
Nesta quinta-feira, 5 de junho de 2025, a ministra da Defesa espanhola, Margarita Robles, reafirmou que a Espanha manterá a meta de gastos com defesa de 2% do PIB, argumentando que esse patamar é suficiente para cumprir as obrigações internacionais assumidas no âmbito da OTAN. A declaração ocorre em um momento de intensas pressões de aliados europeus e dos Estados Unidos, que recomendam metas ainda superiores — entre 3% e até 5% do PIB. Enquanto se aproxima a cúpula da OTAN em Haia, que poderá elevar os compromissos financeiros dos membros, Madri busca equilibrar interesses estratégicos, restrições orçamentárias internas e a necessidade de manter coesão política em seu próprio Parlamento.
Contexto e posicionamento oficial
Em coletiva de imprensa realizada em Madri, Robles destacou que “2% do PIB é suficiente para atender às responsabilidades que assumimos” e assegurou que a Espanha não vetará qualquer deliberação da OTAN que vise elevar esse percentual na reunião de líderes marcada para o fim de junho em Haia. Para a ministra, “o importante é que cada país cumpra os objetivos que definiu para si mesmo”, indicando disposição institucional em aceitar decisões coletivas, sem renunciar à autonomia de planejamento interno.
Evolução recente dos gastos militares espanhóis
Em 2024, a Espanha alocou apenas 1,3% do PIB para defesa, situação que a posicionou como o país de menor compromisso financeiro dentro da OTAN. Até abril de 2025, o governo de Pedro Sánchez preparava-se para antecipar o cumprimento da meta de 2% do PIB de 2029 para este ano. Anunciado em abril, um reforço orçamentário de 10,5 bilhões de euros foi inserido no Orçamento Geral do Estado de 2025, com vistas a elevar rapidamente a despesa militar e acomodar aumentos salariais das Forças Armadas, investimentos em telecomunicações e cibersegurança, além da aquisição e modernização de equipamentos bélicos.
Pressões externas de aliados e instituições europeias
Recomendações de Bruxelas e críticas da Comissão Europeia
No início de março, a Comissão Europeia criticou o plano econômico apresentado pelo governo espanhol por “carecer de investimentos adicionais em defesa”, sinalizando que, mesmo que a meta de 2% do PIB seja cumprida, haveria espaço para um esforço maior na reorientação de recursos financeiros para o setor de segurança. O comissário Valdis Dombrovskis, em pronunciamento de 10 de março, apontou os riscos geopolíticos crescentes — ressaltados pela guerra na Ucrânia e pela instabilidade global — e defendeu que “reforçar as capacidades de defesa europeias não é apenas uma opção, mas uma necessidade estratégica”. Ademais, a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, apresentou em 6 de março um plano de até €800 bilhões para rearmamento, que inclui cláusulas de flexibilização orçamentária para permitir acelerar investimentos em defesa sem comprometer as regras fiscais do Pacto de Estabilidade.
Pressão da OTAN e dos Estados Unidos
No âmbito da OTAN, o secretário-geral Mark Rutte defendeu, em declaração recente, que os países-membros deveriam mirar patamares de 3% do PIB como mínimo, equiparando-se aos níveis da Guerra Fria para enfrentar “ameaças híbridas” e adversários potenciais, como a Rússia. Já os Estados Unidos, tanto na administração quanto em discursos de ex-alto escalão, chegaram a sugerir que aliados, incluindo a Espanha, considerem metas próximas a 5% do PIB para aumentar drasticamente a capacidade de dissuasão europeia.
Sugerimento de subida a 3% por Andrius Kubilius
Em 3 de maio de 2025, o comissário europeu para Defesa, Andrius Kubilius, criticou publicamente a posição de Madri ao afirmar que “2% não basta” e recomendou fortemente um incremento de até 3% do PIB para garantir autonomia estratégica do bloco. Para Kubilius, esse patamar extra viabilizaria investimentos em projetos transnacionais de pesquisa militar, infraestrutura de comando e controle e programas de interoperabilidade, diminuindo a dependência de suprimentos norte-americanos.
Plano de investimento de 2025 e seus desdobramentos
Em abril de 2025, o presidente Pedro Sánchez detalhou que a alocação adicional de 10,5 bilhões de euros será distribuída da seguinte forma:
- Fortalecimento da remuneração e das condições de trabalho dos militares: cerca de 3,5 bilhões de euros para reajustes salariais e melhorias em alojamentos e instalações;
- Telecomunicações e cibersegurança: aproximadamente 3,26 bilhões de euros para criação de um “escudo digital”, com mísseis antissatélite, centros de operações cibernéticas e novas capacidades de inteligência artificial aplicada à defesa;
- Aquisição de equipamentos e modernização de frotas: em torno de 1,9 bilhão de euros para compra de tanques de última geração, drones de combate e modernização de aeronaves F-18, além de veículos blindados de infantaria;
- Pesquisa e desenvolvimento (P&D): 1 bilhão de euros para parcerias público-privadas em tecnologias emergentes, como comunicações quânticas e guerra eletrônica.
