantagem, Wilders tentaria recrutar o VVD, o NSC e o BBB, formando um bloco entre 90 e 100 cadeiras. Porém, a diferença de prioridades, sobretudo nos temas de imigração, pode gerar novos impasses. O VVD e o NSC já sinalizaram desconforto com a retórica antimigratória absoluta do PVV, indicando que acordos dependerão de concessões severas.
- Frente de Centro-Esquerda e Verde
- Alternativa envolveria GroenLinks–PvdA, NSC, D66 e possivelmente Volt, somando entre 75 e 80 cadeiras. Para alcançar os 76 votos necessários, seria preciso atrair um ou dois partidos menores (como o Partido dos Animais ou o Grünen de alguns estados). Tal combinação exigiria compromissos em reformas fiscais e controle de gastos públicos.
- Governo de Unidade Nacional
- Em cenário extremo de impasse, poderia surgir uma coligação composta por VVD, NSC, CDA, PvdA e possivelmente até o BBB, formando um “governo de salvação” que exclua tanto o PVV quanto o D66. Essa aliança exigiria convergência sobre orçamento público, migração e renovação de infraestrutura, mas correria o risco de pouca coesão ideológica, tornando a gestão difícil.
Conclusão
A convocação das eleições para 29 de outubro de 2025 traduz o reflexo de tensões profundas sobre imigração, identidade e posicionamento europeu na Holanda. A queda do governo após apenas 11 meses escancarou a volatilidade do eleitorado neerlandês e o desafio que partidos centristas e de direita moderada enfrentam ao negociar acordos com forças populistas. Até a posse do próximo governo, o gabinete interino de Dick Schoof terá suas decisões limitadas a situações de emergência, gerando incertezas sobre questões fiscais e políticas de longo prazo. No plano internacional, o hiato deixado pela administração interina pode atrasar a participação neerlandesa em debates cruciais na UE, afetando desde a alocação de recursos até negociações de ampliação. A partir de agora, todas as atenções se voltam para a campanha eleitoral, cuja disputa acirrada definirá não apenas o próximo Primeiro-Ministro, mas também o rumo político e econômico dos Países Baixos e seu impacto no contexto europeu.
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