Mesmo com esse reforço, estima-se que o crescimento orçamentário para 2025 levará o gasto total de defesa a aproximadamente 1,8 % do PIB naquele ano, atingindo a marca de 2% apenas quando integrados os recursos já comprometidos para 2026 no próximo ciclo orçamentário.
Resistência interna e debate político
Resistência de partidos de esquerda e de Sumar
A Sumar e outros partidos de esquerda vêm manifestando preocupação de que o aumento nos gastos militares venha a prejudicar programas sociais, sobretudo saúde, educação e políticas de emprego juvenil. Nas reuniões de março e abril, deputados desses grupos condicionaram apoio ao compromisso de não haver “um único corte” em políticas de coesão social, o que levou Sánchez a prometer publicamente preservar inteiramente o orçamento voltado a bem-estar.
Posição do Partido Popular e críticas à governabilidade
O Partido Popular (PP) endossa a meta de 2% do PIB, mas questiona a viabilidade de financiá-la sem comprometer a competitividade econômica. Em debates no Congresso, líderes do PP acusaram Sánchez de “focar mais em propaganda europeia do que em propostas concretas” e pediram cronogramas detalhados de execução dos investimentos.
Dificuldades na obtenção de consenso
Em 13 de março de 2025, uma reunião conduzida no Palácio da Moncloa com parlamentares de todos os partidos (à exceção de Vox e – pontualmente – Sumar) não conseguiu superar divergências sobre o ritmo de aumento no orçamento de defesa. Mesmo após conversas privadas com líderes de Sumar e PSOE, Sánchez admitiu que “a chave será alcançar uma maioria que entenda a urgência da ameaça híbrida, sem abandonar o compromisso social”.
Implicações orçamentárias e sociais
Economistas independentes vêm alertando que deslocar recursos para o setor militar, mesmo sem cortes diretos em saúde ou educação, poderá pressionar o déficit público e limitar investimentos em infraestrutura. Segundo relatório do Ecofin, publicado em 1º de março de 2025, “a Espanha está comprometida a 2% do PIB, mas qualquer migração adicional para 3% ou 5% deverá ser acompanhada de cortes compensatórios em outras rubricas orçamentárias, sob risco de elevar a dívida pública além dos níveis atuais”.
Além disso, analistas apontam que a incerteza política dificulta a previsibilidade para as indústrias de defesa nacionais, que necessitam de contratos plurianuais para fomentar inovação e atratividade de investimentos privados.
Perspectivas para a cúpula da OTAN em Haia
A cúpula da OTAN, agendada para os dias 26 e 27 de junho em Haia, deverá propor aos membros a meta de 3% do PIB para 2028 e 2032, com sublinhados específicos para desenvolvimento de capacidades de guerra cibernética, inteligência artificial e interoperabilidade logística. Embora Robles tenha garantido que a Espanha não vetará tais propostas, internamente o governo precisará de novas aprovações no Congresso caso deseje elevar o nível de gasto para além dos 2% já previstos para 2025.
Em Haia, espera-se que o secretário-geral Mark Rutte mencione também metas de longo prazo, defendendo que, “num cenário de competição sistêmica com potências dissuasórias, a Europa não pode se contentar com o mínimo, mas deve mirar níveis próximos a 3% a 3,5% do PIB até 2030”.
Impactos geopolíticos e a relação transatlântica
O reforço orçamentário obedece ao contexto de insegurança no Mediterrâneo, tensão Rússia-Ocidente e receio de realinhamento norte-americano em eventuais mudanças na Casa Branca. A Guerra na Ucrânia, que já completa mais de um ano, e a eventual influência de discursos de ex-presidente Trump — que defende para a Europa patamares de até 5% do PIB — criam um ambiente em que a OTAN insiste em elevar o patamar para reforçar a dissuasão contra “ameaças híbridas” e operações de desinformação russo-chinesas.
Por outro lado, a posição espanhola de privilegiar 2% do PIB, sem inviabilizar programas de coesão interna, sinaliza tentativa de balancear o compromisso transatlântico com a necessidade de manutenção de níveis de bem-estar social, tema sensível na opinião pública e presente no debate eleitoral de 2027.
Conclusão
A decisão de permanecer nos 2% do PIB em 2025 reflete a busca de Madri por um ponto de equilíbrio entre obrigações na OTAN, exigências de Bruxelas e Washington, e as limitações orçamentárias internas. Embora o reforço orçamentário anunciado por Sánchez em abril represente um avanço relevante, a concretização plena da meta de 2% só ocorrerá com o aporte financeiro integral já em 2026. À medida que a cúpula da OTAN em Haia se aproxima, a Espanha mantém a retórica de não vetar elevações futuras, mas precisará de negociação política interna para decidir sobre metas de 3% ou mais. Num cenário em que pressões dos parceiros europeus e dos EUA permanecem altas, o desafio espanhol será demonstrar capacidade de crescimento militar sem comprometer a solidez econômica e a coesão social, decisiva para seu posicionamento estratégico na segurança coletiva europeia e transatlântica
Leia também: Ucrânia Recebe Convite para Cúpula da OTAN em Haia; Presença de Zelensky Permanece Incerta
Faça um comentário